Mais de 200 mil camponeses protestaram no dia 31 de janeiro passado, na Cidade do México, contra os efeitos devastadores da política agrícola do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), assinado em 1994. Como é sabido, o tratado, negociado pelo México pela administração tanto corrupta quanto incompetente de Salinas de Gortari, permitiu a liberalização do comércio agrícola regional, em processo gradual durante o período de 14 anos, sem que se eliminassem os subsídios praticados pelos EUA (Estados Unidos da América).
Pois bem, passado o prazo estipulado, a partir de 2008, o comércio agrícola no espaço Nafta é feito com tarifa zero. Contudo, a liberalização é apenas do lado mexicano, já que no período os EUA aumentaram ainda mais os infames subsídios promovidos por sua Farm Bill. De fato, não se pode chamar de livre comércio aquele que é sustentado por subsídios praticados por apenas um dos lados num pacto comercial: fraude seria um termo mais apropriado.
Em 1994, a tarifa do milho praticada pelo México excedia a 200% tendo decrescido até ser zerada neste ano, enquanto os subsídios dos EUA no período para os seus produtores do setor aumentaram na mesma proporção ( sic ).
A vítima da fraude é o povo mexicano em geral e, em particular, o setor agrícola do país. Com a perda de produtividade mexicana, produtos subsidiados dos EUA entram no mercado inviabilizando a produção doméstica e causam um grande deslocamento dos novos miseráveis do campo para as cidades e para os EUA, como imigrantes ilegais.
O líder da União Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, uma das 10 entidades a liderar a manifestação, Álvaro Lopes, descreveu os efeitos deletérios do pacto como “genocidas”. A crise se faz sentir tanto mais aguda porque um dos produtos agrícolas mais afetados pela política do Nafta é o milho, insumo básico da dieta popular mexicana.
Contudo, os outros produtos sujeitos ao comércio liberalizado são igualmente, de um lado, insumos alimentares importantes no México, como o leite, o açúcar e o feijão e, de outro, altamente subsidiados nos EUA, o que reproduz o mesmo efeito perverso da fraude praticada contra o povo mexicano pelo Nafta.
Assim, não é de surpreender que a principal reivindicação dos manifestantes mexicanos tenha sido a renegociação, pelo governo do presidente Felipe Calderón, dos termos do Nafta, pleito que é plenamente justificado pelos mais elementares critérios de justiça e de direito.
É oportuno aqui lembrar que, para as negociações da iniciativa da felizmente defunta Alca (Área de Livre Comércio das Américas), os EUA propuseram a mesma infame sistemática agrícola adotada para o Nafta. Tivesse tido sucesso a tentativa de expansão da fraude para o continente americano, nós brasileiros estaríamos a pagar um preço ainda maior do que aquele imposto aos mexicanos.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).