Londres – O Reino Unido é um país em grave crise. Seus governos recentes têm violado sistematicamente o direito internacional na guerra ilegal travada no Iraque e na facilitação da tortura, como coadjuvantes da política externa dos EUA (Estados Unidos da América).
Na União Européia, o Reino Unido é a força que procura desestabilizar todas as iniciativas de adensamento institucional. No âmbito interno britânico, as liberdades civis têm sofrido um contínuo retrocesso, verificado na autorização de detenção de suspeitos sem culpa formada pelo prazo de 42 dias; pela limitação do centenário habeas corpus; pelo contingenciamento da coisa julgada; pelas ordens administrativas contra o chamado comportamento anti-social, que estabelecem penas criminais sem o devido processo legal; por espionar os seus próprios cidadãos e violar sua privacidade; por corromper o instituto da advocacia; e por instituir uma política de assassinato de Estado, que vitimou o brasileiro Jean Charles de Menezes, fuzilado à queima-roupa num trem urbano londrino.
Tais aberrações são facilitadas pelo anacrônico sistema constitucional britânico, que, por não ser escrito, facilita os abusos aos direitos individuais. Mais ainda, a constituição britânica não permite a revisão dos atos do parlamento pelo poder Judiciário. Como não existe a tripartição dos poderes no Reino Unido, o poder executivo, que é formado pela maioria do poder legislativo, tem uma força extraordinária, já que também controla o poder judiciário. Assim, a tradicional democracia britânica é sujeita a grandes abusos, quando o seu poder executivo é conduzido por pessoas de má índole e/ou por criminosos contumazes.
Economicamente, o país perdeu a sua relevância, enfrenta uma grave recessão, um pronunciado desemprego e um clima de desesperança agravado pelo sentimento de arrogância nacional. Por detrás de uma aparente respeitabilidade, tolera-se as cloacas infectas dos centros financeiros de Jersey e Man, onde criminosos de todo o mundo podem depositar suas fortunas. As esperanças britânicas de protagonismo na esfera global são colocadas num insano alinhamento automático de sua política externa com a dos EUA. A posição do Reino Unido como membro permanente com poder de veto do Conselho de Segurança da ONU passou a ser absolutamente insustentável, o que o país procura enfrentar com grandes e injustificáveis gastos militares.
Dos países em desenvolvimento, o Reino Unido hoje busca investimentos e clientes para suas escolas. O seu irrelevante comércio internacional de mercadorias é desprezível para países como o Brasil, México, Argentina, Índia, China e África do Sul. Desses países, o Reino Unido busca apenas a abertura dos mercados de serviços para a inserção de seus agentes predadores, notadamente na área de serviços financeiros, onde hoje se situa a advocacia, depois que uma reforma levada a efeito pelo governo Blair a descaracterizou face ao direito internacional.
Pois bem, em 1998, Brasil e Reino Unido celebraram um acordo de isenção de vistos que foi consistentemente descumprido pelas autoridades britânicas pelo tratamento discriminatório aos brasileiros nos portos de entrada, que eu já tive a oportunidade de denunciar reiteradamente em meus escritos. As autoridades britânicas chegaram a criar quotas diárias de deportação para os viajantes brasileiros, fazem interrogatórios em que os agentes ao mesmo tempo perguntam e respondem e impedem o ingresso anual de cerca de 10 mil compatriotas. Até mesmo portadores de passaportes da União Européia são interpelados por terem nascido no Brasil (sic).
Essa situação criou, já há diversos anos, um ambiente de grave insegurança para os viajantes brasileiros ao Reino Unido, que de resto têm tido um semelhante tratamento discriminatório noutros países da UE e nos EUA. A diplomacia brasileira tem procurado contemporizar e evitar o enfrentamento da situação que a dignidade nacional exige. Na semana passada, o Itamaraty foi forçado a sair de seu torpor institucional pela exigência britânica de instalar em território brasileiro seus agentes governamentais a aplicar a lei de imigração do Reino Unido.
Trata-se, evidentemente, de uma situação absolutamente insustentável, porque representaria uma ingerência absurda de um país estrangeiro na ordem jurídica doméstica, contrária à nossa ordem constitucional. Assim, face ao quadro, é recomendável às autoridades brasileiras a adoção imediata de exigência de vistos de entrada aos cidadãos britânicos que desejarem ingressar no país. Perderão muito mais os interesses britânicos do que os brasileiros hoje e no futuro.
Quarta-feira, 20 de agosto de 2008
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).