Rio de Janeiro – A Juíza Emília Maria Velano, da 15ª Vara da Justiça Federal de Brasília, prolatou sentença nos autos do processo 2007.34.00.030189-7, um mandado de segurança impetrado contra o Itamaraty, anulando cláusulas do Edital de Licitação 1/2001, que objetivava a contratação de escritórios de advocacia estrangeiros para assistir ao governo brasileiro em processos contenciosos no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
A segurança concedida pela histórica sentença confirma a liminar de primeira instância, que fora mantida em grau recursal federal pelo juízo singular e, posteriormente, colegiado, por unanimidade. A licitação para a contratação de escritórios estrangeiros era fundada na premissa falaciosa de que “em que pese todos os esforços, é mister reconhecer que, de modo geral, o meio jurídico brasileiro ainda não alcançou plena capacitação nessa área, demandando contínuo processo de aperfeiçoamento”.
O edital da licitação foi publicado no jornal ECHO, de Bruxelas (sic), em 17 de agosto de 2007, e violou, segundo a referida sentença, a legislação brasileira de regência, inclusive a Lei 8666/93, que trata sobre as licitações públicas, além de atentar contra os princípios da isonomia, legalidade, moralidade pública, razoabilidade, interesse público, livre competitividade, dentre outros.
Uma simples leitura do referido edital, que enojou a advocacia brasileira e bem assim a consciência nacional, leva a crer que ele era direcionado provavelmente a favorecer a um, ou a um pequeno grupo de escritórios norte-americanos. O disparate repercutiu no Congresso Nacional e originou um pedido de explicações ao ministro de estado das relações exteriores, Celso Amorim, da parte do sempre atento deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
Pois bem, a “licitação” a bom tempo bloqueada foi promovida dentro do Itamaraty pela chamada CGC (Coordenação Geral de Contenciosos), criada pelo Decreto 3959, de 10 de outubro de 2001, por iniciativa do então ministro Celso Lafer, que foi avaliado pelo grande historiador brasileiro, Prof. Dr. L.A. Moniz Bandeira, como “o pior chanceler da história”.
Para a primeira chefia do departamento, Celso Lafer convocou um leigo, de formação acadêmica na área da engenharia elétrica (sic), Roberto Azevedo, o qual prontamente começou a contratar, direta ou indiretamente, sem licitação os serviços de advogados norte-americanos para assessorar o governo brasileiro em questões pertinentes aos contenciosos na OMC.
Para completar os quadros da CGC, foram convocados diplomatas com experiência jurídica equivalente à de estagiários de direito. Esses diplomatas carecem, para além da formação adequada, de uma constância na vida dos direitos pois, se hoje estão na CGC em Brasília, amanhã estarão a organizar seminários culturais ou carimbar vistos no exterior.
Ao mesmo tempo em que contratava escritórios de advogados estrangeiros para defender os interesses brasileiros, a CGC não disponibilizou à opinião pública nacional, nem mesmo ao Congresso, as petições protocolizadas pelo Brasil no âmbito da OMC, da mesma forma que sonegou os detalhes de concessões feitas pelo país no âmbito dos procedimentos de solução de disputas do organismo multilateral.
Dentre os países mais envolvidos no contencioso da OMC, o Brasil foi o único a não divulgar o teor de suas petições para o devido controle institucional de direito interno, em flagrante violação às normas constitucionais vigentes.
Da mesma maneira não transparente, o Brasil deixou de divulgar, e ainda não informa, o nome dos escritórios de advocacia contratados para a assessoria ao Itamaraty, as respectivas condições, e nem mesmo dá publicidade, talvez por compreensível embaraço, às biografias dos componentes do CGC, em que pese a relevância do papel desempenhado pelos mesmos.
É um dos vícios do Estado brasileiro, mesmo quando democrático, que o Itamaraty consiga sistematicamente impor sua agenda, protagonismo desvairado e espírito corporativo aos sucessivos governos. E assim é também no governo Lula, onde prevaleceram os maus hábitos e procedimentos do governo FHC de uma maneira geral e, em especial, na CGC.
O que tem ocorrido no âmbito desse departamento enseja graves preocupações. Trata-se de um grupo de pessoas sem qualificações profissionais adequadas, que esconde suas ações adjetivas e substantivas, e que, quando procura dar um semblante de transparência aos procedimentos, promove em Bruxelas licitações inidôneas para a contratação viciada de advogados americanos com o objetivo aparente de prestar serviços ao Brasil.
A referida sentença ora em comento, para além de enobrecer nossas instituições democráticas, serve como um verdadeiro desagravo à advocacia brasileira ao reafirmar a sua notória competência, no 102º aniversário da inexcedível participação de seu grande patrono, Ruy Barbosa, na 2ª Conferência Internacional da Haia.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).