O recém anunciado déficit na balança comercial brasileira no mês de janeiro, da ordem de US$ 518 milhões, não chegou a surpreender o observador mais atento, e não deve ser exclusivamente atribuído aos efeitos da crise financeira internacional, que acentuou os seus efeitos a partir do mês de setembro de 2008. Esse déficit mensal foi o primeiro em quase oito anos e seguiu o menor superávit anual de seis anos, apurado em dezembro de 2008.

Se é bem verdade que houve uma importante retração dos mercados internacionais e um recrudescimento do protecionismo xenófobo, é também fato que a perda de competitividade endógena da economia brasileira, face ao exterior, acentuou-se com os desajustes macroeconômicos sistêmicos na área tributária, fiscal e cambial.

Equívoco

Com o agravamento do quadro internacional e a conseqüente deterioração da balança comercial e do balanço de pagamentos, o governo brasileiro deixou a nítida impressão de ter subdimensionado os efeitos da crise externa, ao mesmo tempo em que superdimensionava nossas condições de reagir aos primeiros. Mais ainda, quando as conseqüências nefastas começaram a aparecer nas contas federais, tivemos um festival de medidas atabalhoadas e falta de coordenação.

O trôpego recurso às medidas protecionistas do licenciamento não automático, estabelecido na segunda quinzena de janeiro, apenas para um patético recuo, que demonstrou cabalmente tanto incompetência como debilidade institucional, é mais um exemplo veemente do grande estado de estupefação a acometer o nosso governo.

No entanto, a realidade é que poucos países no mundo podem recorrer apenas a medidas corretivas de ordem interna para adquirir maior competitividade internacional, como o Brasil. De fato, os nossos juros são desnecessariamente os maiores do mundo. Uma queda dramática das margens não afetará os critérios de boa política monetária, melhorará as contas públicas e permitirá não apenas investimentos produtivos, como financiamentos às nossas exportações.

Por outro lado, o câmbio do real continua supervalorizado face às principais moedas, o que significa na prática um verdadeiro e cruel tributo que nossa economia privada paga para atender às fobias com relação ao espectro da inflação, que se apresenta irreal num momento de queda brutal da atividade econômica.

Não nos esqueçamos tampouco do insano regime tributário brasileiro, que profundamente prejudica a competitividade internacional dos nossos produtos e, ao contrário, incentiva as importações, num momento em que a produção nacional é decisiva para a superação dos efeitos da crise.

Vale ainda lembrar que, antes de medidas protecionistas inconsistentes com a ordem jurídica multilateral, o governo poderá ainda proteger a economia nacional dos efeitos devastadores da fraude institucionalizada praticada no Brasil de maneira ampla e irrestrita com as práticas do contrabando, da sub-valoração das importações e das violações das regras de origem do Mercosul.

Assim, apenas a aplicação das leis brasileiras terá o condão de muito contribuir a proteger, de maneira consistente com o direito internacional, a economia nacional. De fato, o contrabando adquiriu em nosso país dimensões escandalosas. Nossas fronteiras estão desguarnecidas e tudo pode aqui entrar em violação à lei, desde produtos contrafeitos, a drogas e armamentos diversos.

Gestões internas

Por outro lado, a sub-valoração das importações, uma fraude fiscal doméstica reconhecida também pelo regime multilateral da OMC, igualmente adquiriu volumes e valores extraordinariamente elevados. Para combatê-la são necessárias gestões internas competentes na administração, bem como medidas diplomáticas junto aos nossos parceiros comerciais, estados de onde se originam tais práticas, para obter a devida cooperação.

Igualmente, o Mercosul hoje se apresenta estruturado de maneira que a viabilidade de seus sócios menores é assegurada pelas ações toleradas de fraude às leis brasileiras.

A política regional brasileira tem sido tradicionalmente acomodatícia com trais práticas tanto ilegais quando lesivas à ordem jurídica nacional. Não cabe aos negociadores brasileiros fazer concessões de tal natureza. Podemos, sim, fornecer ajuda financeira e técnica aos mais diversos setores de nossos parceiros, mas não a licença de roubar o Brasil.

Parece, dessa maneira, bastante claro que a crise internacional, por maior que seja, é muito menor para nós brasileiros, do que nossa incompetência sistêmica em gerir a economia do país e nossas relações comerciais internacionais. Vamos acordar?