Excelentíssimos Srs. Julgadores,
Tenho hoje o desafio da dicotomia do humanista John Locke. Disse o grande filósofo iluminista inglês do século 17 que “it is one thing to show a man that he is in error, another to put him in possession of truth”, ou, em vernáculo, é uma coisa mostrar a alguém o seu erro e outra mostrar-lhe a verdade. Procurarei demonstrar ambos.
Todos os juízes cometem erros de direito. Ocasionalmente, tais erros ocorrem porque os princípios legais são obscuros. Noutras ocasiões, os fundamentos legais são claros, mas sua aplicabilidade a uma situação particular de fato pode não sê-lo.
Parece ser essa última hipótese a aplicável ao caso em tela, onde encontramos erros graves quanto i) à qualidade do Autor, ii) quando à pessoa do Réu, iii) quanto à lei de regência aplicável; e iv) quanto à jurisdição competente.
De fato, o acórdão embargado trata os autores como consumidores brasileiros, ainda que tenham eles se qualificado como residentes e/ou domiciliados nas Ilhas Virgens Britânicas no contrato a reger o negócio de seguro contratado na praça de Londres, Reino Unido.
Da mesma maneira, o Réu foi confundido não apenas com o mercado, como também com o verdadeiro segurador, que não integra o polo passivo da lide. De fato, o Réu Coyle Hamilton é uma corretora sediada em Londres e acreditada perante o mercado segurador e resegurador denominado Lloyd’s of London.
Como é de conhecimento generalizado, o respeitável mercado londrino Lloyd’s é uma bolsa de seguros, à semelhança das bolsas de valores. O seguro objeto do negócio jurídico subjacente foi contratado pelo R.G. Wasey Sindicate, que não integra a presente lide.
O local do cumprimento do eventual cumprimento da obrigação objeto do contrato de seguro é o Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte. As leis inglesas foram eleitas em contrato para governar a resolução de potenciais disputas entre as partes e os competentes tribunais ingleses elegidos para dirimir as controvérsias resultantes do referido negócio jurídico. Nesse particular, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, na Súmula 335 que “é válida a cláusula de eleição de foro para os processos oriundos do contrato”.
De fato, nada mais razoável para um contrato celebrado entre residentes ou domiciliados nas Ilhas Virgens Britânicas, um território de ultramar do Reino Unido, com um segurador inglês, no mercado de seguros de Londres, através de uma corretora inglesa. Ex facto, oritur jus, ou do fato vem o direito.
Trata-se, por conseguinte, de um caso clássico de um conflito de leis que deveria ser dirimido em favor da jurisdição forânea e das leis estrangeiras e em fundado e legítimo desfavor das leis nacionais e dos tribunais brasileiros.
Como é sabido, o chamado conflito de leis, ou conflict of laws em inglês, é a questão essencial do direito internacional privado, tanto que aquele é a denominação deste nos países de tradição jurídica anglo-saxônica e até mesmo na República Popular da China.
No Brasil, a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 12, dá a regra básica da resolução do conflito de leis ao dispor que “é competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.”
Tal preceito vem reforçado pelo artigo 88 do Código de Processo Civil, que dispõe ser competente a autoridade judiciária brasileira quando, o réu, qualquer que seja sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; quando no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; ou se a ação se originar de fato ocorrido ou praticado no País.
Ora, apenas com um superficial exame dos presentes autos, constata-se de forma abundantemente clara que tanto o Réu putativo legítimo como o Réu ilegítimo dos autos são domiciliados no Reino Unido. Mais ainda, verifica-se que a obrigação deve ser cumprida no Reino Unido e que o contrato foi celebrado em Londres. Ademais, o foro eleito é o inglês, ex iure pacti.
Resulta, por conseguinte, Srs. Julgadores, luzente, óbvia e evidente a incompetência absoluta do Judiciário brasileiro para dirimir a disputa objeto dos autos. De fato, pretender aplicar o Código do Consumidor e avocar matéria alheia à jurisdição brasileira é buscar a aplicação extraterritorial da lei brasileira, um faux pas.
No tocante ao mérito, é de se observar, na conformidade da sentença de primeira instância, 1) a ausência de sinistro capaz de gerar o direito ao recebimento de indenização; e ii) o contrato de seguro é claro, afirmando que não houve prestação de serviços defeituosa ou publicidade enganosa por parte da Ré.
Consequentemente, pede-se seja declarada a incompetência absoluta do Poder Judiciário da República Federativa do Brasil para dirimir a disputa objeto dos presentes autos. Subsidiariamente, requer-se, na hipótese do não atendimento do primeiro pleito, seja mantida a decisão de primeira instância.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).