Londres – Poucas vezes em sua conturbada história de 61 anos a Organização das Nações Unidas (ONU) passou por crise igual à que se defronta no momento, diante dos desafios à ordem jurídica multilateral apresentados pelo genocídio que ora se pratica no Iraque.
De fato, segundo dados da própria ONU produzidos por seu Alto Comissariado para Refugiados, o conflito no país ocasionou o número elevadíssimo de 3,1 milhões de refugiados. A cada semana, chegam 40 mil refugiados iraquianos na Síria. Mais ainda, de acordo com outros organismos não governamentais de grande credibilidade, o número de vítimas fatais da ocupação ilegal já chegou a 650 mil pessoas.
Conforme já tive a oportunidade de examinar nesta coluna, a responsabilidade por tal tragédia é atribuída aos Estados Unidos da América (EUA) e ao Reino Unido, pela invasão e ocupação ilegais do Iraque, em violação ao que dispõe a própria Carta da ONU.
A trágica situação demonstra ainda a inadequação do regime jurídico da ONU e a necessidade de sua modificação. Por um lado, a Carta da ONU, em seu artigo 6, dispõe que “um membro…que tenha persistentemente violado os princípios contidos na presente carta poderá ser expulso pela Assembléia Geral por recomendação do Conselho de Segurança”.
Assim, Reino Unido e EUA, por suas tão claras como persistentes violações dos princípios da Carta, poderiam ser submetidos ao julgamento da comunidade internacional, representada pelo órgão democrático da Assembléia Geral.
Todavia, o sistema atual permite que os vilões tenham, de fato, uma imunidade de perseguição judicial, pelo poder de veto que detém no Conselho de Segurança.
Quando o poder de veto foi estabelecido, originalmente em 1945, nele estava embutida uma responsabilidade fiduciária com a comunidade internacional. Essa fidúcia foi reiteradamente violada no correr dos anos e hoje o poder de veto é o instrumento de abuso de direito, do exercício arbitrário das próprias razões e da convalidação de crimes contra a Humanidade.
Na reunião de cúpula da ONU em 2005, foi acordado que a organização multilateral tem a responsabilidade pela proteção das populações civis. No entanto, revela-se a ONU incapaz de agir em prol da defesa dos direitos humanos mais básicos da inocente população civil do Iraque, vítima de abusos e arbítrios que antecedem, em muitas décadas, a invasão criminosa havida em 2003. O próprio regime das sanções aplicadas sacrificou brutalmente a população civil, inclusive a infantil.
A impotência da ONU é dupla: nada pode fazer pelas vítimas e não pode sancionar os algozes. É triste de se constatar o estado de decadência em que chegou o direito internacional, o que parece anunciar que estamos no limiar de uma nova idade das trevas.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).