SÃO PAULO – O Congresso Nacional do Povo aprovou, neste mês de março de 2007, o adensamento do direito de propriedade na República Popular da China ao passar legislação ordinária destinada a regular essa questão fundamental, que de resto já tinha assento constitucional, em função de emenda à constituição datada de 2004, como eu já tratara em minha coluna Reforma Legislativa Chinesa, na ocasião.
Como ocorre mundo afora, o dispositivo constitucional a reconhecer o direito de propriedade e de sucessão carecia de uma regulamentação infraconstitucional, a qual era aguardada com indisfarçada ansiedade pelos largos e crescentemente prósperos contingentes populacionais do leste da China.
Mais ainda, o clima de segurança jurídica empresarial exigia uma pronta regulamentação, tendo em vista os investimentos havidos em ativos fixo, como fábricas e máquinas, que triplicaram entre o ano 2000 e o de 2006. Assim, os empresários, hoje admitidos como membros do Partido Comunista Chinês, exigiam uma ação legislativa correspondente.
A nova lei trata igualmente do registro da propriedade e dos modos de sua transmissão, o que dá uma firme consistência aos negócios levados a efeito e também incentiva os investimentos imobiliários. No passado, ocorreu freqüentemente a dificuldade de se confirmar a propriedade, o que deu, não em poucos casos, margem a disputas judiciais.
Para reforçar a legitimidade das privatizações, a nova lei considera proprietário de um imóvel aquele cuja respectiva propriedade foi registrada perante o governo. Para os bens móveis, presume-se a propriedade por parte daquele que detém a posse do bem em questão.
A dicotomia verificada no desenvolvimento das áreas industriais no leste da China, que é altíssimo, em relação à situação das largas populações das áreas agrícolas no oeste do país, que vivem em situação precária no patamar abaixo da pobreza, refletiu-se num tratamento jurídico diverso para a propriedade rural.
Isso se exigiu em nome da política de defesa social dos cerca de 500 milhões de chineses trabalhadores e/ou habitantes do campo. De fato, ao se permitir a livre propriedade pelos posseiros atuais, que detém apenas o direito de uso, a diferença de poder aquisitivo existente no país levaria, sem dúvida, à concentração de propriedades e à criação de trabalhadores rurais sem terra, o que comprometeria a segurança social.
Assim, a nova lei manteve o direito de uso das terras rurais, da mesma forma em que permitiu a sua renovação quando do vencimento das licenças, que são concedidas por um período de 30 anos. Essa medida, de cunho social, visa a pacificar o campo enquanto o desenvolvimento das áreas urbanas não permite a integração de maiores contingentes de trabalhadores rurais.
Dessa maneira, o Congresso Nacional do Povo procurou equilibrar a consolidação da evolução do regime jurídico da China para uma economia de mercado com a necessária responsabilidade social, levando em consideração a necessidade de tempo para que o desenvolvimento econômico do país possa chegar igualmente à área rural do país.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).