SÃO PAULO – No regime jurídico internacional, um bloco de livre comércio tem o propósito de promover a redução tarifária e o acesso a mercado entre os Estados membros e, assim, assegurar uma maior prosperidade regional, inclusive pela criação de uma maior economia de escala. Em alguns casos, como ocorre com a União Européia, mas não com o Nafta, o bloco tem mecanismos de apoio a atividades econômicas, regiões e países com baixo desenvolvimento relativo. Não é o caso do Mercosul.
Infelizmente, a cosmo visão que o Brasil tem para o bloco regional não é compartilhada pelos demais Estados membros. Tem sido a consistente política do Itamaraty, ao longo dos anos, buscar através do Mercosul uma maior massa de manobra política nos foros internacionais. Por outro lado, a Argentina desenvolveu um imaginário pelo qual, para aceitar a liderança política regional do Brasil, deveria este fazer concessões idiossincráticas e caprichosas, das mais diversas, na área econômica.
De sua vez, o governo brasileiro aceita esse jogo ao fingir não perceber que a Argentina dissimula seguir sua liderança política e tem procurado atender às reivindicações do setor privado argentino, que são pagas pelo setor privado brasileiro. Assim, o Mercosul tornou-se, em grande parte, um jogo de soma zero, no qual o ganho de um agente econômico, num país, é a perda de outro(s), em terceiro Estado membro. Essa situação frustra o objetivo da prosperidade generalizada e, ao contrário, leva à estagnação, à frustração e à retração nos investimentos e na atividade econômica.
Dessa maneira, o Mercosul está gradualmente a se tornar um bloco econômico onde as exceções superam as regras e em que prevalece o comércio administrado em detrimento da racionalidade e da juridicidade. O bloco está, pois, a acumular bizarrias diversas em seus institutos. Dentre elas, contam-se o MAC (Mecanismo de Adaptação Competitiva), entre o Brasil e a Argentina; um protocolo de pagamentos dentre esses países, à exclusão dos demais; um sistema de resolução de disputas que tanto exclui os agentes privados como é absolutamente ineficaz; um chamado parlamento, que não obedece ao princípio da proporcionalidade da representação; um sistema de regra de origem que encoraja a triangulação e a fraude à Tarifa Externa Comum; um regime de drawback intrabloco (sic), etc.
Mais ainda, diversos governos argentinos, em distintas áreas, comprovaram que medidas comerciais contra o Brasil bem servem à política populista. Mais recentemente, o governo argentino mobilizou, ou ao menos encorajou, massas furiosas a frustrar um dos objetivos do Mercosul, a livre circulação de pessoas e mercadorias, do Uruguai a seu território, por conta do caso do investimento em plantas de celulose neste país.
Pois bem, em 29 de dezembro de 2006, o governo argentino formulou um pedido de consultas ao Brasil, no âmbito do sistema de resolução de disputas da OMC (Organização Mundial do Comércio), no tocante a uma decisão da Camex, de setembro de 2005, de impor direitos antidumping às importações de resinas PET originárias da Argentina e dos EUA. Essa situação reflete aquilo que é basicamente uma disputa privada entre duas empresas, uma italiana com investimentos no Brasil e outra, americana, presente na Argentina.
Ocorre que o mercado de fornecimento de resina PET no Brasil alterou-se com a construção da maior e mais moderna planta do mundo do químico, pela empresa italiana M&G, em Pernambuco, cuja inauguração tomará lugar nos próximos dias. A planta brasileira, que servirá de base para um dos maiores projetos químicos, atenderá a todo o mercado brasileiro.
Inconformada, a empresa americana com subsidiária na Argentina deseja uma reserva do mercado brasileiro (sic). Para atingir tal propósito, convenceu o governo argentino a exercer as mais diversas pressões sobre o governo brasileiro e que culminaram, agora, com o pedido de consultas na OMC. Se é pouco recomendável que governos patrocinem interesses privados em detrimento do interesse geral, a escolha do contencioso na OMC mostra-se ainda mais desacertada.
De fato, o sistema de disputas da OMC só se aplica aos Estados membros, sendo vedada a participação de agentes privados. Isso ocorre porque o sistema multilateral do comércio visa apenas a regular o relacionamento entre Estados soberanos membros do organismo, de acordo com o resultado de negociações levadas a efeito pelo princípio da cláusula de não discriminação, ou da nação mais favorecida.
De mais a mais, as recomendações do sistema de arbitragem da OMC não são mandatórias, não tem exeqüibilidade contra os Estados eventualmente sucumbentes nas disputas e, ademais, não alcançam os agentes privados de direito domésticos. Por outro lado, o acordo antidumping da OMC não permite a revisão do conteúdo de uma determinação de defesa comercial tomada pela autoridade de direito interno na modalidade.
Assim, muito melhor fariam os governos do Mercosul se deixassem de lado o tanto estéril quanto perigoso populismo e se dedicassem à construção de uma formatação institucional séria e consistente para o Bloco, que leve a região à prosperidade coletiva.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).