São Paulo – O princípio da autodeterminação dos povos é o direito ou aspiração de um grupo, que se considera com uma identidade distinta e separada de se governar e bem assim de determinar a situação política e jurídica do território que ocupa. Assim, o conceito é bastante próximo das noções de nação e Estado, tomadas em conjunto.
Historicamente, o princípio aparece na declaração de independência dos EUA e dos países latino americanos. Da mesma forma, ele é encontradiço na Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa de 1789 e, posteriormente, na gênesis da Liga das Nações e da própria carta da ONU (Organização das Nações Unidas)
Mais recentemente, o direito à autodeterminação foi enunciado na Declaração de Princípios de Direito Internacional de 1970 que destacou terem todos os Estados o dever de promovê-lo, juntamente com os direitos à isonomia, e à afirmação econômica, social e cultural. Ele foi ainda utilizado para combater todas as manifestações de colonialismo.
O direito à autodeterminação dos povos é inclusive um dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil, ex-vi do disposto no artigo 4º, III da Constituição Federal. Nesse contexto, o direito à autodeterminação dos povos visa coibir o jugo de um Estado sobre um povo ou nação fora do território nacional do primeiro.
No entanto, nas relações domésticas, aplica-se dentre nós o disposto no artigo 1º da Constituição no sentido de que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal e tem como fundamentos inter alia a soberania (artigo 1º, I) e a cidadania (artigo 1º, II). O mesmo princípio é válido para outros países.
Assim, embora o direito constitucional pátrio admita hipoteticamente o princípio da autodeterminação nas relações internacionais, ele o rejeita no direito interno ao afirmar a indissolubilidade do território nacional, que impede nele a formação de novo(s) Estado(s).
Trata-se de dispositivo não apenas lógico, mas também razoável, de defesa legítima do Estado. De fato, cabe apenas à União legislar sobre a nacionalidade, cidadania e naturalização (artigo 22, XIII), bem como sobre as populações indígenas (artigo 22, VIV).
Pois bem, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 13 de setembro de 2007, dispõe, em seu artigo 3º que “os povos indígenas têm direito à livre determinação. Em virtude desse direito determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.”
Mais ainda, continua a declaração em seu artigo 4º, “os povos indígenas no exercício do seu direito à livre determinação, tem direito à autonomia ou ao auto-governo nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como os meios para financiar suas funções autônomas”.
Tais dispositivos, dentre outros, estão em flagrante e direto conflito com as normas constitucionais brasileiras, como também com a de outros países. Dessa maneira, os EUA, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, recusaram-se a assinar a Declaração da ONU sob o argumento de colisão frontal com o direito constitucional e/ou de regência, no âmbito interno.
O Brasil, representado pelo Ministério das Relações Exteriores, que tem se caracterizado por uma abissal ignorância ou, ao menos, um arrogante desprezo ao direito, não hesitou em assinar a declaração da ONU, não obstante seu caráter contrário às normas constitucionais brasileiras e suas sérias implicações de violação da integridade do território nacional.
As conseqüências internacionais de tal ato irresponsável do Itamaraty não tardaram a aparecer, no sentido de pressões de forma a permitirmos a criação de Estados estrangeiros dentro do território nacional brasileiro. Tais pressões serão ainda mais fortes quando aliadas ao argumento da proteção ambiental.
Quando conseguiremos fazer com que a atual diplomacia brasileira respeite as leis internas e atue nos foros internacionais de acordo com nossos interesses?
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).