Por ocasião da outorga da Medalha Jorge Amado, da União Brasileira de Escritores, na sede da UNEAC, Cuba, 06 de agosto de 2019.

Excelentíssimo Sr. Luis Morlote Rivas, digno presidente União de Escritores e Artistas de Cuba (UNEAC), Ilustríssimo Senhor Fernando León Jacomino, Vice-Ministro da Cultura de Cuba , honrados componentes dos quadros diretores da UNEAC, distintas autoridades cubanas, querido colega homenageado, escritor Miguel Barnet,
Minhas senhoras e meus senhores,
Caros Amigos,

A União Brasileira de Escritores – UBE é a mais antiga e representativa entidade da classe existente no Brasil. Foi ela fundada há mais de 62 anos por nomes como Mário de Andrade, Caio Prado Júnior, Jorge Amado, Zélia Gattai, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, António Candido, Menotti del Picchia, Sergio Buarque de Holanda, Afonso Arinos, José Lins do Rego, Rachel de Queirós, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Carlos Lacerda, Patrícia Rehder Galvão, a Pagú, e Oswald de Andrade, dentre outros.

Anualmente, a UBE outorga o prestigioso Prêmio Juca Pato, honrando o intelectual do ano, que já agraciou a San Tiago Dantas, Dom Paulo Evaristo Arns, Sábato Magaldi, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Samuel Pinheiro Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Luís Bernardo Pericás, Renata Palottini, Bresser Pereira, Raquel de Queirós, Juscelino Kubitschek de Oliveira, Antônio Calado, Luís da Câmara Cascudo, Milton Hatoum e Jorge Amado, dentre dezenas de personagens altamente representativos do que há de melhor na cultura brasileira e lusófona.

A mais importante comenda da UBE é a Medalha Jorge Amado que homenageia o grande escritor brasileiro e lusófono que, além de produzir uma literatura de primeiríssimo nível, enaltecia a cultura popular brasileira e os valores maiores de nossa civilização, como o humanismo e a tolerância, também inseria também a voz do povo, através de seu modo de falar, nas letras brasileiras. Segundo ele, “na voz do povo encontra-se a esperança”. Como membro atuante da UBE, Jorge Amado foi um dos líderes da redemocratização do Brasil em 1945/1946, que se seguiu ao primeiro congresso de escritores. Casou-se com Zélia Gattai, também notável escritora e igualmente fundadora da UBE.

Quando deputado à assembleia constituinte nacional, pelo Partido Comunista do Brasil, no ano de 1946, Jorge Amado apresentou quinze ementas ao projeto de Constituição, incluindo a que garantiria liberdade religiosa no país; a de facilitação do habeas corpus; a que acabava com a necessidade de censura prévia para a publicação de livros e periódicos; e a que eliminava o requisito de nascimento no Brasil para o exercício de profissões liberais.

Em 1960, Jorge Amado, como vice-presidente da UBE, liderou a primeira manifestação pública e lista de apoio ao povo Cubano , feita por nossa entidade em repúdio ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos da América (EUA), em violação ao direito internacional . Por sua vez, no Brasil, em 1970, opôs-se corajosamente contra a implantação da censura prévia no País, pelo regime ditatorial militar, conclamando toda a classe dos escritores a segui-lo.

Jorge Amado foi ainda o responsável pela criação, em 1960, do Dia do Escritor no Brasil, celebrado anualmente em 25 de julho. Escreveu 38 obras diversas, todas disponíveis também em espanhol, sendo as mais conhecidas O País do Carnaval; Mar Morto; Capitães da Areia; O Cavaleiro da Esperança; São Jorge dos Ilhéus; Bahia de Todos os Santos; Gabriela, Cravo e Canela; Dona Flor e seus Dois Maridos; Tenda dos Milagres; Tereza Batista Cansada de Guerra; e Tieta do Agreste. Estas obras foram traduzidas em 80 países em 49 idiomas diversos, o que faz com que Jorge Amado seja o autor brasileiro mais vertido em línguas estrangeiras.
Em reconhecimento à excelência de seu trabalho literário, Jorge Amado foi agraciado com o premio Juca Pato da União Brasileira de Escritores; o prêmio Camões, de Portugal e da comunidade lusófona; o prêmio Etruria, da Itália; a Medalha de Vermeil, da França; e o prêmio Lenin, da então União das Republicas Socialistas Soviéticas, dentre outras honrarias.

A Medalha Jorge Amado da UBE foi até hoje outorgada a apenas seis personalidades:
1. Em Lisboa, Portugal, a Dom Duarte Pio, o Duque de Bragança, por seu incansável trabalho em prol do desenvolvimento e da afirmação da língua portuguesa;

2. Em Roma, República Italiana, ao sociólogo molisano, Domenico de Masi, por seus estudos e trabalhos de divulgação internacional da cultura brasileira;

3. Em São Paulo, Brasil, ao crítico literário mineiro, escritor Fábio Lucas, em reconhecimento ao seu importantíssimo trabalho de análise da literatura brasileira;

4. Em São Paulo, Brasil, ao advogado piauiense, Ronald de Freitas, por sua extraordinária história de vida como afirmação da ética na política brasileira;

5. Em Buenos Aires, Argentina, postumamente ao grande humanista argentino, escritor e advogado Jaime César Lipovetzky, por seu notável trabalho em prol da consolidação e expansão do Mercosul; e

6. Em São Paulo, Brasil, ao escritor japonês, Dr. Daisaku Ikeda, grande humanista, mestre e expoente budista, fundador da sociedade de benemerência, Soka Gakkai International (SGI), com sede em Tóquio, por seu trabalho de muitas décadas em prol da paz mundial.

Pois bem, em abril de 2019, em São Paulo, a diretoria da UBE deliberou por unanimidade outorgar a Medalha Jorge Amado ao grande escritor cubano, Miguel Ángel Barnet Lanza, ex-presidente da União de Escritores e Artistas de Cuba, um dos literatos cubanos vivos mais publicados mundo afora e autor de grandes clássicos, dentre os quais Biografia de un cimarrón; Canción de Rache; e Gallego, todos com edições brasileiras em língua portuguesa. A obra Biografia de un cimarrón teve mais de 60 edições internacionais e se tornou um clássico, tanto pelo seu valor literário como por seu substrato sociológico com raízes populares, em tudo assemelhado ao trabalho de Jorge Amado, que foi amigo e companheiro de Miguel Barnet.

De fato, como grande etnólogo, Miguel Barnet tornou-se um mestre da literatura testimonial, uma ficção baseada na realidade em que o romance realça uma situação sociológica de fato. No caso de Biografia de un cimarrón, com a voz do povo, Barnet narra a vida dos camponeses e dos negros na Cuba colonial através de um personagem quilombola. Na obra, passa a descrever o trabalho das comunidades quilombolas, a discriminação racial sofrida, as festas e suas cerimônias religiosas, para além de seus sentimentos, percepções e ambições.
A respeito desta tanto extraordinária como singular novela realista, o aclamado escritor e crítico literário inglês, Graham Greene, admirado e claramente sob grande impacto escreveu: “com Cimarrón, pela primeira vez, a palavra ‘único’ adquire um sentido mais cabal. Nunca houve um livro como este antes e é muito pouco provável que possa voltar a se repetir”.

Outras obras notáveis do escritor cubano, Miguel Barnet, incluem La piedrafina y el pavorreal; Isla de güijes; La sagrada família; Oriki y otros poemas; Carta de noche; Mapa del tempo; Viendo mi vida passar y Com Pies de gato (poesia) Autógrafos cubanos; La fuente viva (crônica, ensaio); Akeké y la jutia (fábulas cubanas); La vida real y Oficio de Ángel (novelas testimoniais).

Com grande justiça, Miguel Barnet teve o seu enorme talento reconhecido em todo o mundo, sendo recipiente de dezenas de prêmios, ordens, distinções e condecorações, dentre os quais destaco apenas o Prêmio Nacional de Literatura de Cuba; o Prêmio Garcia Lorca, da Espanha; Ordem Nacional de Mérito, da França; Prêmio Internacional de Trieste, Itália; Medalha Simón Bolivar, da UNESCO; Ordine al Merito della Repubblica Italiana e títulos de doutor honoris causa de diversas universidades em vários continentes.

Como vimos, o grande escritor humanista, Miguel Barnet, escreveu magistralmente e com grande sensibilidade sobre Cuba e o seu formidável povo. Indagado em entrevista, numa determinada ocasião, sobre se havia uma mística do povo de seu país, respondeu: “temos que ter uma mística. Esta maravilha que vivemos neste país, esta Revolução que experimentamos com seus sucessos e seus revezes, tudo se deve viver como uma grande mística, e o fruto dela se vê hoje no mundo, o que me faz sentir um grande orgulho. Esta é a mística.”

Pois bem, estamos prestes a completar 60 anos do bloqueio imposto pelos Estados Unidos da América (EUA) a Cuba, iniciado originalmente por Dwight Eisenhower em 1960 e mantido, de uma forma ou de outra, por todas as administrações estadunidenses através das décadas. Este embargo foi criado contrariamente ao direito internacional sedimentado há cerca de um século e sofreu o reiterado repúdio da comunidade internacional e da assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU), por dezenas de vezes.

Este bloqueio transformou-se, nos dias de hoje, desgraçadamente numa ação genocida contra o povo cubano, o que também é vedado e sancionado pelo direito internacional. Há 60 anos, a União Brasileira de Escritores foi uma das primeiras organizações internacionais a repudiar o infame bloqueio econômico dos EUA a Cuba e a manifestar solidariedade ao povo cubano. Decorridas aproximadamente seis décadas, a diretoria da UBE entendeu oportuno voltar a denunciar este ilegal, desumano e indecente embargo e pretendeu reiterar sua firme solidariedade ao povo cubano, mediante a outorga de sua mais alta honraria ao maior escritor cubano vivo, Miguel Barnet.

Nós da UBE acreditamos nas ideias humanistas, de solidariedade, da moral, de decência, da cooperação, do respeito, da dignidade e do estado de Direito nas relações internacionais. Estas são também as ideias e anseios históricos do povo cubano. Reafirmamos hoje vigorosamente estas ideias tendo presente, como escreveu o grande José Martí em 1891, portanto há mais de um século, que “as trincheiras de ideias valem mais que trincheiras de pedras ”.

Assim, na qualidade de presidente da UBE, tenho a enorme honra em conferir ao escritor e humanista cubano, Miguel Barnet, a Medalha Jorge Amado, da União Brasileira de Escritores, não apenas como reconhecimento, admiração e gratidão, ao seu notável trabalho de toda uma vida, mas também simbolicamente como solidariedade da parte do escritor do Brasil ao povo de Cuba, que não se encontra absolutamente isolado no seu injusto sofrer.

Senhoras e Senhores, muito obrigado.