1.1.- A questão do “dumping social” ou a inclusão das chamadas cláusulas sociais no âmbito do sistema multilateral de comércio, embora não seja nova, por ter sido já levantada no final da Rodada Tóquio do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), em 1979, adquiriu maior notoriedade após a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, mais precisamente nas tratativas preliminares para a formatação e formulação de uma agenda para uma nova rodada de negociações, aquilo que seria a chamada Rodada do Milênio, a ser lançada em Seattle, nos Estados Unidos da América, em dezembro de 1999.

1.1.1.- O debate que se seguiu adquiriu contornos polêmicos tendo-se imediatamente verificado uma polarização de posições entre, de um lado, os países desenvolvidos, ávidos defensores da inclusão no sistema multilateral de comércio das cláusulas sociais; e de outro, os países em desenvolvimento, ferrenhos opositores do referido conceito. A crise de credibilidade da OMC e a participação intensa de organizações não governamentais incandesceram as tratativas e o resultado, acompanhado ao vivo por todo o mundo, foi o colapso da iniciativa de uma nova rodada, e o adiamento da questão.

1.1.2.- Minha apresentação de hoje visa analisar a questão na perspectiva do direito do comércio internacional. Para tanto, dividi minha apresentação da seguinte forma:

1.- Esta INTRODUÇÃO;

2.- BREVE HISTÓRICO DO HEGEMONISMO E DO PROTECIONISMO NO GATT E NA OMC;

3.- O ARGUMENTO DO “DUMPING SOCIAL”;

4.- A UTILIZAÇÃO PROTECIONISTA DAS CLÁUSULAS SOCIAIS;

5.- ESTADO ATUAL DA QUESTÃO E AS DIVERSAS POSIÇÕES; e

6.- CONCLUSÕES.

2.1.- A questão da cooperação entre as potências para
a exploração dos países menos desenvolvidos não é nova, nem no aspecto comercial
e tampouco sob o prisma político. Já em meados do século 19, por exemplo, o
Império Britânico, EUA, França e Holanda tinham colaborado ativamente no contrabando
de heroína para a China[1], de tal forma a criar, naquele país, um produto de
consumo que devesse ser necessariamente adquirido do exterior, com o objetivo
de eliminar os saldos comerciais chineses. Na ocasião, os EUA aproveitaram-se
da política exterior inglesa e chegaram a controlar cerca de 10% do comércio
da droga maldita para a China. Para os sagazes estrategistas ingleses, como
Benjamim Disraeli, não escapou a constatação de que a expansão das relações
comerciais britânicas dependia de uma política de acerto com as outras potências.[2]

2.2.- O GATT foi assinado em 1947 por 23 países e entrou
em vigor em 1948. O GATT foi um dos tratados internacionais celebrados ao final
da 2a. Grande Guerra Mundial, como parte da nova ordem internacional pós-conflito,
da mesma forma que outras organizações internacionais. Como estas, o GATT foi
largamente inspirado pelos EUA, que na ocasião dominavam as relações econômicas
internacionais num mundo destruído pelo conflito militar. As negociações que
levaram ao GATT tiveram quase nenhuma participação dos países em desenvolvimento.[3]
O objetivo principal do GATT era regulamentar as relações de troca internacionais
de forma a trazer uma certa juridicidade a um campo notoriamente infame pela
anomia.

2.3.- Esta regulamentação, todavia, tinha contornos muito
limitados, uma vez que os EUA não permitiram regras que comprometessem sua hegemonia
comercial e sua capacidade de, unilateralmente, alterar as regras do jogo das
trocas e estabelecer sanções próprias. Um escandaloso exemplo do jogo das cartas
marcadas conduzido pelos EUA foi a exclusão do setor agrícola do regime do GATT,
justamente a área comercial de maior tradição mundial e aquela de maior importância
para os países em desenvolvimento. No GATT, à semelhança dos demais organismos
internacionais criados na ocasião, os EUA mantinham um virtual poder de veto,
no mecanismo de decisão consensual, já que tinham imposto as regras.

2.4.- De qualquer maneira, o GATT foi visto como um progresso,
ante ao quadro de inexistência de normais internacionais a regular o comércio
mundial. As alterações no regime jurídico do GATT eram feitas através as chamadas
rodadas, todas convocadas pelos EUA, à exceção da última, a Rodada Uruguai,
convocada pelo Japão. Na ocasião, em 1986, os principais parceiros comerciais
dos EUA, o Japão e a então designada Comunidade Econômica Européia, sofriam
com medidas comerciais unilaterais e ilegais adotadas pelos EUA, movidos pelo
interesse na manutenção de uma competitividade comercial relativa, que vinham
consistentemente perdendo.[4] Na ocasião, os países desenvolvidos logo se entenderam,
tendo criaram uma agenda de negociações para assegurar a manutenção de seus
interesses hegemônicos. Nesta agenda constava a inclusão no regime do GATT das
chamadas áreas novas, incluindo serviços, tecnologia e investimentos. Tal agenda
sofreu inicialmente a oposição dos países em desenvolvimento que desejavam a
inclusão, na ordem do comércio multilateral, das áreas tradicionais como a agricultura
e o setor têxtil, bem como um maior aperfeiçoamento do sistema de resolução
de disputas, que era ineficaz e permitia abusos.

2.5.- Durante a Rodada Uruguai, chegou-se a um acordo
que permitia a inclusão imediata das áreas novas no regime multilateral e que
prometia o acesso dos setores tradicionais a partir do ano 2000. Foi também
criado, junto com a OMC, um novo sistema de resolução de disputas com duplo
grau de jurisdição. Do ponto de vista hegemônico, os resultados da Rodada Uruguai
foram altamente positivos para os países desenvolvidos. De fato, nos cinco anos
que se seguiram à fundação da OMC, a prosperidade mundial ficou mais do que
circunscrita aos EUA e à União Européia (UE). Durante mais de 50 anos de retórica
do livre comércio no GATT e na OMC, o setor agrícola mundial continua alijado
do sistema multilateral e distorcido pelos infames subsídios praticados pela
UE, Japão e EUA.

2.6.- Como resultado, sob a égide da OMC, aumentou a
concentração de renda nos países desenvolvidos; cresceu a participação destes
no comércio mundial; instaurou-se a volatilidade financeira mundial; desencadeou-se
uma crise econômica mundial; promoveu-se a miséria e a desesperança nos países
em desenvolvimento. Segundo dados da própria OMC, tanto a América Latina como
a Ásia tiveram um desempenho pior no comércio de mercadorias nos quatro anos
seguintes a 1995 do que em igual período anterior.[5] Os preços das mercadorias
agrícolas, de cujas exportações depende a maior parte dos países em desenvolvimento[6],
caíram em cerca de 30% desde 1998. O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), uma meritória
iniciativa, está naufragando do ponto de vista comercial, relegado a uma triste
situação de trocas administradas, em vista das enormes dificuldades institucionais
internas de seus principais parceiros, Argentina e Brasil. A crise afetou até
economias desenvolvidas, como a japonesa. Ainda na Ásia, Filipinas, Tailândia,
Indonésia e Malásia, todos tiveram dramáticos problemas econômicos. A Índia,
o mais populoso dentre os 136 membros da OMC, deixou de ter qualquer benefício
digno de nota no novo sistema.

2.7.- O sistema de resolução de disputas da OMC, depositário
de tantas esperanças, deixou muitíssimo a desejar nestes cinco anos de funcionamento,
por falhas processuais muito importantes[7] e insuficiências institucionais
gravíssimas na área de sua gestão pelo Secretariado, que comprometeram decisivamente
sua credibilidade[8]. Dos 31 casos decididos em grau de apelação na OMC, 18
foram pertinentes a confrontos entre países em desenvolvimento e desenvolvidos.
Destes, 13 foram ganhos pelos países desenvolvidos, mais de dois terços, e apenas
quatro pelos países em desenvolvimento, dos quais dois com recusa de implementação.
O Brasil foi o campeão das derrotas, tendo sucumbido em quatro dos cinco painéis
em que esteve diretamente envolvido contra países desenvolvidos, seguido pela
Índia com três derrotas e nenhuma vitória; Coréia com duas derrotas e uma vitória;
e Argentina com duas derrotas e nenhuma vitória.[9] De mais a mais, algumas
dessas derrotas representam tentativas institucionais de mudança dos tratados
em detrimento da ordem jurídica e dos interesses dos países em desenvolvimento.
Por sua vez, os EUA, notoriamente os maiores violadores de normas do direito
comercial internacional, venceram 23 dos 25 casos em que tiveram envolvidos
na OMC, desde sua criação.[10]

2.8.- Desta maneira, o sistema de resolução de disputas
da OMC converteu-se em instrumento de afirmação de políticas hegemônicas dos
países desenvolvidos e torna-se temível porque as cláusulas de automaticidade
do Entendimento sobre Resolução de Disputas autorizam sanções comerciais potencialmente
severíssimas, como aquela à qual o Brasil foi condenado, da ordem de US$ 1,6
bilhão, no contencioso sobre incentivos ilegais à indústria aeronáutica contra
o Canadá.
3.1.- Há mais de cem anos, em 1892, o líder do Partido
Republicano, McKinley, dizia nos EUA que o país não poderia prosperar com um
sistema de comércio que não reconhece as diferenças de condições sociais nos
EUA e na Europa. A competição aberta entre o trabalho altamente remunerado nos
EUA e mal remunerado na Europa eliminaria do mercado os trabalhadores americanos
ou diminuiria seus salários, ambas situações indesejáveis[11]. Cem anos de história
demonstraram de forma inequívoca que os radicais de então estavam errados, o
que não impediu que os demagogos de hoje valham-se do mesmo argumento falacioso.

3.2.- Chama-se de “social dumping” a vantagem comparativa
e relativa dos países em desenvolvimento sobre os países desenvolvidos em termos
de trocas internacionais, pelo custo mais barato da mão-de obra nos primeiros.
Esta vantagem é considerada “injusta” pelos protecionistas quando, na realidade,
tal custo mais baixo é decorrente da própria situação do estágio de desenvolvimento
e, muitas vezes, da miséria que aflige boa parte do globo. De fato, do ponto
de vista econômico, tem sido demonstrado que[12]:

a) a mobilidade industrial tem pouco a ver com baixos salários,
dependendo mais de desenvolvimento industrial e tecnologia;
b) os países desenvolvidos continuam como exportadores líquidos de produtos
industrializados;
c) o declínio do emprego no setor industrial no primeiro mundo reflete o crescimento
de oportunidades no setor de serviços;e
d) as exportações dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos
representam apenas 2% do PNB dos primeiros.

3.3. Segundo os defensores do argumento do “dumping”social,
este custo de produção inferior levaria também à transferência de algumas indústrias
com intensividade de mão-de-obra para os países em desenvolvimento[13]. Tal
situação faria que todos os trabalhadores perdessem, uns por perderem o emprego
(aqueles dos países desenvolvidos); outros porque seriam condenados a perceber
salários indignos, o que asseguraria que os mais pobres permanecessem pobres.
Assim, a presente situação do sistema multilateral de comércio permitiria que
as empresas possam pagar salários de terceiro-mundo para a manufatura de produtos
que são posteriormente vendidos a preços de primeiro-mundo[14]. Este argumentos
são apresentados normalmente sob roupagens diversas: uma mais direta, como já
relatado anteriormente, pelos políticos demagogos ultra-nacionalistas; e outra,
especiosa, sob o manto santimonial da proteção dos direitos dos trabalhadores.
Ambas, em realidade, ultimam os mesmos objetivos: vantagens comerciais e proteção.

3.4.- Com relação à proteção dos direitos dos trabalhadores,
foi criada, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo
responsável pela criação e monitoração dos padrões trabalhistas. A OIT não tem
poderes de impor sanções às violações de suas normas, dependendo de adesão voluntária
e da pressão da opinião pública internacional. A OIT é um foro de debates entre
governos, sociedade civil, sindicatos de trabalhadores e patronais, que resultam
em convenções de normas, padrões e valores trabalhistas, sujeita a ratificação
pelos países membros. Há mais de 170 convenções internacionais do trabalho presentemente
em vigor, embora o número de países que as ratificaram varia consideravelmente[15].
Os países signatários das convenções são obrigados de acordo com seus termos,
que devem ser inseridos nas normas de direito interno, e estão sujeitos à supervisão
da OIT. A OIT dá assistência técnica aos países e tem poderes de investigar
as violações dos termos das convenções nos países signatários.

3.5.- Os defensores da ocorrência do fenômeno do “dumping”
social tem dificuldades, mas não se intimidam, na apresentação de argumentos
a justificar a migração da questão de padrões trabalhistas da OIT para a OMC,
da mesma forma como tem obtido sucesso na neutralização de direitos decorrentes
do tratado do FMI[16]. O primeiro deles é o de que o acesso ao mercado doméstico
dos países desenvolvidos, por ser um privilégio, deve ser acompanhado de maior
justiça social e padrões trabalhistas de bom nível. O segundo é pertinente à
idéia de que medidas relacionadas ao comércio devem ser utilizadas para promover
direitos humanos e os principais padrões trabalhistas. O terceiro e último é
o de que a globalização traz como decorrência o direito à harmonização dos padrões
trabalhistas na base do princípio de remuneração igual por trabalho assemelhado.

3.6.- Tratam-se de argumentos especiosos, falaciosos
ou cínicos. Sabe-se que os melhores padrões trabalhistas são melhor promovidos,
implementados e defendidos em condições de desenvolvimento econômico. Nós, como
advogados com experiência profissional em países em desenvolvimento, sabemos
muito bem que muitas leis protegendo o trabalhador deixam de ser observadas
quando a situação econômica é de tal forma adversa que forma-se um consenso
pela sua renúncia em favor do bem maior da sobrevivência. Por outro lado, sabe-se
que o maior promotor de direitos humanos é o desenvolvimento econômico e o emprego.
Por último, a “harmonização” salarial seria a garantia do desemprego absoluto
nos países em desenvolvimento. Qual o negócio e que país em desenvolvimento
“harmonizaria” a renda proporcionada apenas pelos infames subsídios da Política
Agrícola Comum da UE, da ordem de US$ 350 bilhões anuais?
4.1.- Se o conceito de “social dumping” vier a ser consagrado
pelo sistema multilateral de comércio e, consequentemente, inserto nos tratados
que fazem parte do universo da OMC, será permitida a imposição de direitos “anti-dumping”
contra os países acusados de tal prática. A questão do “dumping”, objeto do
“Acordo Anti-Dumping” é uma das mais controversas no âmbito da OMC. Velho instrumento
protecionista, o “dumping” foi regulamentado nos EUA já em 1916 e ensejou a
criação de todo um sistema abusivo, arbitrário e unilateral, mantido até hoje
por aquele país, já que o situa acima dos tratados da OMC, na hierarquia constitucional
das normas jurídicas.

4.2.- Para fins do “Acordo Anti-Dumping”, configura-se
o “dumping” quando um produto é introduzido no comércio de um outro país por
menos do seu valor normal, se o preço de exportação do produto exportado de
um país para outro for menor do que o preço comparativo, no curso normal de
negócios, para o produto semelhante quando destinado ao consumo interno no país
do exportador.[17] A constatação da prática do “dumping” permite a imposição
de direitos ou medidas “anti-dumping”, tarifas excepcionais, com o objetivo
de proteger a indústria doméstica da prática ilícita, mediante a neutralização
da vantagem indevida e consistente no diferencial entre o preço praticado no
mercado doméstico e aquele pelo qual foi introduzido no mercado externo. A possibilidade
da imposição do direito “anti-dumping” nas questões sociais possibilitaria a
criação de uma tarifa, a ser arrecadada pelo país consumidor, equalizando o
diferencial do efeito do salário do trabalhador da Índia com o da Holanda, por
exemplo, no produto final. O trabalhador da Índia nada ganharia com o fato;
ao contrário, provavelmente perderia o emprego!

4.3.- Se o efeito do emprego do arsenal “anti-dumping”
for tão devastador sobre o país em desenvolvimento que haja a ruptura da observância
do ordenamento jurídico doméstico, pela opção forçada à sobrevivência, então
este país será acionado pelos seus parceiros desenvolvidos nos autos-da-fé do
sistema de resolução de disputas da OMC, onde serão decisiva e inapelavelmente
condenados e sujeitos a compensações horizontais sobre seus produtos de exportação,
também por meio de majoração de tarifas de importação. Por sua vez, a criação
do sistema de etiquetagem social dos produtos de cada país, uma idéia possivelmente
inspirada nos trajes degradantes impostos pelos tribunais da Santa Inquisição
ou nas estrelas de David amarelas de Hitler, criará países párias, à margem
da comunidade internacional, dificultando as oportunidades de desenvolvimento
econômico e afirmação social de suas populações, pela falta de acesso de seus
produtos aos mercados externos.

4.4.- Com relação à etiquetagem social, foi apresentada
uma proposta neste sentido na 85a reunião anual da OIT, por seu diretor-geral,
Sr. Michel Hansenne.[18] Segundo tal proposta, tratar-se-ia apenas de uma informação
sobre as condições de trabalho da produção e que nada teria a ver com a mesma
iniciativa no âmbito da OMC. Certos países em desenvolvimento com grande representatividade,
como a China, a Índia, Brasil, Indonésia, Paquistão, Egito e as Filipinas, recusaram
tal proposta de etiquetagem social e denunciaram-na como uma cláusula social
disfarçada, cujo propósito final seria o uso de padrões trabalhistas como protecionismo
comercial. A proposta foi retirada, para grande desapontamento dos defensores
do conceito de “dumping” social.[19]
5.1.- No direito interno dos EUA, que por decorrência
de suas normas constitucionais idiossincráticas tem primazia sobre os tratados
internacionais, já de há muito existe o elo entre padrões trabalhistas e comércio
externo. Todavia, governos norte-americanos sucessivos tem deixado de aplicar
a legislação, em face de sua inconsistência e conseqüente ilegalidade face ao
direito do comércio internacional. A principal lei, mas de nenhuma forma a única,
a vincular os dois temas é a denominada Sistema Generalizado de Preferências,
que elimina tarifas aplicáveis sobre um certo número de produtos. De um modo
geral, as convenções principais da OIT a consagrar os julgados princípios básicos
trabalhistas são:

a) Convenção 87 (direito à associação);
b) Convenção 98 (direito de organização e negociação coletiva);
c) Convenções 100 e 111 (isonomia na oportunidade de emprego e não- discriminação);

d) Convenções 29 e 105 ( proibição de trabalho forçado); e
e) Convenção 138 ( proibição de trabalho infantil).

Tais princípios devem ser complementados, segundo a posição
dos EUA, por provisões específicas relacionadas a salários e condições de trabalho.[20]

5.2.- A posição da EU difere daquela dos EUA apenas na
apresentação retórica obnubilada, no sentido de que propõe a colaboração entre
os diversos organismos internacionais sobre a questão das cláusulas sociais,
eufemismo que significa apoio ao vínculo entre comércio internacional e os temas
trabalhistas, mas desprovido de sanções.[21] Ora, as sanções fazem parte da
essência do comércio internacional, quer seja na ordem multilateral do GATT
e da OMC, quer seja nos ordenamentos unilaterais de direito interno. Semelhantemente,
a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem apoiado
sistematicamente o vínculo entre as cláusulas sociais e a OMC. Tal atitude não
surpreende, pois a OCDE age freqüentemente como o grupo de pressão dos poderes
hegemônicos, tendo sido a organizadora do chamado “cartel da vergonha” durante
a Rodada Uruguai por ter patrocinado a adoção das normas internas de imigração
dos EUA por seus principais membros, de forma a impossibilitar o acesso de prestadores
de serviços dos países em desenvolvimento, para fins do Acordo Geral de Comércio
em Serviços, outro dos tratados assinados em Marraqueche.[22]

5.3.- Os países em desenvolvimento, em geral, opuseram-se
veementemente ao intento dos EUA e UE, denominado de protecionista, embora defendendo
a prevalência dos princípios no âmbito da OIT[23]. Segundo tais países, o primeiro
efeito do vínculo das cláusulas sociais ao sistema multilateral seria o do fortalecimento
dos grupos de pressão protecionistas e encorajamento da proliferação dos embargos
unilaterais e boicotes já praticados por alguns países. Isto reduziria as exportações
de manufaturados e de algumas mercadorias de alguns países em desenvolvimento.
Nesta primeira fase, seriam atingidas as economias menos desenvolvidas. Num
segundo momento, a infecção alastrar-se-ia para as economias emergentes como
China, Índia, Brasil, Argentina etc. De mais a mais, esta iniciativa é arbitrária
e contrária à letra e ao espírito do direito do comércio internacional.[24]

5.4.- Na primeira conferência ministerial da OMC, realizada
em Singapura em Dezembro de 1996, tratou-se do lançamento de uma nova rodada
de negociações do sistema multilateral de comércio. Na ocasião, as duas correntes
supra expostas entraram em acerbo conflito. O consenso resultante foi:

a) que os países membros da OMC apoiam os princípios sociais
básicos consagrados pelas convenções da OIT;
b) que a OIT é o organismo relevante para tratar das cláusulas sociais;
c) que os padrões sociais são melhor promovidos por crescimento e desenvolvimento;
e
d) que as cláusulas sociais jamais devem ser utilizadas para fins de protecionismo
comercial ou para diminuir a competitividade relativa dos países.[25]

5.5.- Tal consenso não impediu que a questão do vínculo
entre as cláusulas sociais e as trocas internacionais resurgisse por ocasião
da conferência ministerial da OMC, realizada em Seattle, em Dezembro de 1999,
quando se tratou do lançamento de uma nova rodada de negociações do sistema
multilateral de comércio. Não obstante os claros termos da Declaração de Singapura,
os EUA e a UE tipicamente pretenderam voltar ao tema, nas mesmas bases e com
os mesmos argumentos de sempre. Tal posição levou o Grupo dos 15, na reunião
preparatória para Seattle, realizada em Bangalore, na Índia, a “rejeitar qualquer
vínculo entre comércio e as cláusulas sociais. Lembrou-se que esta questão havia
sido conclusivamente decidida na Declaração Ministerial de Singapura. Decidiu-se
opor resolutamente qualquer renovada tentativa de levantar a questão na OMC”.[26]
6.1.- As cinzas do fracasso da terceira conferência ministerial
da OMC, realizada em Seattle, sepultaram pelo momento a questão do vínculo entre
as cláusulas sociais e o comércio internacional. A tentativa da inclusão do
tema na ordem do comércio multilateral, as intenções percebidas como motivadoras
de tal ação, bem como a condução do processo pelo secretariado da OMC contribuíram
não somente para o insucesso da reunião, bem como para a enorme perda de credibilidade
da Organização. A questão parece-nos deva ser tratada apenas no âmbito da OIT
e na esfera de governança corporativa das empresas envolvidas em atividades
comerciais internacionais.