São Paulo – A cúpula do G-20, realizada no dia 2 de abril de 2009, foi um eficiente exercício de relações públicas para o combate ao pânico sistêmico que tomava lugar na economia mundial, de forma generalizada. Na impossibilidade de se erradicar os efeitos nefastos das perdas causadas pelos mercados de derivativos, pelo expressivo montante muitas vezes superior ao PIB (Produto Interno Bruto) mundial, optaram os principais líderes mundiais pela alternativa cosmética.        

De fato, as declarações exortatórias do final do encontro pouco têm a ver com a realidade dos fatos. Assim, a reparação do sistema financeiro mundial não poderá ser feita com a parcela de US$ 250 bilhões do aporte de US$ 1 trilhão prometido para o FMI (Fundo Monetário Internacional) para os próximos meses, já que o déficit do setor situa-se na casa das centenas de trilhões de dólares americanos.

Da mesma forma, os governos dos países com os setores financeiros falidos, notadamente os EUA (Estados Unidos da América) e o RU (Reino Unido), obtiveram licença para subsidiar os respectivos sistemas, sem que no entanto tenham condições reais de fazê-lo, sob pena de aviltar a mais absoluta insignificância tanto o dólar quanto a libra esterlina.        

Por sua vez, a promoção do livre comércio e o combate ao protecionismo constituem apenas a continuidade da tradicional retórica hipócrita das principais economias mundiais. De fato, o insuspeito Banco Mundial publicou, no início de março de 2009, um estudo mediante o qual se constata que 17 dos membros do G-20 já implementaram, nos últimos meses, 47 medidas protecionistas que restringem o comércio, à custa de terceiros países.

Nos países desenvolvidos, as ações protecionistas ilegais face ao direito internacional de regência tomaram forma de subsídios tanto para a produção de bens e mercadorias, como também para agentes do setor financeiro, como bancos e seguradoras, atingindo um patamar jamais antes alcançado na história do regime multilateral do comércio.

Por sua vez, nos países em desenvolvimento, segundo o estudo do Banco Mundial, cerca de 51% das medidas tomadas como reação à crise são inconsistentes com a ordem jurídica da OMC (Organização Mundial do Comércio), pois se tratam de subsídios (31%), proibição de importações (9%) e barreiras não comerciais (11%). Cerca de 49% das medidas tomadas pelos países em desenvolvimento constituem-se de majorações tarifárias e são, por conseguinte, legais.

Tipicamente, o Banco Mundial excluiu de seu estudo os desembolsos de apoio ao mercado financeiro, área também sob a regulamentação da OMC, e deixou de fazer um levantamento valorativo das medidas tomadas, o que certamente demonstraria que mais de 90% dos recursos desembolsados pelos governos para fazer frente à crise tiveram origem nos países desenvolvidos.
  
Dentre as muitas promessas feitas durante a cimeira londrina do G-20, chama a atenção aquela para combater os chamados paraísos fiscais, jurisdições que protegem e incentivam a fraude, a corrupção e o crime organizado. Os principais paraísos fiscais, como é sabido, são os EUA e o RU. Estima-se que cerca de US$ 20 bilhões sejam mantidos nessas jurisdições.

Com dificuldades fiscais, face aos subsídios desembolsados, EUA e RU hoje desejam acabar com os paraísos fiscais para poder tributar os respectivos recursos.  Apesar da hipocrisia das razões, o Brasil deve perseguir com vigor essa agenda internacional do término dos paraísos fiscais, complementando-a com a promoção de uma anistia fiscal doméstica.

Outra questão de repercussão estratégica é a promessa de reformulação do poder de voto do FMI, hoje desproporcionalmente inclinado em favor dos países desenvolvidos. Essa reformulação deverá tomar lugar no correr do ano e tem uma importância enorme para os países em desenvolvimento. O Brasil também deverá promover com energia tal reestruturação, sempre agindo em concerto com outros países emergentes.

Por último, ficou fora da declaração a temática, conforme sugerido pela República Popular da China e pela Federação Russa, da substituição do aviltado e insubstancioso dólar americano como moeda de reserva. O presidente do Banco Central Chinês havia proposto, num ensaio publicado em março de 2009, o gradual uso de direitos especiais de saque de um reformulado FMI. Trata-se de proposta que, por motivos óbvios, interessa muito ao Brasil