Até 31 de outubro deste ano, o Brasil importou o expressivo montante de US$ 75 bilhões, ou 25,1% a mais do que no período correspondente de 2005, um número sem precedentes históricos. Um exame analítico do perfil de tal expressivo surto de importações revela um baixo matiz qualitativo, já que o aumento da importação de bens de consumo não duráveis, comparativo ao ano anterior, foi de nada menos do que 41,2%, enquanto que de bens de consumo duráveis foi de 55,7% no mesmo período. Da mesma maneira, as importações de serviços cresceram 22,6% até setembro, contribuindo para um déficit acumulado no setor nos nove primeiros meses do ano em cerca de US$ 7 bilhões.
Dessa maneira, verificamos no comércio de mercadorias um crescimento inferior nas importações de bens de capital do que nas importações de bens de consumo. Os primeiros refletem investimentos, repercutem positivamente na atividade econômica e social, gerando riquezas, enquanto os segundos são geralmente supérfluos e impactam negativamente as reservas cambiais do país.
Por ora, no setor de comércio em mercadorias, o Brasil exportou no mesmo período um volume aproximado de US$ 120 bilhões, o que gera um superávit nos doze meses precedentes de aproximadamente US$ 45 bilhões. Esse superávit, contudo, não deve nos iludir já que, em grande parte, é devido às exportações de mercadorias agrícolas e minerais, sem valor agregado. Nos últimos 12 meses, o preço médio das mercadorias subiu cerca de 38%.
Ao mesmo tempo, nossas exportações de produtos industrializados vêm perdendo espaço e mercados duramente conquistados. Até mesmo no mercado doméstico, nossos produtores têm perdido expressiva participação no consumo devido aos surtos de importação verificados, o que coloca em risco a indústria nacional, que luta com enormes dificuldades num ambiente empresarial hostil, devido aos custos institucionais brasileiros. Note-se, por exemplo, que de janeiro a setembro deste ano, as importações de vinhos subiram 44%, ao passo que as de geladeiras majoraram em 440%!
Se no setor de comércio internacional de mercadorias, os números globais, se não os qualitativos, ainda iludem, em função do superávit, o mesmo não ocorre no setor de serviços, que já representa mais de 50% do produto interno bruto brasileiro (PIB). De fato, projeta-se para 2006 o maior déficit histórico de comércio em serviços do Brasil, que irá ultrapassar pela primeira vez o marco de US$ 10 bilhões. Esse indicador é igualmente preocupante, porque muito da competitividade internacional futura do Brasil irá depender do desempenho de nosso setor de serviços, que já representa cerca de dois terços do PIB mundial.
Alguns observadores menos atentos ou, pior ainda, muito mal intencionados dizem ver com naturalidade tal surto de importações, que atribuem apenas aos saldos comerciais globais obtidos pelo Brasil. Nada mais equivocado. Tal preocupante aumento, pouco qualitativo, dos importados é devido diretamente à política de valorização artificial do Real e, indiretamente, de política de taxa de juros.
Tivessem razão tais observadores, a China, que tem um saldo comercial cerca de 4 vezes superior ao Brasil, seria a campeã mundial da importação de vinhos, geladeiras e outros bens de consumo. No entanto, o país asiático, que tem a cotação cambial de sua moeda sabidamente sub-apreciada, é um grande importador de… bens de capital. Por outro lado, a taxa de juros da China é de 2,8% ao ano, contra 13,68% no Brasil, que de resto ainda oferece isenções fiscais para aplicações financeiras externas no mercado doméstico.
Assim, a disparatada política de juros praticada no Brasil gera uma grande internalização de capitais financeiros especulativos de curto prazo, que valorizam artificialmente o Real. Por sua vez, o Real artificialmente valorizado barateia os produtos e serviços produzidos no exterior, promovendo um incentivo à sua importação. De outro lado, o mesmo Real artificialmente valorizado penaliza a produção brasileira tanto em sua competitividade externa, quanto também no próprio território nacional.
A bizarria de nossa política de juros e cambial começa também a impulsionar os próprios empresários brasileiros a investir no exterior para prover o mercado nacional (sic). Em 2006, os investimentos brasileiros no exterior se situarão, em valor, próximos àqueles estrangeiros no Brasil. A se confirmar tal tendência, que também é reforçada pelo chamado alto custo Brasil, os impactos macro-econômicos e sociais são de fácil previsão: baixo crescimento econômico, perda de competitividade internacional na produção industrial, concentração na produção e exploração de mercadorias agrícolas e minerais, baixa distribuição de renda e atraso generalizado.
É mais do que chegado o tempo de mudanças nas políticas cambial e de juros no Brasil.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).