SÃO PAULO – A própria essência do Estado de Direito é fundada na presunção de que todo e qualquer cidadão seja considerado inocente até que seja condenado por sentença transitada em julgado. Da mesma forma, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, a menos que em virtude de lei indisputada ou de sentença judicial inapelável. Por conseguinte, o Estado de Direito pressupõe igualmente a existência de tribunais independentes e do acesso à prestação da Justiça pela cidadania.
Para que os tribunais possam funcionar e para que os cidadãos e seus interesses sejam adequadamente representados perante o Judiciário, os advogados, membros de uma profissão regulamentada inclusive pela ONU, detém em todo o mundo o monopólio de acesso à prestação jurisdicional do Estado. Por isso, no Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 133, reza que “o advogado é indispensável à administração da justiça…”. Assim ocorre em todo o mundo.
O monopólio do acesso ao Judiciário traz corolários necessários muito particulares à moralidade da advocacia. O primeiro deles é que todas as partes na disputa devem estar igualmente representadas, para que possa se constituir o contraditório do direito civil, ou a relação adversarial do direito comum. Das diferentes versões das partes, apresentadas por seus advogados, irá emergir a verdade e o Direito e será feita a Justiça. Ao mesmo tempo, requer-se que os advogados sejam independentes, da mesma forma que os tribunais, sem o que sua ação estará viciada.
Tendo o monopólio do acesso ao Judiciário, o advogado não expressa suas próprias opiniões, mas sim as de seu cliente. Esse é um ponto pouco compreendido pelos setores laicos da sociedade civil que, freqüentemente, confundem as opiniões, posições e até a própria figura do advogado com a de seu cliente. Qualquer cidadão tem o direito fundamental de poder valer seus direitos e liberdades constitucionais em Juízo, apresentando sua versão dos fatos e a defesa do caso. O advogado é seu instrumento e, institucionalmente, o da liberdade de expressão.
Prevalece ainda na advocacia a obrigação ética do advogado aceitar todo e qualquer cliente dentro de sua área de atuação profissional, de acordo com as condições objetivas estendidas a todo e qualquer cliente. Se assim não fosse, casos impopulares jamais, ou raramente, teriam patronos. Isso ocorreria com crimes hediondos, por exemplo, mas também com casos políticos, de ampla repercussão, ou com direitos de minorias.
Se o falsamente acusado, numa situação de impopularidade induzida, não tiver uma representação à altura, por exemplo, poderá ser injustamente condenado, o que configurará um desserviço à causa da Justiça e uma inversão da lógica do Estado de Direito. Nesse sentido, o tribunal constitucional inglês, the House of Lords, decidiu em 1969 que princípio central da advocacia reside no fato de que “nenhum advogado pode recusar um caso na área onde atua, e por remuneração justa deixar de representar qualquer pessoa, ou suas opiniões, por mais impopular ou ofensiva que seja”.
É essa também a tradição da advocacia brasileira, como de resto no mundo civilizado. Há poucas exceções ao princípio, como aquela dos Estados Unidos da América, onde o advogado só dever aceitar como cliente uma pessoa ou causa repugnante quando não houver representação disponível, conforme disposto nas Regras Modelo da American Bar Association.
No Brasil, é clássico o caso da representação do Luís Carlos Prestes, secretário geral do Partido Comunista Brasileiro, pelo grande e exemplar advogado brasileiro, Sobral Pinto, homem de formação e convicções pessoais conservadoras. Da mesma maneira, o nome de Sobral Pinto é relembrado até hoje na República Popular da China, por ter defendido os membros da delegação chinesa encarcerados arbitrariamente pela ditadura militar brasileira.
Assim, resulta que a missão da advocacia é a da sustentação do Estado de Direito e das liberdades democráticas e que a ética da profissão é essencial para tal fim.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).