O pagamento antecipado, por Brasil e Argentina, na semana passada, dos empréstimos que deviam junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), representou o ponto mais baixo da perda de credibilidade, já muito reduzida, deste organismo multilateral. Dos grandes países em desenvolvimento, apenas a Indonésia e a Turquia ainda mantém programas ajustados com a agência internacional, reconhecida por induzir acordos baseados em fluxos financeiros e não pelo respectivo impacto sócio-econômico.

Fundado em 1945, como parte dos organismos internacionais que imporiam a nova ordem mundial no pós-guerra, por 29 países, o FMI tinha por objetivo manter a estabilidade das taxas de câmbio e prevenir crises financeiras mediante a proposição de políticas econômicas julgadas eficazes. Para tanto, o organismo também emprestava recursos para fazer frente aos eventuais problemas temporários de balanço de pagamentos de seus membros.

Com sua administração manipulada pelos interesses de seu maior quotista, os Estados Unidos da América (EUA), o FMI privilegiou as transferências financeiras ao sistema bancário internacional. Mais ainda, o organismo induziu a adoção, pelos países devedores, de políticas de liberalização comercial que atendiam aos setores exportadores dos países desenvolvidos, de um modo geral altamente subsidiados, em detrimento da indústria nascente nos países em desenvolvimento.

Como resultado, os indicadores micro-econômicos dos países devedores sofreram grandemente sob os programas impostos pelo FMI, o que continua e sistematicamente afetava igualmente os indicadores macro-econômicos nas áreas sociais. Por conseguinte, as políticas do FMI promoveram a fuga de capitais dos países em desenvolvimento, o sucateamento de suas indústrias, a redução do nível de investimento, o aumento do capital especulativo, a diminuição do número de empregos e a redução dos salários.

É inegável que países em desenvolvimento que não seguiram o modelo desastroso promovido pelo FMI, como a China, foram aqueles que maior sucesso econômico e social têm obtido. É esse também o caso da Índia e da Malásia. Por outro lado, Brasil, Argentina e México tiveram experiências muito decepcionantes na área do crescimento econômico e desenvolvimento social sob a égide dos programas do FMI.

O caso da Argentina foi, reconhecidamente, dramático. Para alienar o país do Brasil, no projeto do MERCOSUL, o governo dos EUA induziu o FMI a convencer aquele da Argentina a adotar o sistema de paridade de sua moeda com o dólar norte-americano. A Argentina não tinha fontes de ingressos dessa moeda outra que empréstimos, já que os saldos comerciais do país eram pífios e que os investimentos estrangeiros, realizadas as privatizações, secaram. Como conseqüência, o país teve a maior crise econômica, social e política de sua história, da qual ainda luta para sair.

Hoje com 184 membros, o FMI carece de uma completa reinvenção para que possa servir a comunidade internacional e não apenas a alguns poucos estados hegemônicos e ao sistema bancário internacional, em detrimento do bem-estar e do progresso econômico e social dos povos do mundo. Ironicamente, hoje são os EUA quem mais precisa das políticas de austeridade exigidas há décadas dos países em desenvolvimento pelo organismo internacional.

De fato, os EUA tiveram nos últimos 12 meses um déficit na balança comercial de cerca de US$ 770 bilhões e outro no montante de US$ 780 bilhões nas contas correntes. A maior parte desse último déficit é coberta pelos investimentos de 70% das reservas chinesas, hoje num montante total aproximado de US$ 1 trilhão, em títulos do Tesouro americano. A rigor, tais investimentos permitem que os EUA acumulem déficits comerciais com a China.

Todavia, também na semana passada, o governo chinês anunciou que para 2006 o país deverá diversificar mais o emprego de suas reservas. Especula-se que parte delas seja aplicada em mercadorias, inclusive petróleo. Até que ponto tal diversificação irá agravar a já precária situação do balanço de pagamentos dos EUA? De qualquer maneira, em caso de uma crise, os EUA poderão sempre fazer o que consistentemente instaram a terceiros: bater às portas do velho FMI.