A acessão da Republica Popular da China à Organização Mundial do Comércio (OMC), ocorrida em 11 de Dezembro de 2001, representa um divisor de águas da história jurídica e econômica daquele país. Essa acessão ,na realidade, representa o reingresso do país no sistema multilateral do comércio, já que a China fora um dos 27 signatários originais do Acordo Geral de Tarifas e Comércio ( o GATT), em 1947. Como é sabido, o GATT foi o precursor da OMC.
O processo de negociação de sua acessão foi longo, cerca de 15 anos, e penoso. De fato, nenhum país tantas concessões fez para ingressar no OMC. Tais concessões foram tanto de ordem externa como de ordem interna. No setor externo, a China ofereceu substanciais melhorias de acesso aos seus mercados, inclusive, mas não somente, na área tarifária, com expressivas reduções. Por outro lado, no setor interno, a China teve que promover profundas alterações no seu ordenamento jurídico de direito interno para torná-lo consistente à ordem legal do sistema multilateral de comércio.
Esse monumental esforço legislativo implicou em modificações constitucionais e infra-constitucionais, e em milhares de novas leis e regulamentos de lei. Como resultado, não somente a China tornou-se uma economia de mercado, como organizou seu sistema jurídico interno de acordo com o direito positivo de origem européia e estruturou suas profissões legais nos moldes ocidentais.
Assim, a advocacia chinesa deixou de ser uma profissão de estado para se tornar numa profissão liberal, nos moldes de como se encontra estruturada dentre nós. Ela está organizada por uma entidade profissional denominada Associação de Advogados de Toda a China. Seus juizes e promotores são funcionários públicos que acedem às carreiras respectivas mediante concurso.
Há hoje cerca de 110 mil Advogados na República Popular da China, os quais são admitidos à ordem após exame de avaliação. O índice de reprovação nos exames é de aproximadamente 82%, muito embora as Faculdades de direito chinesas tenham um excelente nível, o que denota um processo seletivo muito consciencioso.
Para uma população de 1,3 bilhão de habitantes, o número de Advogados chineses é relativamente muito baixo. Isso se explica por fatores culturais comuns a todo o oriente, em função da sedimentação do confucionismo. De fato, o confucionismo traz fórmulas e regras estratificadas de comportamento que previnem ou indicam meios de superação de disputas.
Como resultado, o número de Advogados e o número de disputas é, na China, à semelhança do que ocorre em todo o oriente, é muito menor do que no ocidente. Mais ainda, a apresentação de um conflito para a prestação jurisdicional do Estado é freqüentemente humilhante para as partes, que falharam na solução própria. Por último, o fator cultural tem impedido, na China como no oriente de um modo geral, a banalização do recurso ao judiciário para questões frívolas e desnecessárias, bem como o abuso do processo legal.
O lançamento de nossa obra, “A China Pós-OMC: Direito e Comércio” em Portugal em Fevereiro de 2005 é oportuno porque coincide com o reconhecimento, já por cerca de 30 países, da China como economia de mercado. A presunção da China como economia de estado com sede no Tratado de Acessão, artigos 15 e 16, permite o tratamento discriminatório do país em questões de anti-dumping e de salvaguardas, e colocaram o país como recipiente de quase dois terços de tais medidas de defesa comercial existentes no mundo. Dentre os países que reconheceram a China como economia de mercado estão a Austrália, o Brasil, a Argentina e a Nova Zelândia.
O lançamento da nossa obra “A China Pós-OMC: Direito e Comércio” em Portugal neste momento também é oportuno porque no ano passado a União Européia (UE) suplantou o Japão e os Estados Unidos da América para se tornar o maior parceiro comercial da China. Por sua vez, a China tornou-se o segundo maior parceiro comercial da UE, atrás apenas dos EUA. O volume bilateral de trocas sino-européias situou-se em US$ 160 bilhões, 34% acima do patamar de 2003.
Por outro lado, a UE é o quarto maior investidor estrangeiro na China e este país é um grande investidor em títulos denominados em Euros. Esse é um fato relevante, já que é sabido ter a China as maiores reservas mundiais de moedas estrangeiras.
Da mesma forma, a UE é o maior exportador de tecnologias para a China, o que pode gerar ainda maiores oportunidades para o futuro, considerando-se que a China tem representado um terço do crescimento da produção mundial, de acordo com o critério de paridade do poder de compra. Essa metodologia situa o PIB chinês em valor superior a US$ 6 trilhões contra um valor de US$ 11 trilhões para o dos EUA, a título de comparação.
A obra “A China Pós-OMC: Direito e Comércio” é dividida em oito capítulos. Ela é resultado de minha experiência pessoal de 10 anos como advogado da República Popular da China em questões de direito do comércio internacional e de Assessor Jurídico de empresas chinesas e de terceiros países em negócios internacionais. Ela também reflete a experiência de 5 anos dos escritórios de Noronha Advogados em Xangai. A obra foi escrita por mim em companhia de minhas colegas de escritório de Advocacia Winnie Pang Xiaofang, Catherine Shen Xiaolin e Cristina Luo Yijing.
Nossa obra é dividida em oito capítulos. O primeiro é uma análise das concessões feitas pela China no tratado de acessão à OMC. Nesta parte é discutida toda a vasta gama das concessões feitas pela China em todos os setores, inclusive nas áreas de serviços e agrícola e os cronogramas aplicáveis. O segundo diz respeito à questão das salvaguardas e direitos anti-dumping contra exportações chinesas, à luz do regime idiossincráticos do referido tratado.
O terceiro capítulo diz respeito à resolução de disputas mediante arbitragem na China. De fato, em todos os negócios feitos com aquele país aparecem as questões de eleições de leis e foro. Num dado contrato, qual a lei a ser eleita. As leis do país parceiro, as leis da China ou as leis de um terceiro país? Quando é necessária a eleição de leis chinesas? Quais os centros de arbitragem na China e como funcionam?
O quarto capítulo abrange a regulamentação na China da propriedade intelectual, incluindo a proteção de patentes, marcas e direitos autorais. A questão da propriedade intelectual é bastante séria na China, não pela falta de regulamentação, como dizem muitos. De fato, a regulamentação chinesa da propriedade intelectual segue o modelo multilateral de comércio da OMC e é, por conseguinte, assemelhada à dos demais países. O problema diz respeito à contrafação. Este problema é identificado pelo governo chinês, que o combate com vigor, tendo recentemente nomeado um grupo de centenas de promotores públicos com o objetivo de dar maior eficácia ao esforço.
O quinto capítulo trata sobre o sistema tributário chinês. A China possui apenas 25 tributos, dos quais somente 14 são aplicados ao exportador estrangeiro com presença comercial naquele país. A carta tributária chinesa situa-se abaixo do patamar de outros países em desenvolvimento. A tributação na China passa igualmente por transformações constantes, visando a tornar o sistema mais eficaz e competitivo. Um exemplo destas transformações foi a recente modificação na metodologia do imposto de valor agregado.
O sétimo trata da regulamentação dos investimentos estrangeiros e dos veículos societários disponíveis. Discute-se por exemplo quando pode-se ter uma sociedade integralmente controlada por capitais estrangeiros e as possibilidades de estruturas jurídicas adequadas às Joint-Ventures: sociedades limitadass ou contratos?
O oitavo e ultimo capítulo analisa a questão da abertura do setor bancário na China. Este setor oferece grandes oportunidades ao sistema financeiro internacional. Ele encontra-se a ser liberalizado gradualmente, mas já existe o acesso ao mercado interno chinês por parte de instituições financeiras estrangeiras. Esse acesso será ampliado no futuro.
Para concluir gostaria apenas de dizer que o lançamento da obra “A China Pós-OMC: Direito e Comércio” em Portugal, em sua segunda edição, segue-se ao sucesso do trabalho no Brasil onde a primeira edição de 5.000 exemplares esgotou-se em menos de dois anos. Esperamos que ela seja igualmente benéfica aos nossos amigos portugueses.
Muito Obrigado.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).