LONDRES – Com o advento da internet e com o desenvolvimento de tecnologias da informação amplamente acessíveis a um enorme público consumidor localizado praticamente em todos os rincões do globo, surgiu um grande desafio no combate à criminalidade com bases nos critérios centenários do direito penal nacional. De fato, no cibercrime, o autor pode estar num dado país, o réu em um outro e o servidor que armazena as informações necessárias à materialidade do ilícito, num terceiro.
Assim, colocam-se inicialmente alguns problemas que transcendem o princípio legal lex loci regit actus. De fato, a legislação do local onde o crime foi praticado, a jurisdição da vítima, é aplicável. Contudo, como fica a situação do autor do ilícito, residente em outro país. A lei desse país tipifica tal ação como crime? Por outro lado, como se tem o acesso às informações que evidenciam a materialidade do ilícito. A lei do terceiro país permite o seu respectivo fornecimento?
Devido à grande disparidade no tratamento nacional do cibercrime, quando existe, a matéria é pródiga em exemplos em conflito de leis, esta disciplina que, nos países de cultura jurídica anglo-saxônica, é confundida com o próprio direito internacional privado. Por exemplo, enquanto no Brasil o racismo é crime, nos Estados Unidos da América (EUA), as normas que asseguram a liberdade de opinião permitem manifestações de cunho racista.
Para lidar com eficiência com os múltiplos e graves problemas decorrentes dessa situação, faz-se necessário o desenvolvimento do direito internacional para combater o cibercrime. Foi esse o propósito da Convenção sobre o Cibercrime (a Convenção), de 23 de novembro de 2001, assinada por 42 países e ratificada por 14, em sua maioria europeus. Os EUA assinaram a Convenção, mas ainda não a ratificaram. Nenhum país latino-americano ainda a assinou.
A Convenção procura lidar com os crimes praticados por computador. Esses ocorrem, em primeiro lugar, quando um computador é objeto de um crime, como no caso de subtração ilegal de informações ou dano ao equipamento ou rede. Por outro lado, um computador pode ser usado para cometer um delito, como nos casos de fraude financeira ou na disseminação de conteúdo criminoso. Em terceiro lugar, um computador guarda provas, que podem constituir a materialidade de um crime, e que são de grande valor para as autoridades policiais.
Como no setor de tecnologia de informações, as evoluções são tanto profundas quanto constantes, a Convenção já ficou desatualizada. No mês passado, o comitê encarregado da atualização da Convenção decidiu expandir a definição de sistema de computação para incluir telefones celulares e assistentes digitais. Da mesma maneira, o comitê tratou de promover o aumento da cooperação no setor entre os signatários, de tal forma a coordenar a capacidade de investigação e melhorar o aprendizado de computação forense.
O Brasil ainda não participa de tais tratativas, o que é muito preocupante, porque o desenvolvimento do direito internacional na área do cibercrime atende aos melhores interesses nacionais.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).