São Paulo, 21 de Fevereiro de 2008 – Quando os holofotes do Estádio Olímpico de Pequim se acenderem no dia 8/08 de 2008, às 8h08 da noite, o mundo terá a oportunidade de constatar a capacidade do povo chinês, cuja cultura milenar respeita tanto o esotérico quanto o real. Mais do que se estruturar para sediar um dos maiores eventos esportivos do mundo, a China mostrará também que está se preparando para mudar sua imagem perante a comunidade econômica mundial.
Entre as alterações mais significativas está a implantação de uma nova Lei Trabalhista, que somada à recente Reforma Tributária (que elevou de 15% para 25% a alíquota de imposto de renda para empresas estrangeiras), coloca em xeque o atraente custo China. As duas vantagens que sempre conferiram ao país a dianteira na atração de investimentos estrangeiros, agora começam a sofrer alterações. "Essas mudanças encarecem a produção e oferecem mais riscos aos investidores estrangeiros, acostumados com a mão-de-obra barata chinesa", explica o advogado Rodrigo do Val Ferreira, responsável pelo escritório da Felsberg e Associados na China.
O país vive hoje um momento de transição, passando da fase de abertura ampla ao investimento estrangeiro, iniciado no final dos anos 1980, para um amadurecimento econômico, segundo o advogado chinês Jun Zhang, que atua no escritório paulistano da Noronha Advogados auxiliando empresas brasileiras que pretendem investir na China.. "As mudanças fazem parte do plano qüinqüenal do governo para adequação às regras da OMC e para resgate da imagem da China, tão arranhada por notícias de exploração dos trabalhadores e fabricação de produtos piratas ou de má qualidade", explica Zhang.
Para o chinês, que está no Brasil desde agosto do ano passado, a nova lei trabalhista vai encarecer a mão-de-obra. "Mas isso faz parte do plano chinês de longo prazo, que antes previa a abertura ao investidor e agora pensa também no desenvolvimento do próprio país", afirma Zhang.
Para o advogado brasileiro Bento Delgado Kardos – que atuou pelo escritório Noronha Advogados na China e agora trabalha em São Paulo atendendo empresas nacionais – estas mudanças indicam que existe hoje um processo de amadurecimento da economia da China. "O país não quer mais ser apenas o pólo industrial do mundo e, pior, produzindo coisas de qualidade duvidosa. Mas ainda é difícil mensurar o impacto na competitividade deles", afirma Kardos, citando problemas com os brinquedos, alimentos processados e autopeças.
As duas reformas, tributária e trabalhista, aliadas às medidas de proteção ao meio ambiente e à propriedade intelectual, devem colocar a China em um outro patamar, o que será considerado pelos investidores. Mas todos são unânimes em apostar que, apesar de todas estas mudanças, o país continuará sendo extremamente competitivo e atraente. Até porque se trata da maior nação do planeta com potencial para se tornar o carro-chefe da economia mundial. Ocupando o centro do palco não apenas durante as Olimpíadas, mas especialmente frente à provável recessão norte-americana.
"As mudanças na China são necessárias por causa das pressões internacionais a respeito de competição e adequação às regras da OMC", afirma o professor de economia internacional da PUC de São Paulo, Silvio Miyazaki. Para ele, no entanto, ainda é cedo para acreditar no aumento de demanda interna chinesa em função de maiores garantias para os trabalhadores. "Não dá para ver a China de forma homogênea. Xangai e Pequim são centros mais desenvolvidos, mas existe uma enorme população rural que ainda demanda apenas produtos de primeira necessidade", acrescenta.
Para os empresários brasileiros, as mudanças na China afetarão mais diretamente as empresas locais. Segundo Rodrigo Tavares Maciel, secretário executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (entidade que congrega algumas das maiores empresas de ambos países, visando aperfeiçoar as ações bilaterais de comércio e investimento), isso ocorrerá porque as companhias estrangeiras trabalham com contratos e melhores condições de trabalho por contratar mão-de-obra mais qualificada "Por isso, não devem ser afetadas diretamente", diz. Além disso, as estrangeiras, por registrarem crescimento acelerado de suas receitas e lucros, não pretendem demitir no curto prazo.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 16)(Anna Lúcia França)