São Paulo – O Banco Mundial estima que as práticas pessoais ou empresariais de corrupção custam à economia mundial a importância de US$ 2,7 trilhões por ano. Essa quantia extraordinária equivale ao orçamento federal dos Estados Unidos da América (EUA) ou a 7% da economia mundial. Os efeitos altamente nocivos de tais ações, e o reconhecimento de seu caráter freqüentemente supranacional, levaram os Estados a buscar um regime jurídico internacional de regência da matéria.
Esse esforço tomou corpo na década de 90, quando diversos organismos internacionais manifestaram-se a respeito da matéria. Assim, a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), publicou, em 1994, suas Recomendações sobre Propinas em Negócios Internacionais, um documento hortativo pleiteando a tipificação criminal da ação, transparência contábil e a modificação das leis tributárias para eliminar a sua dedutibilidade fiscal.
Em 1996, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu sua apenas enunciativa Declaração contra a Corrupção e Propinas em Negócios Internacionais, que conclamava, à semelhança do que havia já feito a OCDE, os seus Estados Membros a tipificar criminalmente a corrupção de funcionários públicos e a promover maior cooperação internacional no combate de tais práticas deletérias.
No mesmo ano, foi assinada a Convenção Inter-Americana contra a Corrupção (CIAC), adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1996, que objetiva a prevenção, detenção, punição e erradicação da ação corrupta ou corruptora. A CIAC inovou ao apresentar abrangente definição de corrupção como a oferta a um funcionário público, ou sua solicitação, de qualquer valor monetário, presente, favor, promessa ou vantagem, em troca de uma ação ou omissão no exercício de suas funções. A CIAC ainda estabeleceu mecanismos de cooperação entre os Estados signatários.
Mais recentemente, a questão do combate à corrupção evoluiu ainda mais no âmbito multilateral com a assinatura da Convenção sobre Corrupção da ONU, de 11 de dezembro de 2003 (a Convenção ONU), mas ainda não em vigor. A Convenção ONU foi assinada por 118 países, inclusive pelo Brasil, e já ratificada por 18, necessitando todavia de um número de 30 Estados para que entre em efeito.
A Convenção ONU procura estabelecer melhores padrões internacionais legislativos de prevenção e combate à corrupção, bem como introduzir conceitos reconhecidos internacionalmente como tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A Convenção ONU tem o grande mérito adicional de tratar a corrupção como algo mais do que um simples crime, ao reconhecer corretamente que desestabiliza países, impede o desenvolvimento e compromete o estado de direito.
Contudo, a Convenção ONU é omissa quanto as sanções a serem aplicadas e quanto a um critério de hierarquia da gravidade dos crimes relacionados com a corrupção. Igualmente, a Convenção ONU permite a reserva das partes signatárias quanto a obrigatoriedade da jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ) para dirimir questões decorrentes de seus termos e objeto.
Outro grave problema na Convenção ONU é a questão da chamada “proteção da soberania”, reconhecida em seu artigo 4, que exclui de seu objeto a chamada corrupção institucional de um Estado contra outro ou contra um organismo internacional. Essa corrupção institucional é tão ou mais grave do que a corrupção individual ou empresarial, porque seus efeitos são quase sempre mais devastadores.
Dá-se a corrupção institucional quando um Estado, mediante intimidação ou proposta de propina material, honorífica, funcional ou outra reconhecida pelo direito internacional, influencia a ação de um agente de um organismo internacional ou de outro Estado e bem assim destes últimos.
Dessa maneira, como o ocorrido entre os EUA e o México de Salinas de Gortari, quando o agente de um Estado influencia a ação econômica de um outro país, por exemplo na assinatura de um pacto regional de comércio (NAFTA), mediante a oferta de apoio na eleição do presidente deste país a um cargo de direção de um organismo multinacional (OMC), ocorre a corrupção institucional.
Igualmente, quando um Estado utiliza um organismo multilateral como instrumento de implementação de suas políticas externas, como ocorreu no caso do FMI e da paridade cambial argentina, em detrimento da população e dos interesses do país sul-americano, dá-se a corrupção institucional. Ocorreu o mesmo ilícito no episódio da OPAQ, quando o diretor-geral daquele organismo, o embaixador José Maurício Bustani, foi ameaçado de destituição por recusar-se a cumprir o seu dever estatutário, por agentes do governo dos EUA.
O mundo todo deve aplaudir os esforços para o aumento da cooperação internacional na prevenção e punição da corrupção. Contudo, esse combate somente atingirá a eficácia desejada quando atacada também a corrupção institucional, mediante instrumentos eficazes de direito internacional.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).