Sempre que ouço o comentário, tanto infundado quanto ignorante, elogioso às virtudes do colonialismo
inglês, ocorrem-me à memória a questão do tráfico oficial de ópio, pelo governo do Império Britânico, da
Índia para a China, a situação presente de Bangladesh, também na Ásia, a da Guiana, na América do Sul e,
na África, a do Zimbábue.
Não gostaria de, com essa limitada evocação, dar a falsa impressão de que a Índia, a China, a Guiana,
Bangladesh e o Zimbábue tenham sido as únicas vítimas dos crimes contra a humanidade praticados pelo
colonialismo inglês. Ao contrário. Minha lembrança tem o caráter apenas exemplificativo.
No caso específico do Zimbábue, o imperialismo inglês apossou-se dos territórios do sudeste africano, no
final do século 19, entregando-os à gestão de um consórcio de piratas, malfeitores e criminosos de todos
os tipos, liderados por um monstro de nome Cecil Rhodes. Em 1895, à colônia foi dado o nome de Rodésia,
em homenagem ao sinistro personagem (sic).
O consórcio de piratas ocupou-se imediatamente em despojar de todas as riquezas do país a população
nativa, concentrando-as numa minoria de cerca de 1% da população, composta por brancos. O regime racista
concentrou nesses a quase total propriedade da terra, num país de economia rural.
As injustiças sociais e a miséria humana absoluta decorrentes de tal dramática situação foram
praticamente sem precedentes na história da Humanidade, superando às vezes até mesmo os inomináveis
abusos ocorridos na África do Sul e no Congo.
O povo do Zimbábue, sob a liderança de Robert Mugabe, insurgiu-se então contra o regime genocida, em
violenta guerra civil, na qual derrotaram não apenas as tropas coloniais, como também o exército
britânico. A independência do país foi declarada apenas em 1980.
Na ocasião, o antigo poder colonial, o Reino Unido deixou de apoiar financeiramente um programa de
reforma agrária que permitiria ao mesmo tempo a redistribuição da propriedade rural à vasta maioria da
população e uma razoável indenização aos antigos proprietários.
Como resultado, foi feita uma desorganizada reforma, que não atendeu nem aos interesses nacionais do país
nem aos dos antigos proprietários. Da crise resultante, aproveitou-se o governo do Reino Unido para
promover uma campanha de desestabilização do regime democrático do Zimbábue, pois a arrogância do
imperialismo tem uma vívida memória e não perdoa os revezes sofridos, por mais merecidos.
Com as crescentes dificuldades do Zimbábue, as medidas de sua liderança passaram a ser mais radicais, o
que por sua vez só fez por aumentar as pressões britânicas, estendidas também pela União Européia.
Hoje, como resultado, a situação do Zimbábue e de sua população, que atinge o patamar de 11 milhões de
pessoas, é dramática. A inflação é de 11.000% ao ano. O desemprego alcançou 80% da população
economicamente ativa. Mais de um quarto de seu povo refugiou-se no exterior. Os que permaneceram dependem
mais e mais da caridade.
Todavia, face ao sombrio quadro, pouco se faz para evitar uma crise humanitária de grandes proporções. A
política externa britânica contribui para tal resultado ao perseguir uma vendetta histórica, sem razão ou
justificativa.
Lembrem-se do Zimbábue quando alguém elogiar a excelência do colonialismo inglês.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).