1.1 Ao abrirmos um jornal que tenha um caderno empresarial ou uma seção de economia, ou mesmo ao ligarmos os rádios ou TV para ouvir ou assistir a um noticiário, ou ainda ao nos conectarmos aos noticiários eletrônicos da Internet, constatamos que essa mídia especializada, despeja diariamente volumosas informações a respeito de aquisições e fusões de empresas.

1.2 Focalizando esse fenômeno mais de perto, notamos que sua frequência é maior em países desenvolvidos, de vocação capitalista, mas nem mesmo países de regimes socialista ou comunista estão imunes à ocorrência em seus próprios territórios, embora neste caso com ínfima prática e/ou divulgação do fato.

1.3 Com o passado, presente e futuro apontando cada vez mais para um mundo de organizações transnacionais, propomo-nos debater, dentro do que nos permite a exigüidade do tempo, como os negócios de fusões e aquisições feitos no exterior transpõem as fronteiras brasileiras para repercutir juridicamente no nosso país, no nosso cotidiano, ainda que alguns sequer se materializem formalmente sob a égide da lei brasileira. 2.1 As fusões e aquisições de empresas são negócios jurídicos cujos resultados normalmente visam um benefício imediato de formação de organizações empresariais mais fortes e diversificadas. São diversas as motivações que podem ensejar esses negócios, mas com frequência comportam estudos de mercados específicos, suas características e comportamento típicos, suas carências e potencial de retorno de investimentos que neles se cogitem fazer.

2.2 Muitas vezes, com base nesses estudos, empresários enxergam oportunidades de exploração de mercados novos que se abrem com o avanço tecnológico ou com a melhoria de condições econômicas de determinado país ou região do planeta, ou mesmo de melhor posicionamento estratégico para exploração de mercados saturados. 3.1 Em 18 de setembro de 2002, o jornal "O Estado de São Paulo", veiculava notícia, dando o panorama dos investimentos diretos no mundo, relatando que:

" Segundo o Relatório sobre Investimentos no Mundo (World Investment Report), da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), caiu pela metade o fluxo total de investimentos diretos no mundo em 2001. Em 2001 as cifras investidas somaram US$ 735 bilhões ante 1,492 trilhão em 2000."

" Enquanto os investimentos globais cairam 50,73% em relação ao ano anterior, no Brasil o recuo foi menor, de 31,49%. O que explica a retração mais acentuada dos fluxos dos países desenvolvidos é o fato de as fusões e aquisições predominarem nos investimentos diretos neste primeiro grupo."

" Com a desaceleração da economia dos Estados Unidos, os atentados terroristas de 11 de setembro, a aversão global ao risco e a crise de confiabilidade nos balanços, depois dos episódios da Enron e WorldCom, ficou mais difícil de estabelecer preços nas fusões e aquisições."

" A maior parte dos investimentos diretos nos países em desenvolvimento é realizada em áreas virgens, por isso ser natural que a retração tenha sido menor nessas regiões. A pesquisa da Unctad mostra que o Brasil, em 2001, absorveu 11% dos investimentos em novos projetos no mundo e ficou no terceiro lugar no ranking dos países que mais atraem esse tipo de negócio, perdendo apenas para a China (32%) e Hong Kong (21%)."

" Em 2001, o Brasil recebeu US$ 22,5 bilhões em investimentos diretos, que englobam fusões e aquisições, privatizações e novos projetos, ante 32,8 bilhões em 2000. Estima-se que em 2002 o fluxo de investimentos diretos no Brasil retraia ainda um pouco mais, para situar-se na ordem de US$ 14 a 16 bilhões, devido à parada do programa de privatizações, mas que o país tem condições de atrair pelo menos US$ 20 bilhões por ano de 2003 em diante."

3.2 A retração dos investimentos diretos, portanto, é a evidência do surto de insegurança e aversão ao risco que ainda assola o mundo. Daí a previsão de que, passado este momento, os fluxos de investimento tenderão a aumentar, em particular no Brasil, onde há muito espaço para investimentos pela variedade de setores com potencial exportador e pelo tamanho do mercado interno, desde que nossa economia se comporte relativamente bem.

3.3 Estes números demonstram quão significativa é a inserção do Brasil na ordem econômica mundial. Ora, US$ 15 a 20 bilhões de investimentos externos ao ano, mesmo que aquém das necessidades do país, ainda é uma quantia respeitável e pode-se de imediato deduzir várias repercussões econômicas, como a ampliação da capacidade produtiva do país e a geração de empregos.

3.4 É de se ressaltar ainda que, passada a incerteza sobre os rumos da economia brasileira que seriam imprimidos pela gestão do Presidente Lula, a confiança dos investidores externos no país retornou, sendo a captação no exterior de US$ 1 bilhão em títulos da dívida brasileira concluída com grande sucesso há poucos dias atrás, uma prova cabal dessa confiança. Evidentemente, trata-se no caso de aumento da dívida brasileira e não de investimentos diretos, mas demonstra que o país tem suas contas relativamente em ordem e isto é ponto favorável na balança dos investidores dispostos a aplicar capital de risco. 4.1 Tão importantes quantos os estudos de mercado são as formas de implementação dos negócios de fusões e aquisições. Um estudo quanto à melhor forma do negócio, conjugado a um planejamento detalhado das diversas etapas até sua integral consecução, são indispensáveis porque nem mesmo aos negócios bem planejados há uma garantia de sucesso. Com efeito, há um grande porcentual dos negócios de aquisições e fusões que falham na entrega dos esperados benefícios.

4.2 O jargão de mercado "Fusões e Aquisições" em verdade, abrange uma grande variedade de negócios jurídicos. Citamos alguns exemplos mais corriqueiros:

(i) aquisição de estabelecimento: consiste na compra de ativos organizados em função de uma determinada atividade econômica, seja ela comercial, industrial ou de serviços. O adquirente visa dar continuidade à atividade tal como vinha sendo desenvolvida ou integrá-la em um contexto empresarial maior e mais diversificado, com vista à potencialização de resultados econômicos e financeiros;
(ii) aquisição de empresa: consiste na aquisição de ações, títulos ou valores mobiliários representativos da propriedade de uma sociedade que, por sua vez, representa uma atividade empresarial organizada. Nesta modalidade, ao adquirir as ações representativas do controle da empresa, o adquirente há de se aperceber que essas ações representam ativos e passivos, cujo saldo representa o patrimônio líquido adquirido;
(iii) incorporação de empresa: usando a definição da nossa Lei de Sociedades Anônimas, "incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações." [1] No caso, a empresa incorporadora segue existindo enquanto a incorporada se extingue.
(iv) fusão de empresas: ainda com o auxílio da terminologia de nossa Lei de Sociedades Anònimas, "fusão é operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações." [2] O resultado de uma fusão, portanto, é a extinção das empresas que se uniram para dar origem a uma única e nova empresa.
(v) cisão de empresa: "é a operação pela qual a companhia transfere parcelas de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão." [3]

4.3 Estas operações são invariavelmente regulamentadas nos Direitos dos países capitalistas. A própria Lei de S/As de que nos servimos para traçar as linhas mestras de algumas das operações mencionadas, mesmo que ajustada à realidade brasileira, importou todos estes conceitos do Direito alienígena, com prevalência do Direito anglo-saxão no que tange a regras reguladoras dos mercados de capitais, dado o seu grande desenvolvimento, principalmente nos EUA, mas também com inspiração nos Direitos Francês, Alemão, Italiano, dada a afinidade jurídica com o sistema romano sobre o qual nosso Direito se positivou.

4.4 Revisitando os conceitos acima elencados, podemos constatar que se tratam de meios jurídicos pelos quais empresários e empresas buscam as metas e os benefícios de suas atividades organizadas. As considerações sobre a melhor forma de adquirir o negócio são feitas caso a caso. Em qualquer deles, há evidentemente de existir a convergência de interesses de dois polos da relação, o comprador e vendedor, ou de duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas interessadas na formação de nova sociedade.

4.4.1 A compra de estabelecimento industrial, comercial ou de serviços é uma modalidade de negócio escolhida em casos em que o comprador tem interesse em um determinado estabelecimento de propriedade do vendedor e não pela totalidade de sua empresa. Neste caso, o negócio objetiva diretamente o estabelecimento almejado, que é transmitido com os ativos e passivos decorrentes da atividade ali desenvolvida, inclusive, a mão-de-obra.

4.4.2 A compra de uma empresa, todavia, é um negócio bastante corriqueiro. Sob o ponto de vista jurídico, um dos atrativos por essa modalidade de negócio onde se adquire ações e valores mobiliários representativos da propriedade ou controle de uma empresa consiste na responsabilidade limitada que as diversas legislações atribuem aos acionistas. Assim, ainda que os deveres de acionistas controladores estejam cada vez mais ampliados em diversas leis estrangeiras, sua responsabilidade perante terceiro, em relação aos negócios da empresa, continua limitada à contribuição que se comprometeu dar ao capital social. Ou seja, uma vez pago o capital social, extingue-se a responsabilidade do acionista.

4.4.3 Se do ponto de vista de responsabilidade jurídica perante terceiros, a aquisição de empresa é um negócio atraente, a incorporação pode ainda ser uma modalidade mais atrativa, posto que, além de se preservar a responsabilidade limitada perante terceiros (posto que se negociam ações ou valores mobiliários da empresa a ser incorporada), na pureza de seu conceito a incorporação não requer desencaixe financeiro por parte da empresa incorporadora, posto que o pagamento aos proprietários da empresa incorporada se dá na forma de troca de ações da empresa incorporada por ações da empresa incorporadora. No entanto, para que a incorporação seja uma possibilidade, é necessário que tanto os acionistas da incorporada como os da incorporadora acreditem que a união trará um benefício comum maior que aquele que poderiam vislumbrar como empresas separadas.

4.4.4 Da mesma perspectiva negocial se pode analisar a fusão. Neste caso também, os titulares da propriedade das empresas envolvidas devem vislumbrar benefícios maiores que aqueles que as empresas podem unitariamente oferecer.

4.4.5 Usualmente, as razões que levam empresas a concluir se lhes é mais conveniente uma incorporação ou uma fusão, ou mesmo no caso de incorporação qual será a empresa a figurar como incorporadora e qual como incorporada, são de natureza fiscal, isto é, objetivando uma maior economia fiscal. Mas há outras razões como as organizacionais, consistentes na equação dos problemas de logística que sobrevirão após a união, em função das estruturas empresariais existentes, e até mesmo burocráticas, eis que cancelar a existência de uma empresa perante os órgãos públicos, pelo menos no Brasil, é, em princípio, mais simples que o cancelamento de duas ou mais empresas.

4.4.6 A cisão só existe como modalidade de aquisição de empresa, quando a parcela de patrimônio é vertida para empresa sob controle distinto daquele da sociedade cindida.

4.5 Além de se prestarem como meios jurídicos para a aquisição de empresas, as operações de incorporação, fusão e cisão também se prestam a assim chamadas reorganizações societárias. Com efeito, muitos empresários reorganizam suas atividades empresariais mediante a aglutinação de empresas proporcionadas pela incorporação ou fusão, ou pela dispersão causada pela cisão, sem que, no entanto, ocorra a transferência do controle acionário. Dependendo, portanto, do perfil negocial, estratégico e mercadológico que julga mais adequado a suas empresas, poderá o empresário fundí-las, incorporá-las ou cindí-las. Nessa reflexão, entram objetivos como maior agilidade de resposta às mudanças do mercado visado e capacidade de expansão da estrutura empresarial.

4.6 Essas são basicamente as formas de fusões e aquisições de empresas mais comuns nos países capitalistas. No mundo atual, o já elevado grau de globalização imposto sobre as relações humanas é de tal ordem que não há uma operação sequer de médio a grande porte ocorrida no exterior que não repercuta juridicamente em vários cantos do planeta, no Brasil inclusive, e até no cotidiano de cada um de nós. Propomo-nos agora a vislumbrar um panorama dos reflexos que alcançam o Brasil provenientes dessas operações no exterior. 5.1 Atenhamo-nos pois, agora, ao nosso tema específico: como repercutem juridicamente no Brasil as fusões e aquisições ocorridas no exterior? Estamos evidentemente a falar de empresas estrangeiras que possuem interesses e propriedades no Brasil os quais são negociados no exterior. Podemos pois, estabelecer de imediato algumas áreas jurídicas que refletem esses negócios no exterior:

5.2 Área Societária:

5.2.1 Basta olharmos nos anúncios e cartazes comerciais pelas ruas para notarmos uma série de nomes e marcas comerciais de renomadas, e de outras nem tanto, empresas transnacionais. Muitas dessas empresas estrangeiras no Brasil se estabelecem mediante a constituição de sociedades subsidiárias totalmente controladas, ou seja, nas quais detém ações ou quotas em número suficiente para formar as deliberações nas assembléias dos sócios, ou em parceria com outros grupos empresariais estrangeiros ou brasileiros, as assim chamadas "joint ventures".

5.2.2 Essas participações são frequentemente objeto de negociações de compra e venda ou de operações de fusão, incorporação e cisão no exterior. Caso as ações ou quotas de uma empresa estrangeira em uma empresa brasileira sejam alienadas no exterior, é indispensável que as partes causem a alteração dos registros societários da empresa brasileira, para que a alienação produza efeitos jurídicos perante terceiros no Brasil.

5.2.3 Assim, no caso das sociedade por quotas de responsabilidade limitada, seja ela comercial ou civil, somente o registro de uma alteração do Contrato Social, conforme o caso, na Junta Comercial ou no Cartório Civil de Pessoas Jurídicas competente tem o condão de produzir efeitos no Brasil de uma transferência das quotas ocorridas no exterior. No caso das sociedades anônimas, é necessário que as partes registrem o contrato celebrado no exterior em Cartório de Registro de Títulos e Documentos e o apresentem à Diretoria da sociedade anônima emissora das ações com pedido para que se procedam às devidas averbações nos livros de transferência de ações e de registro de acionistas. Essas averbações são importantes, inclusive, para que se formalize o convívio societário com os demais acionistas.

5.2.4 No esteio de uma transferência de quotas ou ações já registrada na Junta Comercial ou nos livros da sociedade anônima, a regulamentação das competências dos órgãos publicos federais, estaduais e municipais, determina ainda que a transferência seja também comunicada formalmente a estes órgãos; basicamente o CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, no âmbito federal; a Secretaria da Fazenda do respectivo Estado onde a empresa brasileira se localiza; e o CCM- Cadastro de Contribuintes Mobiliários do município onde situa-se a sede da empresa brasileira.

5.2.5 Vale notar que desde o início deste ano, em virtude da Instrução Normativa nº 200 da Receita Federal, toda empresa estrangeira que possua quotas ou ações em empresas brasileiras e outros bens sujeitos a registro público no Brasil, como imóveis, embarcações e aeronaves, deverá cadastrar-se individualmente no CNPJ. Esta medida tem por trás a salutar intenção de que o país conheça todos os investidores estrangeiros que por aqui atuam.

5.2.6 Todavia, na prática, tem causado enormes transtornos aos negócios das empresas brasileiras, posto que a falta de de entendimento ou discernimento dos burocratas dos diversos documentos estrangeiros que são solicitados, atrasam o cadastramento, causando reflexos diretos e indiretos nos negócios da empresa brasileira. Assim, desde o início do ano temos visto uma série de situações que beiram o absurdo por travarem os negócios das empresas brasileiras que dependem de algum tipo de aprovação da Receita Federal e de suas diversas repartições como, por exemplo: impedimento de ingresso de divisas no país a título de pagamento de capital (os bancos não estão autorizados a fechar câmbio se o sócio estrangeiro não estiver cadastrado no CNPJ); impedimento de liberação alfandegária de mercadorias importadas ou mesmo de despacho aduaneiro de produtos para exportação, caso o sócio estrangeiro não esteja cadastrado no CNPJ. Ora, isto tudo se torna parte do chamado "custo Brasil" e pesa desfavoravelmente na balança do investidor estrangeiro que cogita de aplicar seus recursos em outro país.

5.2.7 O Brasil precisa mais do que nunca de atividade econômica, muita atividade econômica proporcionada por investimentos, não podendo dar-se ao luxo de causar entraves a negócios legítimos por problemas burocráticos que, como no exemplo acima, sequer são da empresa brasileira, mas de seu sócio estrangeiro. No caso, é a negação na prática ao princípio consagrado de que a pessoa do sócio não se confunde com a pessoa da sociedade de que participa.

5.3. Na Área da Livre Concorrência

5.3.1 No cenário da globalização econômica, onde o lucro é procurado com uma avidez sem precedentes, contando com a celeridade da moeda eletrônica, as aquisições e fusões se sucedem em velocidade vertiginosa, causando transformações nos mercados em que repercutem, as quais, muitas vezes, sequer podem ser devidamente sopesadas. Com efeito, hoje em dia em questão de poucas horas uma empresa pode ser comprada e revendida e os efeitos destas operações só alcançam o mercado posteriormente quando a situação jurídica já se encontra alterada.

5.3.2 Nunca se poderia imaginar que, nos tempos modernos, agências governamentais destinadas a prevenir a formação de trustes e cartéis e garantir a livre concorrência, pudessem ser tão solicitadas a cumprir com seu mister e tivessem de criar soluções muito mais criativas do que a simples aprovação ou rejeição de determinados atos de concentração.

5.3.3 Desde 1994 vigora entre nós a Lei 8.884, contendo dispositivos de prevenção e repressão a concentrações empresariais de natureza monopolística, e transformando a nossa agência anti-truste, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, um órgão instituído desde 1962, em uma autarquia federal, vinculada ao ministério da Justiça, que passou realmente a funcionar e exercer poderes de policiamento administrativo que lhe competem conforme tal lei.

5.3.5 E, com efeito, o art. 54 desse diploma estabelece o controle administrativo, através do CADE, da Secretaria de Direito Econômico – SDE e da Secretaria da Procuradoria do CADE – SPE, dos negócios de concentração empresarial que, sob qualquer forma, possam limitar ou prejudicar a livre concorrência ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços.

5.3.6 O controle do CADE não é meramente formal, pois ele adentra no mérito desses negócios de concentração empresarial, examina suas causas e efeitos. Em conseqüência disso o CADE tem poder legal para desconstituir o negócio de aquisição, fusão, cisão e incorporação de empresas, ou de outros negócios que possam gerar concentração indesejável de mercado em mãos de poucos.

5.3.7 O objeto desse controle de mérito encontra-se disposto no §3º do mencionado art. 54:"Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais)".

5.3.8 Isso não quer dizer que todos os atos que se encontrem na situação acima descrita devam ser desconstituídos pelo CADE. A autarquia irá apenas analisar o caso e julgar se o ato virá a reduzir o bem-estar econômico ou não. Assim o CADE poderá autorizar os atos de concentração caso tenham por objetivo aumentar a produtividade, melhorar a qualidade de bens ou serviços, ou propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico, ou aqueles, que mesmo sendo atos de concentração, não venham a causar danos à livre concorrência e ao ambiente econômico.

5.3.9 A defesa da concorrência não é um fim em si, mas um meio para se criar uma economia eficiente. Em uma economia eficiente os consumidores dispõem da maior variedade de produtos pelos menores preços possíveis. Em tal contexto, os indivíduos desfrutam de um nível máximo de bem-estar econômico.

5.3.10 Os atos de concentração entre agentes econômicos ensejam, potencialmente, efeitos positivos e negativos sobre o bem-estar econômico. As concentrações podem, ao diminuir o número de participantes no mercado, facilitar a adoção de condutas anticompetitivas que reduzem o bem-estar econômico, tais como aumentos abusivos de preços, redução da qualidade, diminuição da variedade ou redução das inovações. Os atos de concentração, podem, por outro lado, na medida que proporcionem vantagens competitivas para as empresas participantes (economias de escala, redução dos custos de transação, entre outros), aumentar o bem-estar econômico.

5.3.11 Nesse contexto não é possível, a princípio, definir se as concentrações econômicas afetam positiva ou negativamente o bem-estar. Por isso se faz necessário uma análise específica dos efeitos do ato em questão, e essa análise é feita pelo CADE, que ao analisar o mérito do ato, determina se ele é prejudicial ou não à economia.

5.3.12 O§3º do art. 54 da Lei n. 8.884/94, fala em "mercado relevante". O conceito de mercado relevante pode ser determinado por dois critérios: o primeiro determina o mercado relevante em razão do produto; o segundo visualiza o mercado relevante em razão da área geográfica.

5.3.13 Quanto ao critério determinante em razão do produto, podemos dizer suscita significativas controvérsias, na medida em que alguns entendem que o produto deva ser entendido amplamente, envolvendo assim todos os produtos de qualidade e utilidade semelhantes, e não apenas aquela qualidade que passará a ser produzida em regime de concentração. Esta posição encontra fundamento no fato de que o produto monopolizado pode reduzir o mercado de outros produtos similares. O outro entendimento é que o específico produto monopolizado, seja por sua qualidade ou utilidade mais específica, não concorre com os outros tipos do mesmo produto. Em assim sendo, são considerados produtos distintos, com mercado distinto. Em conseqüência, a concentração da fabricação de determinado tipo não caracteriza atividade anticoncorrencial, em relação a outros tipos do mesmo produto.

5.3.14 Já sob o aspecto da área geográfica deve-se levar em conta a área que até o momento da concentração era alcançada com determinados produtos. O mercado geográfico seria assim, o campo de ação da atividade econômica de determinada empresa, ou seja, a área em que ela tem contato com seus compradores.

5.3.13 Os negócios de fusões e aquisições ocorridos no exterior podem ter repercussões de ordem societária no Brasil como já vimos anteriormente, o que aumenta sua visibilidade no país. Mas nem sempre esta repercussão societária ocorre. Suponha-se, por exemplo, que um determinado mercado relevante no Brasil seja explorado por três empresas, duas delas com empresas controladoras no exterior e, em determinado momento, ocorra um negócio no exterior, pelo qual a controladora de uma das empresas estrangeiras que possuem subsidiária brasileira venha a adquirir o controle da, ou fundir-se com a, outra empresa estrangeira que também possui subsidiária no Brasil, . Do ponto de vista societário, como o negócio feito no exterior visou as ações de empresa estrangeira, o quadro de sócios da subsidiária brasileira da empresa estrangeira alienada não será alterado.

5.3.15 No entanto, do ponto de vista do mercado relevante no Brasil, poderá haver uma concentração econômica com lesiva tendência monopolística, posto que duas das empresas atuantes no mercado estariam sob controle comum, ainda que de forma indireta. As repercussões econômicas se fariam sentir no Brasil, posto que o mercado relevante no Brasil estaria vulnerável a estratégias como carência induzida de produtos, aumento abusivo de preços e outras "jogadas" visando dominação do mercado. As duas subsidiárias brasileiras teriam, em última análise, se tornado duas faces do mesmo proprietário. Nestas condições caberia, portanto, à terceira empresa atuante estar atenta às movimentações dos concorrentes estrangeiros, para denunciar ao CADE este tipo de concentração, caso as empresas envolvidas não o façam espontaneamente. E podemos ir além, essas alterações no mercado podem, inclusive, ensejar a mesma medida por qualquer consumidor, que possa demonstrar indícios de malefícios dessa união empresarial.

4. Na Área de Fluxo de Capitais Estrangeiros

5.4.1 O Brasil, como país em desenvolvimento, necessita de divisas estrangeiras para movimentar sua economia. A fragilidade da nossa economia e o "custo Brasil", por vezes, afastam os investidores externos, que optam por destinar seus recursos financeiros para outros países. Isto provoca uma reação em cadeia de fatos econômicos e sociais posto que, com a falta de moedas fortes em sua carteira, o país passa por dificuldades para honrar seus compromissos externos, sejam eles do próprio Governo brasileiro ou da iniciativa privada. Daí, sobrevem o momento que muitos de Vocês conhecem do aperto do cinto, do arrocho fiscal, da baixa atividade empresarial, justamente em função da aversão ao risco que esse momento proporciona, culminando com o desemprego e problemas sociais sérios como a criminalidade que aumenta, neste sentido, pela falta de oportunidades de trabalho.

5.4.2 Dada essa condição, o país tem ainda um controle de câmbio e um sistema de registro de capitais estrangeiros inexistentes nos países desenvolvidos. Embora o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso tenha proclamado em determinado momento que o câmbio no Brasil seria "flutuante", na verdade, o controle cambial ainda resiste e o país não ousou mudar o regime de sua moeda, de inconversível para conversível, nos termos dos Tratados de que é signatário no âmbito do Fundo Monetário Internacional.

5.4.3 Na legislação cambial brasileira em vigor, muito poucas são as operações de câmbio de entrada de divisas e bens externos no país, que permitem o movimento reverso, ou seja de saída dessas mesmas divisas e bens externos do país. Entre elas podemos citar os investimentos estrangeiros registrados no Banco Central do Brasil, as importações, o pagamento de serviços ou royalties de contratos averbados junto ao INPI. Negócios como a venda de imóveis e bens de capital de propriedade de estrangeiros no Brasil ainda não permitem que os respectivos preços de venda sejam pagos ao investidor na mesma moeda em que em investiu.

5.4.4 As repercussões jurídicas que advém de fusões e aquisições de empresas ocorridas no exterior diante do sistema cambial e de controle de capitais estrangeiros são muitas. Exemplificamos algumas delas:

i) se uma empresa brasileira controlada por investidor estrangeiro muda de propriedade, além dos aspectos da legislação societária anteriormente examinados, deverá o novo investidor promover a alteração dos dados cadastrais e de investimento junto ao Banco Central do Brasil, para que possa, no futuro, fazer jus a receber dividendos ou mesmo repatriar o investimento em moeda estrangeira. Enquanto estes dados não tiverem sido atualizados, os recursos não poderão deixar o país;
ii) se uma empresa estrangeira, que é detentora de créditos contra empresa brasileira relacionados a negócios de importação, vier a ser alienada no exterior por outra empresa estrangeira, a adquirente não poderá cobrar ou beneficiar-se desses créditos, enquanto as autoridades que controlam o comércio exterior no Brasil, basicamente a Receita Federal e o Banco Central do Brasil, não forem comunicados oficialmente da mudança do credor no exterior.
5.4.5 Estes controles cambiais e registrais estabelecidos são uma "faca de dois gumes" para o país. Se de um lado, as várias restrições ao câmbio de moedas permitem que o país possa melhor prever e tomar medidas preventivas à fuga do precioso capital estrangeiro e os registros no Banco Central, no INPI e na Receita Federal permitem maior controle sobre a identificação e tributação do beneficiário estrangeiro, dada a inexistência desses controles nos países de moeda forte, é por muitas vezes incompreensível ao investidor estrangeiro que não possa reaver seu investimento na mesma moeda que enviou ao país quando da liquidação de seu investimento ou que tenha de passar por tanta burocracia para reaver aquilo que legitimamente lhe pertence, fazendo com que, se tiver conhecimento prévio desse estado de coisas, pense duas, três, dez vezes mais antes de investir no Brasil. Novamente estamos diante do "custo Brasil" que, afinal, nos resulta tão caro.

5. Na Área de Imigração

5.5.1 Junto com o fluxo de investimentos estrangeiros no Brasil vem a imigração de trabalhadores estrangeiros. Além do movimento usual de estrangeiros que vem para trabalhar em filiais ou subsidiárias brasileiras de empresas estrangeiras, na década passada o Brasil assistiu a um grande afluxo de estrangeiros que vieram por conta das empresas estatais privatizadas e que foram adquiridas por empresas estrangeiras.

5.5.2 O país já passava por uma forte crise de desemprego dado o fraco desempenho econômico na gestão dos governos anteriores, razão pela qual a política de imigração foi revista, tornando-se muito mais restritiva e seletiva da mão de obra estrangeira candidata a postos de trabalho no mercado brasileiro.

5.5.3 Nos termos do Estatuto do Estrangeiro, o estrangeiro que queira trabalhar no Brasil tem duas opções básicas de visto: o visto permanente e o visto temporário. Em ambos os casos, pressupõem pedidos a serem formulados à Coordenadoria de Imigração, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho. Ou seja, estes tipos de visto não estão disponíveis aos estrangeiros na repartição consular brasileira no exterior.

5.5.3.1 O visto permanente está disponível basicamente para duas situações: (i) a do executivo estrangeiro que venha ao país para ocupar cargo administativo de confiança em empresa brasileira coligada a empresa estrangeira; e (ii) do próprio investidor estrangeiro, caso seja pessoa física. Nestes casos, as qualificações profissionais do estrangeiro ficam em um segundo plano, pois a ênfase está no fato de que, no caso do executivo, já existe um investimento estrangeiro efetuado em empresa brasileira e se trata de uma pessoa de confiança do investidor e, no caso do próprio investidor pessoa física, o simples fato de haver investido em atividade econômica no Brasil. Assim, nestes casos um dos requisitos mais importantes é que tenha havido um investimento estrangeiro mínimo de US$ 200.000 em empresa brasileira.

5.5.3.2 O visto temporário, concedido por um prazo máximo de dois anos, está disponível para estrangeiros que (i) venham trabalhar em empresa brasileira, demonstrando mão de obra qualificada; ou (ii) venham ao amparo de contratos de prestação de serviços celebrado entre empresa estrangeira e brasileira.

5.5.4 Em qualquer das hipóteses de visto permanente ou temporário acima elencadas, há de haver uma empresa brasileira interessada na mão de obra estrangeira. Será sempre ela a formular o pedido de concessão do visto ao candidato estrangeiro à Coordenadoria de Imigração. 6.1 Sem a pretensão de ser exaustivo, apontei aos Senhores alguns dos reflexos jurídicos no Brasil que advém de fusões e aquisições no exterior. Há ainda muitos outros sobre os quais poderemos analisar numa próxima oportunidade, tais como aqueles que decorrentes das diversas modalidades de contratos entre empresas brasileiras e estrangeiras, ou de um tema muito contemporâneo como é o caso da governança corporativa, que surgiu em torno da necessidade premente que o mercado de capitais tem de melhor conhecer as empresas que nele atuam, através de regras que ofereçam maior transparência dos negócios dessas empresas e daqueles que as comandam.

6.2 O casos Enrom e Worldcom, por exemplo, ensejaram a promulgação nos Estados Unidos da lei conhecida por Sarbanes Oxley Act, através da qual procura-se expandir o conceito de governança corporativa, mediante o estabelecimento de regras mais eficazes para aumentar a transparência das empresas com títulos e papéis negociados em Bolsa, assim como regras comportamentais mais rigorosas para praticamente todos os agentes que atuam no mercado de capitais, sejam eles acionistas, diretores e conselheiros de empresas, advogados, auditores, contadores e corretores. Os efeitos desta lei, por exemplo, já produzem efeitos jurídicos no Brasil, na medida em que há um bom número de empresas brasileiras que possuem títulos e valores mobiliários que são negociados nas bolsas americanas e que estão sendo, portanto, intimadas a reorganizarem-se internamente para que possam atender às exigências da lei americana. A nossa Comissão de Valores Mobiliários não só acompanha de perto as mudanças legislativas nos EUA, como também mantém um sistema de consultas com a SEC de forma a produzir regras que permitam a conciliação das regras do Sarbanes Oxley Act com as leis brasileiras, notadamente a nossa Lei das Sociedades Anônimas.

6.3 Gostaria de agradecer a oportunidade de ter podido repartir com os profissionais da UPROED presentes com uma visão do meu parco conhecimento a respeito do tema proposto. Quero em particular agradecer aos amigos Henrique Calandra, Gilberto Ribeiro, Nadir Chagas, Lilian Thomé e à Vanessa Jarrouge pelo estímulo que me deram para o presente evento. Caso haja interesse, fico à disposição para aprofundar-me no tema em outra oportunidade ou mesmo discorrer sobre outro tópico de interesse.

Muito Obrigado!

José Paulo L. Alves Pequeno