São Paulo – A Finsa (Lei de Investimentos Estrangeiros e de Segurança Nacional) dos EUA (Estados Unidos da América) entrou em vigor em outubro de 2007 e será regulamentada no próximo mês de abril de 2008. A nova lei dá poderes à administração federal dos EUA para proibir ou suspender qualquer fusão ou aquisição de uma companhia estadunidense que possa ameaçar ou, de qualquer maneira, prejudicar a segurança nacional do país.
A Finsa cria mecanismos de consulta prévia para negócios no âmbito de fusões e aquisições a ser formulada ao CFIUS (Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos), mas também dota este órgão administrativo de poderes para revisão ex post facto , posterior à concretização das respectivas operações, podendo vetá-las, remetendo-as à situação anterior, status quo ante .
O principal objetivo da Finsa é o de impedir qualquer entidade controlada direta ou indiretamente por um governo estrangeiro de adquirir obras ou operações de infra-estrutura crítica no país, como telecomunicações, portos, aeroportos, produção de energia e transporte, dentre outros. De fato, bens de “infra-estrutura crítica” são definidos como “sistemas ou ativos, quer físicos ou virtuais, tão vitais para os EUA que a incapacidade ou destruição de tais sistemas ou ativos teriam um impacto debilitante sobre a segurança nacional” (sic).
Essa legislação é contrária à retórica do livre comércio, do livre fluxo de investimentos e da prevalência das soluções de mercado, praticada de maneira consistente pelos governos dos EUA, inclusive o presente, e pelas agências multilaterais por ele controladas, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial.
Quem não se lembra do discurso, tanto disparatado quanto caricato, de Reagan e Thatcher, no sentido de que o mercado é uma panacéia, com soluções para tudo? Assim, os EUA têm apregoado, de uma maneira não surpreendentemente hipócrita, para terceiros uma receita que não praticam.
A medida é ainda mais preocupante num momento em que a economia dos EUA encontra-se altamente debilitada, com um déficit comercial de cerca de US$ 815 bilhões nos últimos 12 meses e um déficit em conta corrente de US$ 750 bilhões em igual período.
De mais a mais, sua moeda, o dólar americano, encontra-se aviltada; sua economia está em recessão; o desemprego está em alta; as bolsas de valores desvalorizam-se dia a dia; o sistema imobiliário está em colapso; o sistema financeiro tem pouca credibilidade e muita vulnerabilidade; seu povo encontra-se desassistido pela previdência social, enquanto seu orçamento para os próximos dois anos projeta maiores buracos e mais onerosas aventuras militares.
Assim, na receita econômica clássica apregoada há décadas por seus propagandistas e agentes diretos e indiretos, inclusive na América Latina, os EUA deveriam atrair o investimento estrangeiro para minimizar o déficit em conta corrente, aumentar a atividade econômica interna e acumular reservas em moedas fortes. No entanto, no horizonte estratégico dos EUA do governo Bush, a questão da segurança nacional tem primazia absoluta, em detrimento da questão econômica.
Se o Brasil tivesse tido uma legislação semelhante, muitas das privatizações ocorridas durante a administração de Fernando Henrique Cardoso, de triste memória, não teriam sido realizadas, incluindo aquelas no âmbito das telecomunicações e na área de minérios. Da mesma forma, certas compras governamentais não teriam sido feitas, como na área de controle do espaço aéreo da Amazônia e no equipamento da aeronáutica, por exemplo. É bem verdade que a Finsa tem natureza radical e é inspirada pela mesma ideologia insana que levou os EUA à ruína e a muitos crimes contra a humanidade.
Todavia, há de se reconhecer que fatores de segurança nacional têm, muitas vezes, um peso determinante em negócios na área privada e sobre estes têm que prevalecer. Um exemplo disso é a aquisição de terras em áreas de faixa de fronteira por estrangeiros, que é e deve continuar a ser proibida no Brasil. Por outro lado, o Estado brasileiro tem que buscar condições para investir diretamente, mas não com exclusividade ou isoladamente, na área de infra-estrutura.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).