SÃO PAULO – O órgão de resolução de disputas da OMC (Organização Mundial do Comércio) divulgou, reservadamente, um relatório preliminar a respeito do caso do algodão, movido pelo Brasil contra os Estados Unidos da América (EUA). O laudo de primeira instância, todavia, somente será divulgado no dia 18 de junho. Apesar da natureza reservada do relatório preliminar, que servirá como base para a redação do laudo, foi aquele objeto de largos comentários pela imprensa nacional e internacional. Aparentemente, teve o Brasil uma grande vitória, o alcance da qual somente poderá ser definido a partir da divulgação do laudo e de sua confirmação em segunda instância, já que o procedimento de resolução de disputas da OMC tem um duplo grau de jurisdição. A ser confirmada, a vitória será de inteira justiça, já que o escandaloso regime de subsídios americanos, denunciado ampla e inicialmente num processo antidumping movido pelo setor nacional no Brasil, é próprio de uma economia não de mercado, apesar da especiosa retórica de livre comércio posta em prática pelos EUA. Infelizmente, todavia, o sistema de sanções da OMC deixa muito a desejar e permite ao país derrotado numa disputa manter a política julgada ilegal ou inconsistente ante as normas multilaterais de comércio. De fato, a primeira das sanções da OMC é a determinação quanto à retirada da medida ilegal. Todavia, ela não é mandatória e permite ao estado-membro derrotado manter a medida julgada ilegal, o que ocorre com grande freqüência. Assim, o segundo patamar de sanções é chamado de compensação, que nada tem a ver com o significado etimológico do termo. A chamada compensação é o acordo entre os dois ou mais estados-membros partes da disputa na majoração das tarifas de outro produto de exportação do estado derrotado, por parte do país vencedor. Se não houver acordo, então o estado vencedor será autorizado pela OMC a proceder à retaliação, ou seja, a majoração unilateral de tarifas para um dado produto de exportação do estado-membro derrotado. Como expliquei no meu recente livro Arbitration in the World Trade Organization, o regime de sanções da OMC é ineficaz e, além de não sancionar efetivamente o regime jurídico ilegal de um dado estado-membro, ainda pune a corrente saudável de comércio entre os dois estados envolvidos numa dada disputa, através dos disparatados mecanismos de compensação e retaliação. Assim, uma questão envolvendo um produto agrícola, como o algodão, pode terminar numa majoração tarifária aplicável a um terceiro produto, mesmo de outro segmento, como o automobilístico, por exemplo. A medida agrícola original poderá permanecer em vigor, em nada beneficiando o estado-membro vencedor e seus produtores uma vitória no âmbito do sistema de resolução de disputas da OMC. Dessa maneira, sob a ótica imediata dos produtores nacionais, um processo de defesa comercial, seja antidumping, salvaguardas ou de medidas compensatórias é mais eficaz, já que ataca diretamente os efeitos danosos da prática ilegal no mercado doméstico. Todavia, internacionalmente, esse processo deverá ser replicado em outros países para garantir o acesso a mercado de terceiros estados, livre da concorrência desleal do produto subsidiado ou vendido abaixo do preço de custo doméstico. Por sua vez, o processo no âmbito da OMC tem eficácia direta quase nula, tanto é que a maior parte das propostas para a reforma do sistema de resolução de disputas da OMC trata de alterar sua natureza sopitada, trôpega e excessivamente diplomática para um regime de maior juridicidade. De fato, um regime que não pune, comanda o ato ilegal, como já de há muito lembrado por Leonardo da Vinci: “Chi non punisce il male comanda lo si faccia”. De qualquer maneira, uma vitória no âmbito da OMC tem hoje um significado político e institucional de peso, que pode ajudar a promover os argumentos do estado-membro vencedor nas tratativas de acordos multilaterais e regionais.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).