Recebemos do advogado Durval de Noronha Goyos Jr. correspondência na qual responde à carta do ex-ministro Celso Lafer, publicada na edição nº 181 de maio. A íntegra da carta do advogado reproduzimos abaixo.

"A pretexto de se defender de minha assertiva de que a sua gestão à frente do Itamaraty "caracterizou-se por uma grande pusilanimidade na condução dos negócios externos do País", Celso Lafer enviou carta ao "Tribuna do Direito", publicada na edição de maio de 2008, na qual atinge minha reputação ao questionar minha condição de árbitro do Brasil no Gatt e na OMC.

São inverídicas as referidas alegações, senão vejamos. O artigo 8.1 do Entendimento para a Resolução de Disputas da OMC (ERD) determina que os painéis de arbitragem sejam compostos de pessoas qualificadas da área governamental e não-governamental.

O secretariado da OMC manterá uma lista de pessoas qualificadas para tanto (artigo 8.4). Tais pessoas devem ter a experiência de ter servido como representante de um membro ou parte contratante do Gatt 1947 ou como um representante ao Conselho ou Comitê de qualquer acordo da OMC ou de seus antecedentes, ou no secretariado, ensinado ou publicado a respeito de direito ou política do direito do comércio internacional, ou servido como funcionário público na área de comércio exterior de um membro (artigo 8.1), in fine.

Os países membros da OMC poderão, de tempos em tempos, sugerir uma relação de nomes de árbitros governamentais e não-governamentais, para a apreciação e eventual aprovação do Órgão de Resolução de Disputas (ORD) da OMC, proporcionando a informação a respeito do respectivo conhecimento das áreas relevantes (artigo 8.4, in fine). Assim, não cabe ao Estado-membro, no caso o Brasil, nomear um árbitro da OMC, mas apenas sugerir um nome para a aprovação do ORD. Esse sistema é similar ao que vigorava no velho Gatt.

Pois bem, meu nome foi apresentado pelo governo de Itamar Franco em 1994 ao secretariado do Gatt e fui então aprovado pelas partes contratantes e relacionado como árbitro, conforme pode ser verificado no sítio oficial da OMC em http://www.wto.org/gatt_docs/english/sulpdf/91770028.pdf e http://www.wto.org/gatt_docs/english/sulpdf/91790135.pdf. Com a conclusão da Rodada Uruguai em 1994 e a criação da OMC, a partir de 1995, fui reapresentado pelo governo de FHC, quando era ministro o embaixador Lampreia, e aprovado pelo ORD, como pode ser constatado em http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/dsu_04_e.htm#fnt334.

Portanto, resta claro pelo ERD que o poder de nomeação não é do Estado-membro, que pode apenas indicar, mas sim da OMC, situação semelhante àquela dos tribunais superiores no Brasil. Assim, quem não pode nomear, não pode destituir e o fato de meu nome não aparecer nas listas posteriores apresentadas pelo Brasil não desqualifica, desnatura ou cancela a nomeação do Gatt e da OMC.

A lista de árbitros apresentada por Celso Lafer não é verdadeira, pois elenca diplomatas ou funcionários públicos que, embora probos, não tiveram seus nomes apresentados pelo Brasil, que não tiveram sua experiência e credenciais analisadas pelo ORD para fins do artigo 8.1. Assim, de acordo com o sofisma de Celso Lafer, o cirurgião-dentista seria não o credenciado pelo Conselho de Odontologia, mas sim o açougueiro que arranca um dente.

Tal sofística mendaz é bastante indicativa do perfil de Celso Lafer, considerado "o pior chanceler da história do Itamaraty", pelo grande historiador Moniz Bandeira na importante obra As Relações Perigosas: Brasil-Estados Unidos, destacando as "iniciativas e atitudes subservientes e servis tomadas pelo chanceler Celso Lafer". Em Relações Perigosas, que foi excluída da bibliografia auto-laudatória citada por Celso Lafer, Moniz Bandeira analisa como se portou o ex-ministro no caso da OPAQ, quando favoreceu os EUA; no caso da Alca, que teria sido desastrosa para o País; e no caso da "lei da mordaça" quando pretendeu revogar as garantias constitucionais.

A respeito dos mesmos temas, recomendo ainda a leitura de "A primeira vítima da Alca", por Moacir Werneck de Castro ("Jornal do Brasil", em 9/5/2001); por José Maurício Bustani, "O Brasil e a OPAQ: diplomacia e defesa do sistema multilateral sob ataque" (Revista de Estudos Avançados, USP, 16 46 2002); e a entrevista concedida por Samuel Pinheiro Guimarães sob o título "O inimigo número 1 da Alca" ("Correio Braziliense" em 19/4/2001). Sobretudo, recomendo a consulta, nos serviços de buscas da internet dos seguintes termos "sem sapatos celso lafer", em que aparecem mais de 12.200 resultados (consulta realizada em www.google.com.br em 10/5/2008) a demonstrar a mais profunda indignação nacional pelo episódio que relatei em minha entrevista. São todos elementos que endossam a avaliação que fiz do ex-chanceler.

A humilhação a que se submeteu o então ministro levou o presidente Lula a declarar a respeito da política externa de Celso Lafer: "Resolvemos deixar de ser tratados como pequenos. Ninguém respeita quem vai negociar de cabeça baixa ou representante de Estado que tira sapato no aeroporto para entrar em países dos outros."

Por último, ressalte-se o resultado patético da combinação da soberba com o autoritarismo canhestro de quem instituiu a "lei da mordaça" ao me pretender negar o locus standi e, bem assim, inter alia os meus direitos à livre expressão e ao direito de ação, garantias constitucionais das quais pretendo sempre me valer."