SÃO PAULO – No início do mês de abril de 2005, o secretário geral da ONU (Organização das Nações Unidas) apresentou o seu relatório “Para a maior liberdade”, contendo sua sugestão de agenda proposta para o encontro a se realizar, no âmbito daquela organização multilateral, no próximo mês de setembro. Entre tais sugestões, estão recomendações para decisões políticas, assim como para reformas estruturais, incluindo aquela do Conselho de Segurança, já objeto de dois de meus artigos no último ano.

Na secção terceira do relatório, denominada “Liberdade para viver em dignidade”, chama a atenção o chamamento à ação, com caráter de prioridade, no tocante ao Estado de Direito. De fato, o secretário geral afirma que “a comunidade internacional deve abraçar o conceito de ´responsabilidade para proteger´ como uma base para ação coletiva contra o genocídio, a limpeza étnica e crimes contra a humanidade”.

Continua Annan no sentido de que “todos os tratados relacionados com a proteção de civis devem ser ratificados e implementados”. Mais ainda, “passos devem ser tomados para fortalecer a cooperação com o Tribunal Penal Internacional e (…) com a CIJ (Corte Internacional de Justiça).

Ora, conforme a leitura de meu artigo “A política externa dos EUA como obstáculo ao desenvolvimento do direito internacional” irá esclarecer, não há dúvidas de que o secretário geral da ONU aponta ações na área do direito internacional que foram repudiadas pelos Estados Unidos da América. Mais ainda, Annan alerta que a estrutura normativa das últimas seis décadas deve ser fortalecida.

Acresce que o secretário geral aponta, com propriedade, que passos concretos são necessários para reduzir a aplicação seletiva, execução arbitrária das próprias razões na área internacional e violações da ordem internacional sem sanções. Como verdadeiro estadista, Annan, embora em jargão diplomático, sugere o uso do direito internacional para a contenção e punição das violações do direito internacional. Ao falar em sanções, ele procura atacar um dos pontos de maior debilidade do direito internacional.

Como visto, não há dúvidas sobre a percepção de Annan sobre que país venha a ser a ameaça ao desenvolvimento do direito internacional e da necessidade da contenção de seus abusos. Sem dúvida, esse é um entendimento que é certamente compartilhado pela vasta maioria dos observadores comprometidos com a prevalência do Direito nas relações internacionais.

Ao mesmo tempo em que, acertadamente, clama pelo Estado de Direito na ordem internacional, chama a atenção o fato de que não há menção sobre o Direito na ordem municipal ou doméstica dos Estados. Isso ocorreu porque, nos últimos anos a ordem democrática tem evoluído de maneira notável em todo o mundo. A América Latina, por exemplo, está totalmente democratizada há cerca de duas décadas e suas instituições jurídicas funcionam de forma admirável, apesar dos problemas naturais de eficiência orgânica.

A África do Sul implantou uma sólida e vibrante democracia, em 1994, com o fim do odioso regime do Apartheid. A Índia aperfeiçoa suas instituições legais de maneira notável. A República Popular da China, há cerca de 15 anos, vem reformando de maneira admirável seu arcabouço jurídico, inclusive na esfera constitucional, com o objetivo de ampliar a proteção aos Direitos Humanos e à propriedade privada. Ainda na China, desde 1991, a advocacia exerce o seu papel tradicional e os membros do Judiciário e do Ministério Público são escolhidos nos moldes prevalecentes no resto do mundo.

De fato, a humanidade tem a celebrar grandes avanços na área da juridicidade, no âmbito dos países em desenvolvimento. Faltou apenas ao secretário geral apontar as crescentes, e preocupantes, restrições às liberdades democráticas em alguns países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, Reino Unido e Itália, conforme tive a oportunidade de já analisar em meus artigos.