As Constituições brasileiras consagram como fundamento do Estado, os princípios da soberania e da autodeterminação nacional, sem os quais não pode existir a cidadania e a nacionalidade.

São esses fundamentos que orientam as estratégias do Estado-nação, entendido como categoria histórica e instituição política, econômica e social.

Contudo, o princípio da soberania acompanha a evolução histórica, já não se limitando à questão geográfica dos limites territoriais que, no passado, produziram as denominadas "políticas de fronteiras", militares ou diplomáticas.

Tem-se atualmente como certo que, associada a uma capacidade militar de dissuasão, a soberania implica uma visão sócio-econômica, científica e tecnológica, política e cultural, que tenha como ponto de partida o interesse nacional e como objetivo a permanente consolidação do país e sua continuidade histórica.

Na busca da formulação de um novo modelo de estratégia, no contexto de um Projeto Nacional, como decorrência do atual cenário vislumbrado pela humanidade, faz-se mister a análise dos atores que se fizeram presentes na formação do nosso país e, em especial, a atuação do estamento militar.

Uma rápida visão retrospectiva nos indica que as organizações militares tiveram presença marcante na consolidação territorial da nação brasileira e os historiadores civis e militares nos legaram páginas primorosas descrevendo atos de heroísmo e abnegação. O dia 19 de abril de 1648, em especial, sedimentou as bases do Exército brasileiro, quando, na memorável epopéia dos Guararapes, brancos, negros e índios, unidos pelo ideal de libertação, travaram combate e alcançaram a vitória contra o dominador estrangeiro, na então Capitania de Pernambuco, utilizando técnica de combate genuinamente brasileira: a guerrilha.

Outro feito marcante, dentre os muitos acontecimentos enriquecedores da história pátria, ocorreu no dia 11 de junho de 1865, com a Batalha Naval do Riachuelo, que definiu a progressão vitoriosa das forças nacionais, na então conflagrada fronteira oeste do nosso país e marcou a indelével atuação da Marinha de Guerra com o heróico sinal de Barroso "sustentar o fogo, que a vitória é nossa".

Com a República e a conseqüente evolução política do país, novos atores começaram a despontar no cenário nacional, principalmente os jovens tenentes da década de 20, impulsionados pelos arroubos da juventude e a consciência democrática, que repudiava o predomínio das poderosas oligarquias.

Os jovens dessa década marcante da história pátria, civis e militares, irmanados de um mesmo sentimento renovador, tornaram-se personagens de realce nas décadas seguintes, de 30 e 40, não só liderando correntes políticas como, em muitos casos, ocupando cargos importantes na administração do país.

A Segunda Guerra Mundial maximizou a influência militar no direcionamento das questões nacionais e, com o surgimento do mundo bipolar, a preocupação obcecada com o comunismo internacional e a influência doutrinária dos interesses geopolíticos dos Estados Unidos, conduziu ao surgimento de posições radicalizadas e sentimentos antagônicos, que acabaram por provocar a grande cisão da família brasileira, com o movimento de 1964.

Valendo-se da conjuntura propiciada pela Guerra-Fria, a perniciosa influência da geopolítica norte-americana prosseguiu com seus efeitos danosos, visando à inviabilização de um sólido Estado industrializado ao sul do Equador, para tal fazendo confundir os sentimentos nacionalistas em efervescência, com os interesses do comunismo internacional e como símbolo de eras pré-históricas e do atraso.

O cenário internacional que se descortinou a partir do final do Século XX, particularmente com a derrocada do império soviético, tornou mais evidente as intenções de dominação dos Estados Unidos, alçado à situação de nação hegemônica, com seu poderio econômico e militar associado a interesses inescrupulosos de Organizações e lideranças influentes que vicejam, principalmente, no contexto das nações industrialmente desenvolvidas.

Associado aos malefícios dessa manifesta geopolítica regional, interesses econômicos alienígenas, sob o signo diabólico do neoliberalismo, buscam argumentos para eliminar o pouco que resta do conceito de soberania nos países periféricos, apregoando para os Estados já enfraquecidos, como o Brasil, o fim das fronteiras geográficas, a ideologia do Estado mínimo e a submissão passiva aos interesses do mercado.

Sob essa formulação ideológica, inspirada no conhecido "consenso de Washington", atuam em defesa de interesses nada nobres, usando como instrumento as agências internacionais que manipulam, bem como, cooptando destacados técnicos, veículos de comunicação, burocratas e influentes lideranças políticas que ascenderam ao poder com o fim do regime militar. Boa parte desses líderes de ocasião, cumprindo o papel submisso que lhes foi imposto, conduziram o país à deprimente dependência do capital internacional e à alienação espoliativa de grande parte do estratégico patrimônio, arduamente edificado pelo povo brasileiro.

Não bastassem todas essas condicionantes no campo econômico e empresarial, o governo dos Estados Unidos, valendo-se do impacto psicológico dos atentados de 11 de setembro de 2001, afrontou a comunidade internacional ao formalizar sua "Estratégia de Segurança Nacional", significando que, no campo militar, o país trabalhará com aliados quando possível, mas se necessário atacará unilateralmente e de modo preventivo países hostis e grupos terroristas que desenvolvam armas de destruição em massa, segundo os critérios a serem estabelecidos pela nação hegemônica. Estabeleceu-se, também, a premissa de que os EEUU são e continuarão sendo o mais forte e que sua supremacia fará outros países passarem da competição para a cooperação.

Tal documento, de setembro de 2002, entre outras razões, tinha o propósito imediato de justificar o ataque ao Iraque, mas sua abrangência a nível planetário buscou a legitimização para ações, de forma explícita, sempre que a supremacia norte-americana se sentir ameaçada. Assim, a consagração do unilateralismo e a exacerbação do poder militar tenderão a dissociar os EUA de todo compromisso multilateral que limite sua soberania e sua inconteste hegemonia.

É com essa visão da conjuntura internacional, solapados que foram os fundamentos do multilateralismo, ameaçando o próprio destino da Organização das Nações Unidas (ONU) e, em especial, do poder moderador do seu Conselho de Segurança, que devemos formatar um modelo de atuação e conceber "A Estratégia Militar Brasileira", nesse conturbado alvorecer do Século XXI.

O firme posicionamento do governo brasileiro, somando esforços com os países que apoiaram a ONU, opondo-se à recente ação armada dos Estados Unidos contra o Iraque, consolidou uma conceituação doutrinária há muitos anos preconizada pelo nosso país e recentemente formalizada pelo Chanceler Celso Amorim em seu discurso de posse. Naquela oportunidade, nosso Ministro de Relações Exteriores afirmava que "é preciso resgatar a confiança nas Nações Unidas. O Conselho de Segurança da ONU é o único Órgão legalmente habilitado a autorizar o uso da força, este recurso extremo a ser utilizado apenas quando todos os outros esforços e possibilidades se tenham, efetivamente, esgotados."

Vislumbrando quase uma utopia na busca do bem comum, afirmou, ainda, Sua Excelência que "coerentemente com os anseios manifestados nas urnas, o Brasil terá uma política externa voltada para o desenvolvimento e para a paz, que buscará reduzir o hiato entre nações ricas e pobres, promover o respeito da igualdade entre os povos e a democratização efetiva do sistema internacional".

Faz-se mister, portanto, buscar compatibilizar, a curto e médio prazos, os objetivos nacionais com a verdadeira desordem internacional patrocinada pelos Estados Unidos e seus aliados de ocasião. Como o cenário evolui de forma ainda imprevisível a nível global e nações com respeitável postura estratégica e militar buscam se posicionar como atores de primeira grandeza na definição de novos rumos para a humanidade, julgamos que ao nosso país resta limitar seu campo de atuação militar a nível regional, no que tange a uma política de defesa, assegurando a necessária tranqüilidade ao MRE para lances mais ousados e estratégicos no contexto das nações, inclusive com a pronta disponibilidade para missões de paz, a serviço da ONU.

Limitar a ação das Forças Armadas brasileiras a um teatro sul-americano, por paradoxal que possa dar a entender, representa, no momento, uma gigantesca tarefa, se atentarmos para a grandiosidade das nossas fronteiras terrestres, cerca de 14.000 quilômetros; para a complexidade da região amazônica; para o vasto litoral com cerca de 8.000 quilômetros e a contígua Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e o nosso respeitável tesouro mineral da plataforma continental marítima; tudo isso associado às ameaças do narcotráfico e do crime organizado transnacional e às restrições orçamentárias impostas ao país, por mais de uma década, pela predatória política econômica do modelo neoliberal.

Como fator atenuante, temos o excelente relacionamento com os países da América Latina, exercendo as Forças Armadas brasileiras uma sadia e respeitável liderança, promovendo a distenção e a estabilidade regional, facilitando inclusive ações políticas e econômicas, visando a integração do MERCOSUL ao Pacto Andino e ao CARICOM, com a aplicação da máxima "unir para fortalecer".

Assim sendo, nossa Política de Defesa, preservando esse convívio salutar e construtivo no subcontinente sul e central da América, que cria um "Cordão de Segurança" constituído pelos países vizinhos, deve buscar assegurar uma estrutura operacional militar de pronta resposta, associada a uma capacidade de dissuasão estratégica, como clara mensagem de que uma eventual ação militar contra nosso país desencadearia operações capazes de infligir danos consideráveis ao hipotético agressor.

Como o território nacional apresenta características fisiográficas diversificadas, as Forças Armadas, desde o império, têm planejado suas operações e especificado equipamentos compatíveis com o grau da ameaça e com a região de interesse.

Dessa forma, se no passado o cone sul representou maior potencial de conflitos, atualmente a região amazônica apresenta-se como a mais sensível, considerando-se, inclusive, "a possibilidade de intervenção armada protagonizada por potência militar desenvolvida, respaldada ou não por consenso multilateral". [1]

Esse cenário ameaçador impõe urgente mobilização da sociedade brasileira, com vistas à consolidação de posições e ações em defesa dos interesses nacionais e, em especial, da soberania brasileira na região amazônica.

Valendo-se da desinformação e manipulando boa parcela da mídia cooptada, interesses alienígenas e seus agentes locais induzem distorções na opinião pública, fragilizando as já modestas e limitadas estruturas de defesa existentes no nosso país.

Basta recordar, em passado recente, a campanha difamatória e cheia de inverdades deflagrada por ocasião do lançamento do Programa Calha Norte, na década dos 80, acusado de visar unicamente a militarização da Amazônia.

Por falta de uma visão abrangente das condicionantes históricas e dos interesses geopolíticos envolvidos, líderes patriotas e preocupados com a questão nacional foram envolvidos, como massa de manobra, por interesses além fronteiras, que exacerbavam ressentimentos armazenados por ocasião dos governos militares.

Passados mais de 30 anos, essas mesmas lideranças, reconhecendo a gravidade das ameaças aos interesses nacionais, agravadas com a influência do narcotráfico, passam a se manifestar cobrando a intensificação das ações programadas para a região, agora ampliadas com a implantação do SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia.

Faltou-lhes entender que o Programa visava, prioritariamente, vivificar a faixa norte do rio Amazonas, especialmente a região fronteiriça, levando a presença do Estado àqueles remotos núcleos populacionais, estrategicamente posicionados por nossos antepassados.

Por razões diversas, num primeiro momento, somente as Organizações militares atenderam a determinação governamental de mobiliar a região, que gradativamente passa agora a receber representantes dos mais diversos segmentos do poder público.

O Exército brasileiro, que em 1949 contava com aproximadamente 1000 homens no então Comando de Elementos de Fronteira, passa a dispor, no atual Comando Militar da Amazônia, sediado em Manaus, com um efetivo aproximado de 22 mil homens e tendo como missão principal guarnecer o arco amazônico de fronteiras, com 11.248 quilômetros, acrescidos de 1.670 quilômetros de litoral. [2]

Além das operações militares propriamente ditas, cabe ao Exército, na Amazônia, cooperar no desenvolvimento de núcleos populacionais mais carentes, na faixa de fronteira. Assim é que, em todos os pelotões de fronteira funcionam normalmente escolas de primeiro grau e subordinadas ao Comando de Fronteira do Solimões (CFSOL/8º BIS).

Na saúde, destacam-se os trabalhos dos postos de saúde e dos hospitais localizados em Belém, Marabá, Manaus, Boa Vista, Porto Velho, Rio Branco, Tefé, São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, nos quais mais de 90% dos atendimentos são dedicados à população civil e indígena.

Vale lembrar que os hospitais de São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga foram instalados por ocasião do Lançamento do Programa Calha Norte, permanecendo desativados por quase uma década, até que o governo julgou por bem entregá-los ao Exército, para torná-los operacionais.

Para assegurar uma infra-estrutura operacional, conta o Exército, na região, com um Grupamento de Engenharia composto de 5 batalhões e uma companhia de engenharia de construção, bem como Comandos Logísticos, sediados em Belém e Manaus. Em toda a área estão desdobradas 4 Brigadas de Infantaria de Selva, cuja estratégia, pelas características próprias da região amazônica, se alicerça em operações não convencionais de longa duração.

Da mesma forma, a Marinha e a Aeronáutica, em suas áreas específicas de atuação, completam a estrutura defensiva da região, ao mesmo tempo que oferecem um poder estratégico de dissuasão, visando inibir aventuras além fronteiras.

Ao Quarto Distrito Naval e ao Comando Naval da Amazônia Ocidental, sediados, respectivamente, em Belém e Manaus cabe, sinteticamente, patrulhar e defender a vasta malha hidroviária, a foz do Amazonas e o litoral norte, bem como fiscalizar as operações e prover a sinalização para uma segura utilização daquelas preciosas vias de transporte e integração regional, onde atuam cerca de 70 mil embarcações, dos mais variados tipos e tamanhos.

Através de seus navios de Assistência Hospitalar, conhecidos na Amazônia como "Navios da Esperança", orgulha-se a Marinha da continuidade do apoio médico-odontológico às populações ribeirinhas, ação cívico-social que se estende da foz do Amazonas até a faixa de fronteira.

Os Comandos Regionais da Aeronáutica estão sediados em Belém (Primeiro COMAR) e Manaus (Sétimo COMAR) e as Unidades Aéreas se desdobram pela Amazônia, com as Bases Aéreas de Belém, Manaus, Porto Velho e Boa Vista e um Destacamento de Base, sendo instalado em São Gabriel da Cachoeira. Com a implantação do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), instalações técnicas foram distribuídas em pontos estratégicos para o controle do espaço aéreo, tais como Vilhena, Guajará Mirim, Rio Branco, Porto Velho, Cruzeiro do Sul, Eirunepe, Manicoré, Tefé, São Gabriel da Cachoeira, Boa Vista, Sinop, Jacareacanga, Manaus, Santarém, Tiriós, Macapá, Marabá, São Luiz, São Félix do Xingu, Cachimbo, Conceição do Araguaia e São Félix do Araguaia, com uma rede de radares capaz de monitorar, em futuro próximo, todas as aeronaves sobrevoando a região e, em especial, as fronteiras nacionais.

Aeronaves equipadas com sensores radar, capazes de visualizar o solo e os rios cobertos por florestas, bem como o deslocamento de aviões em vôos de baixa altitude, estarão transmitindo informações em tempo real para os Centros Regionais de Vigilância (CRV), instalados em Porto Velho, Manaus e Belém, que processarão os dados sobre meio ambiente, aeródromos ilegais, meteorologia, etc., e, para a Força Aérea, o tráfego aéreo a ser apoiado, controlado e fiscalizado.

Para essa hercúlea missão, a Aeronáutica deverá mobilizar um crescente efetivo de aviadores e técnicos, superando a casa de alguns milhares.

Em Anápolis, Goiás, estarão sediadas as aeronaves de vigilância do espaço aéreo e de sensoriamento remoto, fabricadas pela EMBRAER. Também de fabricação nacional, atuarão na Amazônia as Aeronaves Leves de Ataque – ALX, equipadas com modernos sistemas de navegação e ataque. Para operações especiais e resgate de tripulações já operam esquadrões de helicópteros, desdobrados em toda a região.

A logística é assegurada por aeronaves de transporte leve e pesado, que se valem da extensa rede de aeroportos há anos sendo implementada na região, possibilitando a substituição dos pioneiros hidroaviões da década dos 50, que se valiam dos caudalosos rios para a missão de integração e apoio às organizações militares e às longínquas comunidades.

O trabalho de construção de aeroportos em uma região tão especial e de difícil acesso, exigiu da Aeronáutica a criação de modelos especiais de atuação no campo da engenharia, culminando com a criação da COMARA (Comissão de Aeroportos da Região Amazônica) já com 45 anos de existência e tendo deixado sua marca em 150 aeródromos e mais de 70 obras civis, evidenciando a preocupação nacional com a vigilância da maior reserva florestal do mundo, sua significação geopolítica e sua incalculável riqueza em biodiversidade, água doce, fauna e flora e jazidas minerais e de hidrocarbonetos e seu extenso e ainda pouco explorado subsolo.

Essa visão, ainda que superficial, da atuação das Forças Armadas na região amazônica deve servir de estímulo e incentivo para uma análise abrangente da Questão Nacional, formando uma consciência no âmbito da sociedade, do imenso acervo que nos foi legado por nossos antepassados e pelo qual temos o dever patriótico de defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações desse nosso país continente, não sendo isto um privilégio das Forças Armadas, mas um dever de toda a sociedade brasileira.

Pela relevância da Expressão Psicossocial no contexto amplo de uma Política de Defesa e como missão complementar para as Forças Armadas em tempo de paz, visando, principalmente, à elevação do sentimento de cidadania, parte do orçamento para a ação social do governo poderia ser reservada, em rubrica especial, para que os Comandos militares realizassem uma efetiva atuação cívico-social e de defesa civil. Essa forma de aproximação com as comunidades carentes sempre foi executada, mesmo sacrificando parte dos parcos recursos alocados para o prestamento operacional, mas a redução continuada dos orçamentos tem comprometido essa forma cidadã de atendimento aos modestos anseios da população de baixa renda, de onde, majoritariamente, se originam nossos soldados.

Com recursos extra-orçamentários, especificamente definidos, poderiam as Organizações militares, fazendo uso da infra-estrutura organizacional e material de que dispõem, reforçar os laços da integração nacional e a assistência às regiões atingidas por diversas calamidades, bem como nas comunidades carentes onde o Estado não se faz regularmente presente.

Nesse contexto gostaríamos de realçar os benefícios do Serviço Militar para os jovens oriundos das camadas mais pobres, concedendo-lhes uma oportunidade de ascensão social, com aprendizado técnico, noções de higiene, assistência médica, alimentação adequada e tantos outros modestos itens que despertam no jovem cidadão a consciência de uma vida mais digna, que lhes vinha sendo omitida.

Quando se lançam argumentos em defesa de efetivos militares profissionalizados, de real interesse das Forças, mas geralmente abordados como simples forma de eliminar a incorporação obrigatória dos jovens recrutas, certamente não se atenta para as assimetrias sociais do nosso país, em que famílias de baixa renda imploram pela disputa das poucas vagas existentes, buscando uma alternativa para que seus filhos recebam um pequeno salário, tenham o que vestir e o que comer e não sejam facilmente envolvidos pela marginalidade. O mais correto, certamente, seria um estudo para aperfeiçoamento do processo de convocação como, por exemplo, preenchendo inicialmente vagas por voluntariado, com a opção de possível reengajamento e conseqüente permanência por novos períodos na condição de soldados. Esses jovens, estudando e desenvolvendo uma melhor capacitação intelectual, tornar-se-ão aptos para disputarem vagas em concursos que lhes assegurem formação profissional estável. Para as vagas ainda disponíveis e em função de necessidades conjunturais, poderiam ser convocados, compulsoriamente, alguns restantes conscritos, para período de permanência na tropa mais reduzido, limitado ao cumprimento dos exercícios e obrigações para com o Serviço Militar.

A sociedade brasileira, em uníssono e em oposição à falida cantilena do modelo neoliberal, precisa bradar com ênfase que o desenvolvimento de uma nação não se mede tão-somente pelas variáveis comuns das estatísticas econômicas, mas principalmente pela existência de um clima de igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, bem como pela capacidade de atendimento às necessidades de alimentação, trabalho, saúde, educação e segurança do seu povo.

Esses parâmetros também devem ser realçados em uma Política de Defesa, pois não podem existir Forças Armadas capazes de dissuadir aventureiros além fronteiras, se internamente nos permitimos conviver com uma população majoritariamente fragilizada, sob os aspectos mínimos e essenciais para a vida em sociedade.

Se a preocupação com os equipamentos e a qualificação profissional dos efetivos militares é condição essencial para o sucesso nas operações militares, a dependência de munição, armamentos e acessórios produzidos no exterior pode inviabilizar a ação continuada das Forças Armadas, em conflitos de prolongada duração.

Por essa razão, em especial, os Comandos militares sempre inseriram em seus planejamentos estratégicos a busca de uma auto-suficiência nacional tanto para a manutenção do material e dos armamentos como para a fabricação de partes e peças de interesse das Forças.

Para tal necessitam contar com instalações logísticas adequadas e, principalmente, com um parque industrial não sujeito aos mecanismos de controle e bloqueios do exterior, uma vez que somente empresas de capital nacional poderão ser consideradas mobilizáveis para fins de defesa, quando da possibilidade de ocorrência de conflitos militares.

Essas são premissas importantes, que deveriam constar como diretrizes do governo, para a política e programas de defesa.

Dentro de suas limitadas possibilidades, as Forças Singulares há muito desenvolvem esforços em busca da capacitação nacional nos campos científico, tecnológico e industrial. Marinha, Exército e Aeronáutica, com seus Centros de Pesquisas e Parques Logísticos têm gerado tecnologias e desenvolvido produtos que são transferidos às indústrias nacionais, para a produção em série.

Não bastasse a carência de recursos materiais e humanos, surge, rotineiramente, o difícil óbice da superação dos bloqueios tecnológicos, impostos pelas potências hegemônicas, os quais retardam e oneram os projetos de concepção local, obrigando o desdobramento dos desenvolvimentos a nível de materiais, componentes e dispositivos especiais. Como conseqüência, a reação dos setores operacionais é, algumas vezes, de impaciência e descrédito na engenharia doméstica, pugnando pela simples compra imediata no exterior. O resultado dessa solução simplista é, não só a criação de uma dependência de fornecedores pouco confiáveis, mas principalmente o enfraquecimento do parque industrial doméstico, agravando a evasão de divisas e a perda de preciosos e qualificados postos de trabalho.

Com uma visão de mais longo prazo, além das necessidades rotineiras dos produtos de interesse da defesa, resta-nos, também, priorizar aqueles setores ainda sob controle nacional e buscar investir em segmentos estratégicos, que de forma direta e ou indireta gerarão subsídios para a participação da tecnologia e da empresa brasileira em produtos mais elaborados e, como decorrência, estaremos capacitando nossas empresas para competirem no complexo e seletivo mercado que a nova realidade internacional tem proporcionado, assim como para a produção complementar dos itens mais sofisticados de interesse para aplicações militares.

Esse modelo foi aplicado na Europa, na década dos 60, quando os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na época, analisando a defasagem do seu parque industrial, frente, particularmente, aos Estados Unidos, concluíram pela necessidade da fixação de objetivos estratégicos de médio e longo prazos, que servissem de estímulo a um desenvolvimento regional auto-sustentado. Hoje, os resultados podem ser avaliados, com a moderna indústria européia ofertando, por exemplo, seus aviões Airbus e seus foguetes Ariane, incorporando novos materiais, sofisticada eletrônica e tantos outros produtos de elevado conteúdo tecnológico, além de avançados equipamentos e sistemas de interesse militar.

Os programas de sucesso da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, que já surtiram resultados concretos, segundo o modelo descrito, atestam sua validade e não é outro o caminho ainda seguido pelos países industrializados, em plena era do propalado modelo neoliberal, da não participação do Estado na economia e da livre iniciativa como a responsável pelos investimentos em tecnologia e na indústria.

Na OCDE, a média da participação estatal em pesquisa e desenvolvimento está em 35%, variando de 25% a 65% e, diferentemente dos demais membros, os Estados Unidos apresentam um gritante predomínio de gastos públicos ligados ao complexo industrial-militar, constando para a área de defesa 53,7% do orçamento de P&D, contra 18,2% na União Européia e 5,8% do Japão.

Os ainda modestos gastos do Brasil não podem ser colocados como termo de comparação com as potências industriais, mas os resultados já obtidos propiciaram especial significado em nosso parque industrial. Em anexo damos um exemplo dos benefícios auferidos somente com o Programa Espacial, para não falar da EMBRAER, da fabricação de navios e submarinos, da indústria eletrônica profissional, produzindo radares e demais equipamentos de comunicações e proteção ao vôo; do desenvolvimento do motor a álcool; dos armamentos convencionais e mísseis com tecnologia 100% doméstica, além do domínio da tecnologia nuclear pela Marinha, que assegurou ao nosso país o domínio do ciclo de produção do urânio enriquecido para os reatores Angra I e II; entre muitos outros.

São conquistas que, se corretamente divulgadas e submetidas ao crivo imparcial da sociedade, mostrariam a capacidade de realização da gente brasileira e que enchem de orgulho os anônimos cientistas, engenheiros e técnicos, civis e militares, guerreiros que, com as armas da inteligência e da dedicação, superaram dificuldades materiais e bloqueios absurdos, somando esforços com os combatentes de terra, mar e ar, a fim de assegurar, com a missão que lhes foi atribuída, a liberdade, o progresso e a soberania da nação brasileira.ANEXO 1

PROGRAMA ESPACIAL

TECNOLOGIAS JÁ REPASSADAS AO PARQUE INDUSTRIAL BRASILEIRO, COMO RESULTADO DO DESENVOLVIMENTO DE FOQUETES E DO VEÍCULO LANÇADOR DE SATÉLITE (VLS)

Apesar de pequeno, relativamente a outros países de PIB semelhante, o programa de pesquisa e desenvolvimento de foguetes de sondagem, conduzido pela Aeronáutica no seu Instituto de Aeronáutica e Espaço do CTA, já incorporou grandes benefícios ao patrimônio nacional, retornando com lucro para o Brasil tudo o que foi despendido no Centro.

Em 1965, iniciou-se no CTA o desenvolvimento do primeiro foguete de sondagem meteorológica, o SONDA I, criando a necessidade de tubos sem costura de solda em ligas de alumínio de alta resistência, até então não produzidos no Brasil. Com a participação do CTA, a indústria Termomecânica São Paulo S/A desenvolveu este insumo e começou a produzi-lo a partir de 1968, atendendo a demanda doméstica e exportando guias de válvulas de motores com aquela tecnologia.

Os retornos desse desenvolvimento feito pelo CTA no SONDA I foram, por exemplo:

 

* a eliminação da importação do insumo para o atendimento das necessidades do parque industrial nacional, possibilitando uma economia de divisas, na ocasião, já superior a um milhão de dólares mensais.

Mais de 225 foguetes de sondagem SONDA I foram lançados pelo CTA, a partir do CLBI (Centro de Lançamentos de Foguetes da Barreira do Inferno) em Natal-RN, em apoio a um programa internacional de meteorologia.

Os foguetes desenvolvidos logo após o SONDA I foram o SONDA II, em 1966, e o SONDA III com dois estágios, em 1969 (que aproveitou o SONDA II como 2º estágio e introduziu as tecnologias de separação de vôo), ambos utilizados para pesquisas atmosféricas e ionosféricas.

Por se tratarem de foguetes de maiores dimensões, a fabricação das estruturas dos SONDA II e III demandou a utilização de laminados de aço de alta resistência (SAE 4130, 4140 e 4340), também não produzidos no país até então. Desenvolvida a tecnologia de produção na indústria com a participação técnica do CTA, este insumo foi incluído nas linhas normais da ACESITA.

Dessa fase, são contabilizados os seguintes retornos em benefício da indústria nacional:

* eliminada a dependência externa na produção de envelopes de motores para a nascente indústria espacial brasileira;

* minoradas as dificuldades de atendimento das necessidades de materiais metálicos de alta resistência, aos vários setores do parque industrial brasileiro, em especial para o setor da calderaria e ferramental.

Cerca de 61 SONDA II e de 29 SONDA III foram lançados com sucesso pelo CTA, a partir do CLBI, em Natal, e do CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara), no Maranhão.

Mais um passo avançado com a pesquisa e o desenvolvimento de foguetes surgiu em 1974, com o SONDA IV, este já com um metro de diâmetro, pesando cerca de 8 toneladas. Foi o primeiro foguete autopilotado da família SONDA.

O diâmetro e as altas pressões internas de funcionamento do motor do 1º estágio do SONDA IV exigiram a utilização de ligas metálicas de ultra-alta-resistência. Para possibilitar a fabricação do envelope-motor, o Centro Técnico Aeroespacial selecionou, especificou e desenvolveu, junto à indústria nacional, uma moderna liga de aço conhecida como 300M, cuja resistência chega a atingir 210 kgf/mm2, utilizando, para isto, uma técnica especial de fusão (eletro-slag). Esse desenvolvimento conduzido pelo MAer/CTA trouxe de retorno para o País:

* produção, pela ELETROMETAL, utilizando modernas técnicas metalúrgicas (eletro-slag), de lingotes de aço 300M da mais alta pureza;

* estabelecimento dos parâmetros de laminação da liga, pela USIMINAS;

* produção, em escala industrial, pela ACESITA, de laminados do 300M para o parque industrial nacional;

* disponibilidade nacional de matéria-prima para a produção de peças metálicas estruturais que exijam alta resistência e alto grau de confiabilidade e durabilidade, tais como para prensas, grandes eixos, ferramentas de corte e de estampagem etc.; e

* instalação pelo CTA na ELETROMETAL do maior forno do hemisfério sul para tratamento térmico de metais em atmosfera controlada. (Esse trabalho, feito até então no exterior, foi motivo de apreensão e bloqueio pelo governo norte-americano, na década dos 90, gerando sério incidente diplomático entre os dois países.)

A atividade espacial, ao longo do seu desenvolvimento no Brasil, vem permitindo significativo avanço em várias áreas do conhecimento, como química, eletrônica e materiais, entre outros. A economia nacional vem se beneficiando do esforço de nacionalização dos insumos para a fabricação de foguetes de sondagem e do Veículo Lançador de Satélite (VLS), tais como:

* materiais para fabricação de propelentes (combustíveis, oxidantes, redutores etc.) ou de tecnologias derivadas (ácido perclórico, por exemplo);

* isolantes térmicos elásticos e resistentes a elevadas temperaturas;

* materiais ablativos;

* estruturas ultra-leves e resistentes em "filament- winding";

* técnicas de controle por infravermelho e laser;

* instrumentação e controle de cargas úteis suborbitais;

* dispositivos de recuperação de cargas úteis suborbitais;

* novos processos de soldagem;

* estruturas compostas de fios não metálicos, bobinados resistentes a altas pressões (Kevlar, Poliamida e Carbono);

* produção de cascas finas estruturais, calculadas por elementos finitos;

* ligas de titânio, materiais cerâmicos e carbonosos;

* modelamentos matemáticos e simulações complexas; etc.

Do desenvolvimento desses foguetes e do VLS, cabe, ainda, destacar os seguintes retornos:

* O propelente utilizado em nossos foguetes é do tipo sólido, cujos principais componentes são um elastômero líquido (polibutadieno), um oxidante (perclorato de amônio) e alumínio em pó. Todos esses produtos estratégicos constavam da pauta de importação brasileira. Hoje, graças à pesquisa e ao desenvolvimento do CTA, eles estão sendo produzidos no Brasil em escala industrial, inclusive suprindo o mercado nacional com matéria-prima em geral para a fabricação de colas, tintas, borrachas para solado de calçado, juntas de dilatação, espumas etc.

* A fabricação de pára-quedas e de bóias de flutuação para recuperação de carga útil dos foguetes de sondagem exigiu fios e técnicas especiais de tecelagem, materiais e técnicas de impregnação de tecidos, cordas e fitas de alta resistência.

O desenvolvimento desses componentes, com a participação do CTA e de diversas indústrias, resultou nos seguintes benefícios:

* tecnologia e produção no País de fios de nylon de alta tenacidade;

* tecnologia da impregnação de tecidos com neoprene;

* produção de tecidos com porosidade controlada;

* produção nacional de cordas e fitas de alta resistência.

Esses produtos, além de atenderem aos propósitos do Programa Espacial brasileiro, atendem às necessidades de pára-quedas, inclusive pára-quedas de freagem de aviões, filtros para a indústria em geral, coletes à prova de bala etc.

* As pesquisas e os desenvolvimentos levados a efeito pelo CTA na área de materiais compostos não metálicos, visando à obtenção de estruturas de foguetes de fibras e resinas especiais, contribuíram para o desenvolvimento, por exemplo, de partes de aviões. A EMBRAER por algum tempo foi a única fornecedora para a BOEING-DOUGLAS dos "flaps", feitos com material composto, das enormes asas do avião MD-11.

O elenco completo de benefícios para a sociedade nacional, das pesquisas e desenvolvimentos aeronáuticos e espaciais conduzidos pelo CTA, é imenso. Aqui, foram citados apenas alguns e apenas do setor espacial. Somente esses benefícios, sob o aspecto financeiro, são dezenas de vezes maiores do que tudo que já foi despendido nos projetos exemplificados.

De uma forma resumida, podem-se destacar os seguintes ganhos para o Brasil propiciados pelo trabalho diuturno do CTA, em São José dos Campos:

* a implantação de um parque industrial aeronáutico, que permitiu condições técnicas para que o País se pudesse lançar na fabricação e na exportação de aeronaves de alta tecnologia, gerando bilhões de dólares e mais de dez mil empregos;

* a formação, anualmente, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, de uma centena de engenheiros, bem como a formação de Especialistas, Mestres e Doutores, altamente qualificados;

* o estímulo para o surgimento de empresas nacionais de menor porte, voltadas para o setor aeroespacial, com a conseqüente criação de grande quantidade de empregos especializados e a melhoria do nível de qualificação da mão-de-obra nacional;

* a realização no CTA de estudos e ensaios em apoio à indústria nacional, aproveitando os laboratórios e a competência existentes naquele Centro. Deste modo, evitou-se a contratação desses serviços no exterior ou a aquisição pelas empresas nacionais de dispendiosa infra-estrutura que, para elas, teria esporádica utilização;

* o desenvolvimento e o fornecimento de aeronaves, armamentos e equipamentos de elevado conteúdo tecnológico, para o reequipamento da Força Aérea e demais Forças Singulares; e

* a significativa contribuição para a balança comercial do País, com a grande exportação de produtos aeroespaciais.