Durante os anos sombrios da ditadura militar, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi uma das principais forças sociais a combater o arbítrio, da mesma forma que um dos principais baluartes da restauração das liberdades democráticas e do Estado de Direito.

Com o restabelecimento da democracia no Brasil, a partir da segunda metade da década de 80, a OAB tornou-se uma entidade anacrônica, encontrando dificuldades em reordenar o seu papel nacional, após a instalação de instituições próprias do Estado de Direito. De fato, onde há Poder Legislativo com um claro mandato popular e um Poder Judiciário livre e independente, a OAB deixa naturalmente de ser um veículo dos anseios nacionais, o que ocorria durante o Estado de exceção.

Assim, o caminho de retorno para as questões corporativas, aquelas mesmas que ocupam ordens de advogados mundo afora, tornou-se árduo pela relutância em se abandonar o debate dos grandes temas nacionais, e as primeiras páginas dos jornais, em favor de matérias de interesse da classe dos advogados e dos consumidores de serviços jurídicos. Nos quase 20 anos que se sucederam à democratização no Brasil, a OAB ainda não encontrou sua senda natural.

A reforma legislativa havida em 1994, com o Estatuto da Advocacia objeto da Lei 8.906, não facilitou o retorno às questões intrínsecas do setor e a governança corporativa no âmbito da entidade. De fato, o estatuto atribui à Ordem uma formatação federativa, que seria pertinente numa organização de Estados federados, mas jamais numa entidade como a OAB que congrega indivíduos, os advogados.

Essa estrutura viciada tem trazido, para além dos disparates políticos cometidos pela falta de foco da organização, graves problemas de governança corporativa na OAB, dos quais o principal é o vício de representatividade, mas não o único.

É sabido que a boa governança corporativa assegura às partes interessadas eqüidade, transparência, prestação de contas e responsabilidade pelos resultados.

Pois bem, a própria prestação de contas passou a ser um grande problema na esfera da OAB! No âmbito regional, a seccional paulista apresentou o balanço de 2004 com ressalvas graves dos auditores independentes. Tais ressalvas dizem respeito à reavaliação do imóvel da sede, que “gerou uma quebra do princípio do custo histórico como base de valor” e a respeito da alteração do regime de caixa pelo de competência para o reconhecimento de receitas.

O efeito de ambas as mudanças de critério é o de alterar de maneira favorável a situação econômico-financeira da entidade. Assim, os auditores concluem que as demonstrações contábeis não refletem a posição patrimonial e financeira da OAB-SP.

Mesmo assim, o balanço apresenta um déficit no ano exercício de R$ 9.724.704,00, para um déficit acumulado de R$ 33.923.648,00. Mais ainda, o valor patrimonial ao fim do exercício de 2004 foi negativo em R$ 12.097.702,00.

Sem as manobras contábeis de reconhecimento de receita não existente, o déficit do exercício seria mais do que o dobro do valor demonstrado, já que majorado em R$ 10.240.127,00. Por conseguinte, o valor patrimonial líqüido da OAB-SP seria negativo em cerca de R$ 22 milhões. Mais ainda: chama a atenção o volume de despesas com viagens, no montante de R$ 1.566.494,00, equivalente a três passagens de ida e volta a Miami, por dia, durante o exercício e R$ 1.125.478,00 de despesas de alimentação.

A situação agravou-se, na OAB-SP, com o balanço de 2005, o qual apresenta, como o de 2004, um festival de ressalvas dos auditores externos. Em 2005, a OAB-SP chegou a contabilizar como receita um perdão de dívida do Conselho Federal de abril de 2006 (sic) no valor de R$ 7 milhões!

Igualmente, para além de mais uma reavaliação imobiliária, foi contabilizada uma receita de R$ 10 milhões referente a um desconto nas importâncias devidas à Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (CAASP), sem aprovação do Conselho Federal. Sem tais manobras contábeis, o valor patrimonial negativo da OAB-SP seria aumentado em cerca de R$ 17 milhões!

Por outro lado, as despesas de viagem aumentaram, em 2005, para cerca de R$ 1,8 milhão, enquanto as de comunicação subiram mais de 10%, para R$ 7,6 milhões! Tal como fizera em 2004, o relatório dos auditores de 2005 alerta para a necessidade de novas estratégias operacionais e administrativas que possam reverter a situação operacional deficitária. Essas causas não foram sanadas e estão mal dissimuladas pelos expedientes utilizados.

Note-se que a Lei 6404/76, sob cuja regência foram preparados os demonstrativos da OAB-SP, impõe que a escrituração deva ser mantida com obediência aos princípios contábeis e deve observar métodos e critérios contábeis uniformes ao longo do tempo. Assim, a lei limita a possibilidade da administração influenciar os resultados mediante alterações de práticas contábeis.

Resulta claro que a boa governança corporativa está a fazer muita falta no âmbito da OAB-SP, a revisão estratégica do órgão de classe igualmente se impõe.