1.    Amplitude do Direito Agrário

Como ramo autônomo do Direito, o Direito Agrário regula todas as relações havidas no campo, sendo elas relacionadas ao uso e ou a exploração da terra, abrangendo aspectos de natureza contratual, tributária, ambiental, trabalhista, securitária, creditícia, fundiária, dentre outras. O Direito Agrário, como ramo autônomo que é, possui regulação própria, principalmente prevista no Estatuto da Terra, Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964 e no Decreto número 59.566, de 14 de novembro de 1966. Nesse âmbito, tocam-se o Direito Privado, concernente aos negócios jurídicos firmados entre particulares, e o Direito Público, próprio das relações jurídicas entre o Estado e os particulares. 

Como se pode perceber, o Direito Agrário, por abranger as mais diversas áreas relacionadas ao uso e exploração da terra, é uma ciência multifuncional, que regula as diversas relações surgidas no campo e provenientes do uso da terra.

Isso explica a grande amplitude do Direito Agrário, tendo em vista sua relação com as mais variadas ciências, dentre elas economia, administração, contabilidade, agronomia, veterinária, meteorologia e uma gama diversificada de ramos da ciência jurídica.

Assim, faz-se necessário trazer a importante inter-relação existente entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental, por exemplo. O Direito Agrário está diretamente ligado ao Direito Ambiental, eis que o elemento essencial do Direito Agrário são atividades desenvolvidas pelo homem na terra, ou seja, atividades estritamente ligadas à natureza, ao meio ambiente. Justamente por essa razão, as atividades rurais são, por natureza, agressivas ao meio ambiente, sendo necessária constante atenção para a preservação de matas ciliares ao longo dos rios, proteção das nascentes, uso racional da água, observação das normas de uso da terra e de cultivo.

Outro ramo do Direito com o qual o Direito Agrário possui interligação é o Direito Tributário, pois existem tributos específicos para as atividades agrárias e para a propriedade rural.

Vincula-se, também, com o Direito do Trabalho, pois no campo surgem relações de emprego. Com o Direito Previdenciário, decorrente da existência dessas relações de trabalho.

Modernamente, relaciona-se com o Direito da Propriedade Intelectual, tendo em vista a proteção das cultivares, que confere a seu titular o direito de cobrança de “royalties” pela utilização do material protegido, bem como a possibilidade de licenciamento da utilização da tecnologia.

Relaciona-se com Administração, Economia e Contabilidade, ramos estes de extrema importância para qualquer negócio, seja ele agrário ou não.

E, inevitavelmente, vincula-se com as ciências agrárias, tais como Agronomia e Veterinária, as quais trabalham com o campo.

Por conseguinte, pode-se dizer que o agronegócio reúne toda a gama de atividades econômicas envolvidas na produção agropecuária, desde as atividades conhecidas como “antes da porteira”, tais como insumos, equipamentos e sementes, passando pelo “dentro da porteira”, ou seja, a produção agropecuária, incluindo o preparo e manejo do solo, irrigação, colheita e criações, até as “depois da porteira”, através das quais os produtos chegam ao consumidor final, tais como processamento, comercialização, financiamento, seguros, transporte e armazenamento.

2.     Questões Pontuais do Direito Agrário

Além de apenas relacionarmos a abrangência do tema, entendemos importante destacar algumas questões específicas sobre o Direito Agrário, o que passamos a fazer na seqüência.

Competência Legislativa

A Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso I, reserva a competência legislativa, em matéria de Direito Agrário, exclusivamente à União Federal, diferentemente de outras nações que atribuem a competência para Estados e Municípios, ou seja, no Brasil compete exclusivamente à União Federal regular as relações de Direito Agrário.

Fontes do Direito Agrário

Além das normas, o Direito Agrário é regrado por diversos princípios, os quais são muito relevantes nesse ramo do Direito. Por entendermos ser um dos mais polêmicos princípios do Direito Agrário, discorreremos sobre o Princípio da Função Social da Propriedade.

Esse princípio visa promover a justiça social, bem como incentivar a utilização mais adequada da propriedade com vista no desenvolvimento da nação. Porém, em tese, a necessidade de cumprir com o fim social não significa uma limitação ao uso da propriedade, mas sim determina a necessidade de intensificação desse uso, para que o máximo de aproveitamento seja alcançado. Hoje a propriedade que não cumpre a função social não é garantida, ao contrário, é passível de eliminação, por meio de desapropriação e quando situada em área rural deve ser objeto da Reforma Agrária, a fim de que passe a ser utilizada por quem, em princípio, melhor possa aproveitá-la.

Institutos Jurídicos do Direito Agrário

No Direito Agrário, algumas expressões têm conotação própria – distinta daquelas usualmente adotadas – ou, pelo menos, são enfocadas diferentemente na atividade agrícola.
Assim, entendemos que seja de extrema importância o estudo desses institutos, para se evitar a incursão em erro quanto ao seu verdadeiro significado.

A título de exemplo, achamos oportuno expor dois exemplos: a definição do que se considera Imóvel Rural e Módulo Rural, pois se tratam dos principais objetos do Direito Agrário.

No que se refere à definição de Imóvel Rural, não há uma unanimidade sobre o critério que deve ser utilizado para diferenciar um Imóvel Rural de um Imóvel Urbano. A distinção entre Imóvel Rural e Urbano utiliza, predominantemente, o critério da destinação do imóvel. Porém, pode ser baseado, também, para a diferenciação, em sua localização geográfica.

Já o Módulo Rural é a unidade dimensional fundamental de terra, expressa em hectares, e que constitui a dimensão mínima de terra necessária para garantir a subsistência essencial de uma família constituída por quatro pessoas. Assim, em muitos casos, o Módulo Rural confunde-se com a Propriedade Familiar.

Contratos Agrários

No setor agrícola, assim como nos demais setores da economia ocorrem inúmeras relações negociais entre produtores rurais, proprietários de imóveis rurais, instituições financeiras, indústrias, dentre outros. O amparo legal para essas relações negociais podem ser encontrados na legislação comercial, civil, bancária, etc., mas é o Estatuto da Terra, Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, e o Decreto número 59.566, de 14 de novembro de 1966, que disciplinam de forma mais ampla os contratos agrários.

A legislação brasileira contempla os contratos de arrendamento rural e parcerias rurais como contratos agrários típicos ou nominados. O Estatuto da Terra, por sua vez, estabeleceu os princípios norteadores dos contratos agrários.

Já os contratos de empreitada, pastoreio, depósito, comodato, roçado e arrendamento mercantil, por exemplo, são considerados contratos agrários atípicos ou inominados, por não estarem previstos na legislação. Muitos desses contratos, cumpre notar, estão previstos no ordenamento jurídico de outros países, nos quais contratos agrários de pastoreio, colheita e, até mesmo, de câmbio são considerados típicos.

Direito Ambiental no Âmbito Agrário

A proteção ao meio ambiente é de competência comum da União Federal, dos Estados, do Distrito Federal e, dos Municípios. Dessa forma, essa matéria está prevista na Constituição Federal, em Leis, Decretos, Instruções Normativas, Resoluções e Portarias, em algumas Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais, existindo até legislação específica para um determinado bem ambiental, como é o caso das águas, da flora, fauna. 

A proximidade entre o Direito Agrário e o Ambiental pode ser constatada de pronto quando se observa que um dos princípios norteadores do Direito Agrário é o Princípio da Preservação do Meio Ambiente, que visa conciliar a exploração econômica com a conservação dos recursos naturais existentes na propriedade. Na mesma linha, a Constituição Federal, em seu artigo 186, dispõe que a propriedade rural somente cumprirá sua função social se atender alguns requisitos e, um desses, é a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.

Atualmente questões ambientais são amplamente discutidas e regulamentadas, o que impõe, com maior, rigidez, o cumprimento da legislação ambiental. Os principais problemas ambientais enfrentados são a irregularidade pluviométrica (secas e enchentes), assim como a oscilações bruscas de temperatura, fatores estes que desencadeiam uma série de conseqüências negativas para a natureza e um desequilíbrio ecológico mundial.

Desta forma, diversos instrumentos foram criados pela Política Nacional do Meio Ambiente, para preservação do meio ambiente. Dentre eles destacamos o Estudo de Impacto Ambiental e Licenciamento Ambiental. Estes dois instrumentos visam a preservação do meio ambiente e destinam-se a monitorar os efeitos danosos que podem resultar da implantação, ampliação ou funcionamento de atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental.

Outra questão relacionada ao Direito Ambiental e o Direito Agrário refere-se às áreas de preservação permanente e as reservas legais. O Código Florestal Brasileiro, estipulou algumas áreas naturais que devem ser permanentemente preservadas – áreas de preservação permanente – assim como estabeleceu critérios para a definição de áreas que precisam ter sua vegetação preservada nas propriedades privadas, ou seja, as reserva legais.

É importante que os produtores rurais e os profissionais da área assimilem que estas exigências não são apenas exigências legais, de Estado, mas sim, exigências também de mercado. Os produtores rurais devem conduzir esta questão relacionada às áreas de preservação permanente e as reservas legais de forma a atender as necessidades legais e utilizando-se destas para agregar valor à produção contemporâneizando a cadeia produtiva de suas propriedades.

Direto do Trabalho no Âmbito Rural

A estreita inter-relação do Direito do Trabalho com o Direito Agrário pode ser percebida através de um princípio constitucional, o qual dispõe que para que a propriedade rural cumpra com sua função social, faz-se necessário o respeito ao bem-estar do empregado rural e ao regulamento referente a este tipo de trabalho, conforme dispõe o artigo 186, incisos III e IV, da Constituição Federal. Desta forma, o proprietário rural deverá atentar para estes ditames constitucionais.

Cumpre destacarmos que as relações trabalhistas no âmbito rural não são reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Estas relações trabalhistas são regidas pela Lei número 5.889, 08 de junho de 1973. Esta Lei, em seu artigo 2º define Empregado Rural: Empregado Rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.

Diversas são as relações de trabalho que se desenvolvem na atividade rural. Dentre estas relações de trabalho podemos trazer as seguintes formas de Contrato de Trabalho: Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado; Contrato de Trabalho por Tempo Determinado; Contrato de Safra; Contrato de Trabalho Rural por Obra Certa; Contrato de Trabalho Temporário Rural; Contrato de Parceria: Trabalhador Avulso; Consórcio ou Condomínio de Empregadores Rurais; Contrato de Empreitada; Aprendizagem Rural; e, Cooperativas de Trabalho Rural.

Tributação da Atividade Agrícola

Além de existir tributos específicos para o setor agrícola, como o ITR – Imposto Territorial Rural, outros tributos, não específicos do setor, também podem ter sua aplicação diferenciada quando se trata de produtores rurais.

Um exemplo que deixa clara tal afirmação é o Imposto de Renda. Embora os proventos decorrentes da atividade rural estejam sujeitos a esse imposto, assim como os demais proventos, sua apuração será feita de forma diferenciada.

Crédito Rural

Outra questão oportuna é a do crédito rural. Sabe-se que grande parte dos produtores necessitam e utilizam o crédito ofertado, seja para o custeio da atividade, para investimento no setor, para a comercialização da produção ou sua industrialização.

No Brasil há diversas Leis que tratam especificamente da questão do crédito rural. Inclusive, existem diversos títulos de crédito rurais, criados em benefício do setor, visando dar mais agilidade aos empréstimos e melhor garantir o pagamento das dívidas.

Aqui, ressaltamos a importância de tais títulos de crédito, que se mais utilizados, poderiam beneficiar em muito o setor do agronegócio.

Propriedade Intelectual no Âmbito Agrário

O último dos pontos que entendemos oportuno ressaltar, diz respeito à propriedade intelectual, uma vez que esse tema é cada vez mais discutido.
Fala-se de propriedade intelectual quando se trata de algo que decorra da atividade do intelecto humano, especialmente as expressões que dizem respeito ao campo industrial e comercial.

A proteção das cultivares é um dos desdobramentos da propriedade intelectual que em muito interessa ao setor do agronegócio. Trata-se da proteção conferida a plantas distinguíveis das até então existentes, que possuam denominação própria, sejam homogêneas, se reproduzam de forma estável e, por fim, sejam úteis.

Tal proteção confere ao seu titular o direito exclusivo de utilização e reprodução, permitindo que o mesmo seja beneficiado com a comercialização de tal produto.

3.    Importância do Direito Agrário

Feitas essas ponderações, resta indiscutível a importância do agronegócio e, conseqüentemente, do estudo do Direito Agrário no Brasil que advém das inúmeras polêmicas em torno da agropecuária do país, o que, por si só, já seria suficiente para justificar um profundo estudo deste ramo da ciência jurídica. Todavia, é possível justificar o estudo de forma empírica frente aos atuais índices do setor.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o agronegócio é responsável por 33% do Produto Interno Bruto Brasileiro, por 42% das exportações nacionais e por 37% dos empregos do país, o que representa aproximadamente 17,7 milhões de trabalhadores, somente no campo. Além disso, o setor responde por um em cada três reais gerados no País e tem, presentemente, uma produção de mais de 130 milhões de toneladas de grãos. O superávit da balança comercial brasileira é gerado, principalmente, pelo agronegócio e as reservas internacionais e o balanço do pagamento do Brasil são garantidos pelos resultados deste setor.

Portanto, note-se que a agricultura foi e continua sendo de extrema importância para o desenvolvimento do país, eis que o Brasil possui excelente e diversificado clima, além de abundantes recursos naturais que possibilitaram o crescimento do setor agrícola. Isso que apenas um terço da sua área cultivável do país está sendo utilizada, ou seja, podemos atingir níveis ainda mais expressivos através do desenvolvimento deste setor.

Ou seja, o agronegócio é essencial para nosso país. Aqui, ao contrário do resto do mundo, esse setor não recebe subsídios do governo e, mesmo com todas as dificuldades que o afligem, temos uma extraordinária competitividade e, mais importante do que isto, o agronegócio brasileiro tem ainda muito potencial de expansão.

O Brasil é o único país do mundo que pode quintuplicar a produção agrícola sem ter que desmatar suas reservas ecológicas, o que, isoladamente, já demonstra o potencial extraordinário de crescimento econômico através desse setor, isso sem considerar a questão dos preços agrícolas, que hoje estão defasados.

Outro ponto que é muito importante, também, é a questão das mercadorias energéticas, pois por muitos anos as mercadorias agrícolas estavam sujeitas apenas ao impacto dos preços decrescentes causados pelos subsídios praticados pelos países desenvolvidos. Então, por 25 anos, essas mercadorias agrícolas caiam constantemente. Porém, tudo isso mudou com a transformação de alguns produtos em mercadorias energéticas, cujos valores não são mais pautados pelos subsídios, mas sim pelo preço do petróleo. Dentre estas mercadorias temos o etanol e o biodisel.

Assim, a importância do estudo do Direito Agrário justifica-se, também, pois este ramo do Direito é de grande relevância para os técnicos e profissionais que atuam nas áreas das Ciências Agrárias, os quais detêm o conhecimento necessário para o aumento da produtividade e que, necessariamente, precisarão conhecer as regras aplicadas nas relações pertinentes ao uso e ou exploração da terra para que desenvolvam suas atividades em concordância com o ordenamento jurídico.

Mesmo com tamanha importância e abrangência, o Direito Agrário é cadeira curricular obrigatória em apenas 33,3% das faculdades de Direito do Rio Grande do Sul, situação esta que deve ser modificada para que as relações havidas no campo sejam melhor entendidas e conduzidas, assim como, para que haja uma maior evolução do setor.

Esta evolução deverá ocorrer de forma lenta, mas efetiva. As perspectivas para o setor agrícola são boas, tendo em vista o crescimento do mercado mundial de produtos agropecuários e a progressiva retirada das barreiras ao comércio internacional.

Assim, verifica-se que, efetivamente, o Direito Agrário é uma ciência que merece destaque e estudo, pois necessitamos que os operadores do setor agropecuário, de extrema importância para o país, sejam eles produtores rurais, advogados, agrônomos, veterinários, administradores, economistas, contadores, saibam e conheçam as normas dele provenientes, para que possam executar suas atividades de forma a ampliar cada vez mais o setor, tornando-o, assim, ainda mais produtivo e próspero. Enfim, todos os fatores expostos nos permitem vislumbrar um futuro de grande prosperidade para nosso país e para nosso povo.