Apresentação oral proferida na sede da Casa de Portugal, São Paulo, Brasil, 11 de março de 2020.
Senhoras e Senhores, Caras Amigas e Amigos,
Temos hoje a grande satisfação de receber na Casa de Portugal, em São Paulo de Piratininga, Dom Duarte Pio, o Duque de Bragança, pretendente dinástico à coroa portuguesa, e reconhecido de fato pelo protocolo de Estado da República Portuguesa como representante da nação portuguesa. Dom Duarte é um incansável defensor da Lusofonia e a propaga mundo afora, dando com abnegação e empenho o seu exemplo pessoal na defesa dos valores e princípios que nos são caros e nos acompanham de perto há séculos.
Os princípios da Lusofonia foram disseminados mundo afora com a primeira globalização, aquela impulsionada por Portugal, através da época dos descobrimentos e expressa nas ações, escritos e pregões de seus homens de Estado, intelectuais e religiosos. Tais princípios compreenderam um humanismo incipiente e original para o século XVI, naquilo em que o Estado português e seus agentes promoviam a tolerância como política oficial, através do incentivo à miscigenação racial. Ademais, os direitos humanos foram reforçados por pregadores como o extraordinário Padre Vieira (1608-1697), o primeiro europeu a defender a incolumidade dos habitantes nativos das Américas. Movido pela força do bem, pelo instinto de luta e pela eficiência da palavra, Padre Vieira promoveu os melhores valores de ética pública, já no século XVII.
A Lusofonia foi impulsionada pela língua portuguesa, sedimentada antes de todas as outras línguas europeias num patamar então ainda não alcançado no ocidente. No Brasil continental, na África e na Ásia, o português tornou-se a língua franca para o comércio e para a navegação, já no início do século XVI . Quando, mais de 100 anos após, chegaram os holandeses, franceses e ingleses, depararam-se eles com a necessidade de aprender a língua portuguesa, para fins de comunicação local, não sem alguma resistência e certa irritação. Por ocasião da criação de uma universidade em Lisboa, em 1288, já se usava o português nos documentos oficiais e , até mesmo, nos escritos eclesiásticos. Naquela época, a língua oficial da Inglaterra era o francês. A língua inglesa somente se sedimentou cerca de 4 séculos após!
Com a prosperidade gerada pelo comércio nos séculos XV e XVI, as caravelas portuguesas, que navegavam em velas engalanadas com a Cruz de Cristo, não apenas disseminaram a língua, mas também a cultura expressa na arquitetura, cartografia, pintura, tecnologia, escultura e, principalmente, na literatura. No dia 8 de junho de 1502, Gil Vicente encenou o Auto do Vaqueiro. Logo após, Garcia de Rezende publicou um Cancioneiro Geral, com cerca de 200 autores, dentre os quais meu ancestral, Manuel de Goyos, que foi porteiro mor de Dom Manuel, o Venturoso. Cerca de 50 anos após, Camões escreveu Os Lusíadas. Na época, não existia a língua inglesa.
No período dos Descobrimentos, desenvolveu-se em Portugal um fenômeno sem precedentes históricos na Europa, que foi uma vasta literatura a respeito de eventos globais, a registrar o protagonismo e as conquistas dos portugueses. Esta literatura abrange não apenas a historiografia e a cronística ultramarina, como também as narrativas épicas, as biografias, a ação missionária e religiosa, a ficção de viagens, para além dos trabalhos científicos sobre navegação, geografia, botânica, medicina, agricultura e de ordem jurídica. Ação religiosa, assistencial, educacional e social das ordens católicas promoveu os valores cristãos e produziu obras diversas, inclusive na área cultural, com dicionários de tupi-guarani, chinês e japonês que antecederam os dicionários da língua inglesa .
A presença portuguesa no mundo se fez acompanhar das atividades assistenciais e educacionais (e ocasionalmente, também militares) das ordens religiosas, que então faziam parte integrante do Reino de Portugal. Assim, por inspiração da Rainha Isabel, no final do século XV, foram criadas as santas casas de misericórdia, por todo o mundo lusófono, incluindo em Portugal, Brasil, África, Índia, China e onde mais houvesse a presença do português. Estas iniciativas, reconhecidas internacionalmente, contribuíram para disseminar a caridade cristã, a tolerância, o respeito, o amor ao conhecimento, dentre outros valores que nos são caros.
Pois bem, o apoio às comunidades portuguesas no mundo tem recebido a maior atenção de Dom Duarte. Esta ação é desenvolvida principalmente, mas não apenas, através a Fundação D. Manuel II, constituída em 1966. No Brasil, recentemente, a Fundação D. Manuel II, através de um acordo com a Fundação Padre Anchieta, de São Paulo, promoveu uma ação afirmativa em prol da sedimentação da língua portuguesa no Timor Leste, com o fornecimento de material escrito e áudio visual. Com a mesma parceira brasileira, foi desenvolvido um programa de cooperação com universidades lusófonas, mundo afora. Como reconhecimento de seu árduo e decisivo trabalho em prol da língua portuguesa, Dom Duarte recebeu a comenda Jorge Amado, da União Brasileira de Escritores (UBE), em 2015, durante minha gestão de 5 anos como presidente da entidade.
Na defesa da mesma nobre causa de todos nós, Maria de Jesus Barroso Soares observou com toda propriedade que “falar bem português não é apenas uma responsabilidade de erudito, mas sim um dever de todos. Ou, dito de uma maneira mais otimista, falar bem português é um direito de todos, sobretudo dos jovens, pois são eles os destinatários de uma herança secular que têm de legar, enriquecida, às gerações futuras”.
A respeito da história, Dom Duarte teve a oportunidade de observar que “se nós desprezarmos o nosso passado e a nossa identidade cultural, estamos a desprezar-nos a nós próprios. E é contra essa atitude que a televisão e os manuais escolares deveriam trabalhar ”. Ele indicou ainda que “não é possível a democracia plena, isto é, a liberdade de cada um dentro de uma esfera nacional soberana, sem a continuada afirmação de uma verdadeira identidade vivida no plano da Política e no plano da Cultura ”. Da mesma maneira, Dom Duarte repudia a visão fascista de que “o Estado tem sempre razão”. “Como cristão, só concebe a perfeição como algo de divino; como patriota e democrata nunca esquece que a grandeza nacional é assombrada por crimes por ordem do Estado ”.
Em seu trabalho mundo afora em prol da lusofonia, Dom Duarte de Bragança dedicou-se a amplos diálogos com todas as correntes religiosas e políticas, numa viva demonstração de tolerância, respeito e atenção. A respeito de uma troca de ideias com ele na Câmara de Odivelas, Mário Soares escreveu que “o debate foi mais do que tranquilo, divertido”. Tornou-se assim Dom Duarte um personagem amado, respeitado e admirado mundo afora. No Brasil, Dom Duarte desenvolveu uma sólida rede de amizades, com profícua troca de ideias, com muitos intelectuais, dentre os quais o extraordinário Gilberto Freyre, o notável Ariano Suassuna e o grande Luiz Alberto Moniz Bandeira, o maior historiador brasileiro de todos os tempos, que a ele dedicou diversas de suas importantes obras.
De minha parte, na qualidade de conselheiro e diretor de lusofonia da Casa de Portugal, tenho a enorme satisfação em dar as boas vindas a um grande homem, também um caro e especial amigo de algumas décadas, cujos laços familiares com a família Noronha datam do século XV, com o casamento de Dom Afonso, o primeiro Duque de Bragança, com Dona Constança de Noronha, de Castela, filha do conde de Gijón e Noronha .
Senhoras e Senhores, Caros Amigas e Amigos portugueses e luso-descendentes, tenho a honra de passar a palavra ao grande campeão da causa lusófona, Dom Duarte Pio, o Duque de Bragança.
1 Por ocasião da outorga da comenda Infante Dom Henrique da Casa de Portugal no Brasil. São Paulo, 10 de março de 2020.
2 Conselheiro e Diretor de Lusofonia da Casa de Portugal em São Paulo. Advogado qualificado no Brasil, Inglaterra, Gales e Portugal. Da Academia de Letras e Artes de Portugal.
3 Goyos Jr., Durval de Noronha, Relembrando o Português com Dicionário de Anglicismos, Observador Legal Editora, São Paulo, 1998, página 63;
4 Boxer, C.R., The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825, Carcanet, Reino Unido, 1991.
5 Goyos Jr., Durval de Noronha, Os Monges Guerreiros de Goyos e a Ordem do Hospital em Portugal, UBE, São Paulo, 2018, página 149 et seq.
6 Barroso Soares, Maria de Jesus, A Firmeza das Convicções, Editorial Inquérito, Sintra – Mem Martins, 1998, página 70.
7 Henriques, Mendo Castro, Dom Duarte e a Democracia – Uma Biografia Portuguesa, Bertrand Editora, Lisboa, 2007, página 78 et seq.
8 Henriques, Mendo Castro, op. cit., página 78 et seq.
9 Henriques, Mendo Castro, op. cit, página 307.
10 Soares, Mário, Um Político Assume-se, Temas e Debates, Lisboa, 2011, página 498.
11 Cruz Coelho, Maria Helena da, D. João I, Temas e Debates, Lisboa, 2008, páginas 178 e 179.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).