Nos meus mais de 30 anos de experiência na advocacia internacional e em negociações comerciais multilaterais e regionais entre Estados, bem como naquelas atinentes ao setor privado, tenho me deparado com muita freqüência com a falta de atenção a fundamentos básicos para tratativas bem sucedidas, por parte de muitos agentes públicos e mesmo em representantes empresariais. Desta forma, optei por começar minha apresentação de hoje com alguns fundamentos básicos sobre o tema, aplicáveis somente ao direito internacional público e às negociações entre Estados, devido à natureza da palestra.
Poucos se dão conta que tão importantes quanto as negociações propriamente ditas, estão as tratativas preliminares às negociações. Freqüentemente, na formatação acertada nas tratativas preliminares está embutida toda a vantagem a ser obtida por um Estado num acordo bilateral, regional ou multilateral.
As tratativas preliminares de uma negociação internacional pública estão direcionadas à obtenção de um acordo em três áreas distintas. A primeira delas diz respeito à concordância de que a negociação poderá ser satisfatória para as partes envolvidas. A segunda é pertinente a um acordo sobre a agenda temática a ser tratada. E a terceira diz respeito à forma ou procedimentos em que as negociações deverão ser conduzidas.
Quanto à primeira área, a concordância sobre o interesse das partes nas negociações é, de fato, fundamental. Havendo o desinteresse, as negociações devem ser declinadas, não somente porque as negociações de má fé são vedadas pelo direito internacional, da mesma forma que Estados mais fracos podem submeter-se a pressões extraordinárias por parte daqueles mais fortes durante o processo. Isto ocorre na prática ainda que a coação seja igualmente vedada pelo direito internacional. Esta necessidade fica bastante clara entre dois estados soberanos quando, numa situação de impasse, ambos têm o direito de veto a uma eventual solução. Em negociações multilaterais comerciais, onde o consenso é uma necessidade para uma deliberação válida, o poder de veto é mais difuso, embora as pressões do grupo majoritário ou mais poderoso sejam proporcionalmente mais fortes.
Freqüentemente, como parte do processo de convencimento de um Estado a respeito da conveniência de uma negociação, ocorre a sugestão de uma fórmula ou formatação de um possível entendimento. Estas formatações devem ser necessariamente vagas e abrangentes, para permitir campo de manobra para os negociadores. Ocasionalmente, elas igualmente obfuscam as diferenças, uma das grandes funções da diplomacia, de maneira a atrair as partes para as mesas de negociações. Muitos Estados periféricos são atraídos para negociações desinteressantes com Estados hegemônicos dessa maneira. Muitas vezes, as fórmulas são apresentadas por organismos internacionais, pessoas jurídicas de direito internacional público, como bons ofícios para a solução de impasses políticos.
Uma vez havida a concordância recíproca, plurilateral ou multilateral sobre a conveniência de se conduzir negociações, então ocorre a necessidade da definição da agenda dos entendimentos a serem levados a efeito, a segunda área referida inicialmente. Trata-se da parte mais sensível do processo de entendimentos preliminares e uma que poderá definir de antemão o sucesso dos interesses de um Estado em detrimento dos interesses de outro. Surpreendentemente, todavia, em todo processo negociador, esta é a fase que nas mais das vezes recebe a menor atenção e é delegada a agentes negociadores subalternos e/ou inexperientes.
Quando negociada seriamente, a fase da formatação da agenda é quase sempre controversial. Isto ocorre porque muitas vezes sua redação pode indicar que uma das partes já formulou uma concessão num dos pontos a serem tratados. Uma proposta de agenda pode mesmo implicar num acordo sobre a assinatura de um tratado, como desgraçadamente ocorreu na infame Declaração das Américas que lançou as negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Por outro lado, ocorre ocasionalmente que as agendas sejam utilizadas para fins de propaganda, tanto doméstica, com fins políticos internos, em épocas de eleições, por exemplo, como também para fins da opinião pública internacional, em questões onde haja uma motivação pública muito grande e que possam afetar interesses econômicos e políticos diversos. À guisa de exemplo, tivemos num passado não muito distante as negociações sobre os medicamentos genéricos para o tratamento de doenças endêmicas, que tiveram, de um lado, os Estados Unidos da América (EUA) e a Suíça, e de outro diversos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil e a República da África do Sul. Muito embora a tradição diplomática seja no sentido de agendas confidenciais, o recurso às tratativas sub rosa sofre hoje os obstáculos da necessidade de controle democrático das ações dos agentes diplomáticos, da vontade da opinião pública em ver ações transparentes por parte de seus governos e de ser informada, bem como das pressões saudáveis dos critérios de governança nas ações públicas.
Da mesma forma, também a ordem em que os pontos de negociação são colocados na agenda pode, e freqüentemente é, ser objeto de disputa. Muitas vezes, o impasse na ordem é superado pela criação de condições da validade das primeiras concessões a depender de concessões que venham a ser feitas posteriormente. Um mecanismo utilizado para tanto nas negociações comerciais multilaterais, bem como regionais, é o do chamado single undertaking, ou compromisso único em vernáculo, e que significa que uma concessão (i.e. um tratado setorial, por exemplo) num ponto da pauta de negociações só é válida se houver concessões em todas as outras áreas (i.e. todos os outros tratados setoriais).
Com relação à terceira área, os procedimentos da negociação são igualmente importantes. Onde conduzir as negociações, por exemplo. No território de que Estado negociante? Em que terceiro Estado? Em que local? As negociações devem ser diretas ou indiretas? Far-se-á uso de bons ofícios? Em caso positivo, de que Estado(s) ou organismo internacional? Também ocorre definir qual a composição das respectivas delegações. Por último, deve-se decidir se haverá ou não termo final para as negociações. No caso daquelas comerciais regionais objetivando a criação da ALCA, definiu-se um termo final para a conclusão das tratativas.
Terminados satisfatoriamente os três estágios das tratativas preliminares, poder-se-á passar em seguida às negociações substantivas. Se as tratativas preliminares já tiverem dado uma formatação ou fórmula das negociações, então estas serão simplificadas. Caso contrário, impõe-se, em primeiro lugar a sua definição. As principais características de uma boa fórmula são: abrangência, equilíbrio ou eqüidade e flexibilidade. Em seguida, haverá a árdua fase da negociação dos detalhes, que poderá ser conduzida ou passo a passo ou mediante entendimentos abrangentes.
Na fase dos detalhes, o trabalho é exaustivo e pode levar muito tempo para produzir efeitos. Muitas vezes, um largo período e muito esforço são despendidos apenas para as definições dos termos aplicáveis. É de se notar que, no direito internacional, não há uma definição pré-determinada da vasta maioria do vocabulário técnico específico a uma negociação, sendo importante o respectivo esclarecimento. Com muita freqüência, nesta fase faz-se necessária a presença de especialistas em diversas áreas distintas. Esses especialistas não têm necessariamente posições de alta hierarquia e devem consultar seus superiores, o que não somente atrasa os trabalhos, como também pode criar sérios embaraços durante as negociações. Mais ainda, há o peso da responsabilidade dos negociadores na precisão na decisão e na linguagem a ser colocada no tratado, o que implica num detalhamento às vezes excessivo e às vezes em tentativas de alterações em mecanismos já acordados, o que pode colocar todo o trabalho feito a perder.
Chegado a um acordo, é então celebrado um correspondente tratado internacional. De acordo com o artigo 2 (1) (a) da Convenção de Viena sobre a Lei dos Tratados, “um tratado é um acordo internacional concluído entre Estados e regulados pelo direito internacional, ou expresso num único instrumento ou em dois ou mais instrumentos relacionados e irrespectivamente de sua denominação particular”.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).