SÃO PAULO – Um dos eventos mais auspiciosos do final do século 20 para a humanidade deu-se em 1994, com a democratização da África do Sul, com a posse do presidente Nelson Mandela, líder do Congresso Nacional Africano, e a conseqüente eliminação do odioso regime do apartheid que, durante décadas promoveu a discriminação, a miséria e a desesperança.
Naquele ano, a largamente minoritária população branca era titular de nada menos do que 87% das terras aráveis da República da África do Sul. O governo democrático do país imediatamente afirmou a necessidade de lidar com as injustiças decorrentes da desapropriação da terra fundada no regime racial.
Mais ainda, foi reconhecida a necessidade de uma distribuição de terras mais eqüitativa e de uma reforma agrária visando a redução da pobreza e a contribuir para o crescimento econômico, dentro de um regime de segurança jurídica para todos.
O governo da África do Sul foi sabiamente cauteloso ao lidar com o problema da reforma agrária, tendo em vista a experiência desastrosa havida no vizinho Zimbabwe, onde a necessária desapropriação dos latifúndios colonialistas levou à desestabilização econômica do país pelo seu modus operandi e é responsável, em grande parte, pela crise atual.
Ao contrário do Zimbabwe, na África do Sul a participação da agricultura no Produto Nacional Bruto é mínima, situando-se no patamar de apenas 4%, o que reduz a dimensão do problema econômico ou social, que resta relevante. Por outro lado, como no Zimbabwe, os recursos financeiros prometidos pela chamada comunidade internacional, ou agrupamento de países hegemônicos, ficou na retórica vazia e não se materializou.
Assim, o programa de redistribuição de terras para o desenvolvimento agrícola do governo da África do Sul teve pouco sucesso, nos 12 anos que se seguiram à democratização do país, já que apenas 4% da área rural do país foi transferida no seu âmbito.
Um dos problemas institucionais a limitar o êxito do programa reside exatamente na pouca viabilidade econômica de muitas atividades agrícolas no país, face à concorrência, tanto nefanda como predatória, dos produtos dos países desenvolvidos que lançam mão de devastadores esquemas de subsídios.
É sabido que subsídios da ordem de US$ 1 bilhão ao dia desembolsados pelos Estados Unidos da América e União Européia distorcem a economia agrícola global e tiram a competitividade dos produtores dos países em desenvolvimento, para além dos mercados internacionais, nas próprias vendas internas.
Assim, o pouco sucesso relativo da reforma agrária na África do Sul até hoje deve em muito à injusta situação agrícola mundial vigente. Por outro lado, a apreciação das mercadorias energéticas agrícolas, como o etanol, deve ajudar a ação governamental ao menos na região de KwaZulu Natal, grande e tradicional produtora de cana-de-açúcar.
De qualquer maneira, são muitas as possibilidades de cooperação com o Brasil no setor.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).