Nosso país vive um momento "sui generis." Paralelamente a uma das maiores crises econômicas, institucionais e de valores de sua história e a um período de violência nunca visto, uma espécie de letargia atinge a população de forma geral. Fica a impressão de que tudo o que se passa não é aqui, parecendo estarem todos à frente de um aparelho de televisão assistindo a um filme de ficção.

Há uma verdadeira alienação coletiva em relação às realidades econômicas e sociais no país e no mundo, coincidentemente ou propositadamente, quando o prêmio do jogo mais popular e divulgado do país se acumula chegando a valores astronômicos. Cresce a cada dia a procura por jogos de azar que estão prestes a serem oficializados na maioria dos estados brasileiros.

Concomitantemente a tudo isso, as próprias religiões, de modo geral vem disseminando suas crenças através de verdadeiros shows artísticos, pela venda de discos e livros e muitos outros eventos, às vezes transmitidos ao vivo por vários canais de TV.

Também têm se tornado comum os carnavais fora de época, onde verdadeiras empresas são criadas para oferecer a promoção destes festejos com renomados trios elétricos, alguns já com filiais, ou seja, vários grupos musicais com o mesmo nome que pertencem aos mesmos proprietários. Primeiramente, o alvo eram as cidades turísticas, depois, as capitais e agora, até as menores cidades do interior têm seus carnavais acontecendo estrategicamente o ano todo pelo país afora.

Quanto aos veículos de comunicação audiovisuais, para estes, todo e qualquer fato ou acontecimento referente a qualquer pessoa, assim como as mais variadas manifestações artísticas, podem ser transformados em notícias a serem veiculadas, tendência a ser explorada ou, em resumo, produto ou serviço a ser vendido a consumidores fiéis.

Estamos vivendo um momento semelhante ao que precedeu a Revolução Francesa, quando, ante a miséria generalizada e insatisfação popular, a Rainha mandava oferecer pão e circo ao povo, tática anteriormente utilizada pelo Império Romano na Idade Antiga. Esse panorama é nitidamente observado de forma global nos tempos modernos e, em proporções muito maiores, na tentativa dos Estados Unidos, por exemplo, de manter sua hegemonia.

A palavra circo utilizada acima se apresenta nesse atual panorama como "entretenimento," sendo esse, por fim, o objeto de nosso estudo.

Nossa proposta, nessa pequena amostra de algo que se pode explorar dentro do âmbito jurídico-legal, de maneira muito mais aprofundada e seletiva, será de:

 

* provar a importância do entretenimento como influência nos diversos campos da "ação humana";

* demonstrar a necessidade de um apanhado normativo, uma regulamentação para, ao menos, direcionar essa influência;

* apontar a relevância do Direito do entretenimento ante as relações comerciais inerentes ao assunto;

* destacar a cultura dentro do imenso universo do entretenimento e como as empresas podem vir a contribuir com a cultura (de forma vantajosa a elas.)O "entretenimento" pode ser considerado conceito definidor da vida no século 21 em áreas que vão do Direito à Arquitetura, passando pela Economia e o Jornalismo. Tal elemento, que atinge a mente humana com variações e deleite, tem trazido prazer a bilhões em todo o mundo. No entanto, atualmente o "entretenimento" tem sido acusado de prejudicar nossas crianças, diminuir nosso senso crítico desviando nossa atenção, trivializar a cultura, vulgarizar critérios, sancionar a violência, polarizar a população e debilitar insidiosamente a comunidade como um todo.

2.1 Conceito.

Etimologicamente, entretenimento descende do espanhol "entretenir" que significa divertimento, passatempo, distração, o ato de entreter. "The Oxford English Dictionary" aponta o conceito "moderno" do termo que se traduz como "a ação de ocupar a atenção agradavelmente; o que proporciona divertimento ou interesse; ou ainda do próprio espanhol como "performance pública de caráter variado".

Não obstante, entretenimento chega a ser mais antigo do que as pinturas em cavernas da pré-história ou os jogos de criança da era glacial. Nossa espécie, "Homo Sapiens Sapiens", é considerada como "a criatura que brinca" por biólogos evolucionários que dizem termos um tipo de gene cultural para passar o tempo, o sufixo "tenir" significa ocupar, segurar, sustentar. Na política, publicidade, magistério, arte, nas mais diversas áreas da atuação humana, o que se quer é atenção, e de preferência mantê-la (freqüentemente, a qualquer custo).

No entanto, ainda resta a pergunta, entretenimento é tudo? Uma perseguição policial televisionada é entretenimento? A resposta é afirmativa. Assim como também é quanto a um clássico de Franco Zefirelli, uma peça de Shakespeare ou um livro de Paulo Coelho. A idéia é de que o entretenimento pertence tanto a uma cultura requintada quanto popular. Neste caso a arte apresentada por uma instituição sem fins lucrativos faz parte do mesmo gênero do conteúdo explorado no "Rock in Rio número 12". Um museu de arte e o programa do "Ratinho", estão ambos procurando "audiência". Uma noite em uma ópera tem como requisito de seu público, tempo livre e receita disponível da mesma maneira que um jogo de futebol. O registro de uma marca é também requisito, tanto a uma companhia de balé quanto a uma empresa de software.

2.2 Sua importância

No século de Platão, eram evidentes os problemas resultantes do entretenimento. "Quando as pessoas ouvem aos poetas, é como se estivessem sob encanto", ele adverte na República. "Esquecem a si mesmos, tornam-se manipuláveis, irracionais, tudo aquilo que um cidadão ideal não é. O perigo da arte está em seu poder de instituir valores hostis à comunidade". Assim, ele bane o poeta de sua cidade ideal, para nos proteger do que possa nos acontecer quando fascinados.

Qual é a fórmula nos dias de hoje? O que acontece quando "pessoas incríveis" tornam-se mais importantes que informação, educação? O que acontece quando não há mais valores a não ser os valores vomitados pelo "show business"? "Pão e circo" foi a notória fórmula utilizada pelo Império Romano. Quem se beneficia? Quais são os custos?

A relevância do tema vem despertando a atenção de profissionais e acadêmicos em todas as áreas. A "University of Southern Califórnia (USC)" desenvolveu um projeto que faz um estudo profundo do entretenimento, pretendendo analisá-lo em todos os seus aspectos, o qual já recebeu uma contribuição de 5 milhões de dólares. Sua concepção baseia-se na premissa de que hoje, em todas as economias avançadas da Terra, o elemento maior e mais importante do conteúdo cultural é o entretenimento. No campo profissional, a Booz Allen & Hamilton, líder global em consultoria de gestão e de tecnologia, que fornece serviços a clientes como as principais corporações internacionais e governos, em todo o mundo, com faturamento de $ 1,8 bilhões em 2000, possui um setor de atuação mundial especialmente para as áreas de mídia e entretenimento. No livro "The Entertainment Economy", Michael Wolf, sócio-diretor da Booz Allen, estima que cada família americana gaste mais em entretenimento (5,4% do orçamento) do que com roupas e saúde (ambos com 5,2%).

2.3 O Direito e o entretenimento

Com a globalização, estudiosos do assunto afirmam que, países em desenvolvimento como o nosso estariam acelerando esse desenvolvimento se não tivessem sido obrigados a se adaptarem a uma cultura alienígena, resultado da tecnologia disseminada sem qualquer tipo de freios. Dessa teoria, acabam sendo gerados os medos da "homogeneização cultural" e da "sincronia cultural". Em virtude de tais "medos", e ainda temendo o chamado "imperialismo cultural", muitos países criaram políticas protecionistas para manter controle sobre seu conteúdo cultural nacional e alimentar um tipo de "nacionalismo" dentre seus próprios "produtores de entretenimento". França e Canadá, por exemplo, implantaram tais políticas agressivamente, o que, ao que parece, não surtiu efeito, uma vez que o "entretenimento americano" continua a prevalecer em ambos os mercados.

A situação corrente do entretenimento global mostra-se conceitualmente tão complexa quanto economicamente vibrante. Em um mundo de expressiva convergência no que tange aos meios de comunicação em massa, mostra-se extremamente lucrativa a exploração supranacional dos elementos componentes deste novo mercado mundial, que são em sua essência, "audiências" residentes em países e regiões distintas que dividem uma identidade, língua ou afinidade em comum. Essa audiência desafia as fronteiras internacionais e, geralmente, usa a Internet e a TV via satélite para esculpir sua própria personalidade cultural, praticamente independente de sua localização física.

Enquanto as empresas de entretenimento vinham usando a Internet, a princípio como ferramenta exclusivamente promocional, o que já é ultrapassado, a maioria das pesquisas prevê que a rede irá ser realmente fundamental como meio de distribuição dos produtos e serviços de natureza entretenedora, uma vez que permite otimizar o recebimento desse conteúdo, o qual será direcionado direta e individualmente ao consumidor a que se destina. Não poderia haver melhor exemplo para tal tendência que a mega-fusão entre America OnLine (AOL), maior provedora de Internet do mundo e a Time Warner Turner, a qual pode-se caracterizar como, se não a maior, uma das maiores "provedoras de entretenimento do planeta". Cada membro dessa "audiência global" tem identidades sociais múltiplas, norteadas e definidas pelo apanhado de entretenimento à sua disposição. Um egípcio imigrante na Inglaterra, por exemplo, pode se considerar um escocês ao estar assistindo a um canal de televisão de tal localidade.

Relacionado diretamente a tais questões, está o debate que gira em torno da tecnologia. Em virtude de a principal via utilizada pela globalização ser a tecnologia, as duas apresentam-se inextricavelmente ligadas. As inovações tecnológicas têm alterado o perfil do entretenimento pelo fato de estarem reduzindo drasticamente seu custo de produção e distribuição, enquanto aumenta a demanda mundial por estes produtos e serviços. O fato de tais inovações terem se estabelecido com extrema rapidez dificulta ainda mais a resolução para certas questões cruciais. Primeiramente, qual será o papel da Internet na evolução global do entretenimento? Quais serão os efeitos comerciais e culturais do lançamento simultâneo de um "Titanic 2" em todo o globo? Por outro lado, como a tecnologia vai possibilitar a pequenos provedores de entretenimento se destacarem? Como ela tem reforçado ou dissipado identidades e valores culturais em níveis gerais e regionais?

Paralelamente, mostra-se digna de ressalta uma outra faixa desse mesmo espectro, a gigantesca e ainda pouco explorada indústria em torno das personalidades envolvidas com o "show business". Esses negócios, vem se multiplicando em semelhante proporção às inovações tecnológicas, envolvendo verdadeiras estratégias jurídicas desenvolvidas para a proteção do capital de risco de financiadores que vivem nos "bastidores" desse cenário.

Tudo isso se dá com a ligação entre a imagem de uma dessas personalidades a algo vendável, um produto ou serviço. Apenas o comércio de produtos com a imagem de celebridades ou personagens movimenta cerca de 1 bilhão de reais por ano no Brasil, negócio esse basicamente todo baseado em imagens, idéias ou qualquer tipo de propriedade intelectual. No entanto, pode-se dizer ainda que o licenciamento da imagem não é a parcela de maior relevância nos rendimentos dessas celebridades, mas sim o retorno proveniente de campanhas publicitárias, shows, aparições em eventos, venda de discos, contratos com emissoras de televisão etc.

Percebe-se em tal explanação o aparecimento de um novo emaranhado de relações sociais e comerciais, as quais darão margem para o surgimento de novos conflitos, que por sua vez, requerem a atuação do profissional do Direito a fim de prevenir ou impedir tal surgimento e ainda, em caso de inexorável aparecimento, dizimá-los. Assim, dentro da área jurídica-legal, em um país como o Brasil, que não possui um ordenamento normativo suficientemente abrangente para o assunto, devem-se achar e criar ferramentas que respondam à complexa questão que se apresenta numa era de acelerada permuta cultural como a presente. A partir de tais colocações, passam a se originar centenas de outras questões práticas e específicas sobre o tema.Cada vez mais a condição de titular de direitos evolui para níveis de complexidade antes inimaginados, na esteira do vertiginoso desenvolvimento tecnológico propiciado pela revolução digital da informação e das novas modalidades de negócios originárias desse desenvolvimento. A explosão da evolução de áreas como a televisão, o "merchandising" e a Internet criou diversos novos problemas jurídicos e econômicos. Cobrir todas essas possibilidades ou, pelo menos, estudá-las para compreender melhor seu crescimento é atualmente a tarefa daqueles profissionais que desejam encabeçar a vanguarda dentro da ramificação que é o Direito do Entretenimento.

Como já ressaltado, o ordenamento normativo legal brasileiro que determina as regras a serem aplicadas e interpretadas nesse tipo de relação está longe de estender-se sobre todas as situações existentes e que possam a existir dentro dessa vertente. Assim, o profissional do direito deverá recorrer a outras formas de interpretação e análise perante essas situações tendo de aplicar muitas vezes a analogia, o direito comparado, os costumes e os princípios gerais de direito,[1] quando do aconselhamento para a prevenção de conflitos, da verificação da pertinência das hipóteses submetidas ao seu parecer e da sua intervenção na resolução de tais conflitos.

Em verdade, o direito positivo não pode proceder senão por preceitos e disposições de caráter geral, pois que não pode observar cada caso individualmente e as circunstâncias particulares de cada relação de fato. O "direito eqüitativo", classificação utilizada por alguns autores para a utilização das diversas formas de aplicação do direito, é portanto elemento do próprio direito positivo, critério de interpretação em determinadas matérias e não princípio estranho que com ele esteja em conflito.[2]

Assim, a tutela das diversas relações provenientes do "entretenimento" será amparada por um apanhado de leis brasileiras que, se análoga ou eqüitativamente relacionadas entre si e utilizadas juntamente com o direito comparado de países os quais já apresentem doutrina ou jurisprudência referentes ao assunto, costumes e princípios gerais de direito, suprirão a necessidade de disposições específicas ao assunto.

Nesse sentido, as normas às quais uma maior atenção deve ser direcionada são:

a. Lei de Direito Autoral (Lei 9.610 de 19/02/98)

Na norma em voga, o que se protege é o fruto do trabalho criativo, seja no campo das idéias abstratas ou das obras artísticas, quando estas resultam numa obra intelectual, ou seja, uma forma com unidade suficiente para ser reconhecida como ela mesma.

Com poucas exceções, mantém-se na nova lei e se acentua o espírito nitidamente empresarial da lei de direitos autorais anterior (Lei nº 5.988/73). A lei é uma reescrita da lei anterior, com acréscimos, algumas correções e a supressão do intervencionismo na arrecadação de direitos autorais. Os acréscimos se devem aos desafios do desenvolvimento tecnológico outrora referido.

Nela, mantém-se o sistema unitário de tratamento do direito de autor e dos direitos conexos, sob a designação de direitos autorais, neles incluídos os direitos dos artistas intérpretes e executantes (que são por natureza, direitos de personalidade) e os direitos industriais dos produtores de fonogramas e videofonogramas e empresas de radiodifusão.

b) Lei de Propriedade Industrial (Marcas) (Lei 9.279 de 14/05/96)

Neste dispositivo, não é a idéia em si que é protegida, mas sua realização em forma definida.

Todo nome ou sinal hábil para ser aposto a uma mercadoria ou a indicar determinada prestação de serviço e estabelecer entre o consumidor ou usuário e a mercadoria, produto ou serviço uma identificação constitui marca.

Muito embora tais nomes ou sinais não constituam "obras do espírito" (tutela da Lei de Direito Autoral), estão em estreita ligação com tal tipo de atividade, uma vez considerada a exploração comercial das criações artísticas, culturais ou de outra "natureza entretenedora".

Com isso, o dispositivo legal em tela apresenta-se de relevante importância na aplicação do "direito do entretenimento".

c) Convenção universal sobre o direito de autor (Decreto nº 76.905 de 24/12/75)

d) Convenção de Berna (Decreto nº 75.699, de 6 de maio de 1975 )

Relativa à proteção das obras literárias e artísticas de 9 de Setembro de 1886, completada em Paris em 4 de Maio de 1896, revista em Berlim em 13 de Novembro de 1908, completada em Berna em 20 de Março de 1914 e revista em Roma em 2 de Junho de 1928, Bruxelas em 26 de Junho de 1948, em Estocolmo em 14 de Julho de 1967 e em Paris em 24 de Julho de 1971, e modificada em 28 de Setembro de 1979.

Além da tutela do direito autoral e da exclusividade concedida à exploração do entretenimento, poderá ainda o empresário do ramo amparar-se pelas normas de repressão à concorrência desleal, quando não possua outro título que lhe garanta exclusividade sobre a forma dos produtos ou serviços de sua indústria. Os chamados atos confusórios encontram reparação no âmbito penal e civil, em decorrência das normas de repressão à concorrência desleal.

Quanto aos contratos celebrados nesse âmbito, estes deverão obviamente conter os elementos essenciais à existência do ato negocial, previstos no artigo 82 do C.C. No entanto, já existem contratos e instrumentos obrigacionais regularmente praticados no mercado de entretenimento brasileiro para utilização, fruição e/ou exploração econômica de obras intelectuais, incluindo aquisição, venda, cessão, permuta e locação.

Muitos dos contratos praticados no mercado reúnem, a um só tempo, mesmos aspectos das várias diferentes modalidades desse campo, o que se torna fator de complexidade na análise e interpretação desses instrumentos. Essa tendência deverá intensificar-se ainda mais devido ao rápido desenvolvimento do entretenimento já explorado nesse trabalho, que determina uma interdependência entre os negócios praticados e gera novos direitos.

Por fim, o direito do entretenimento ainda pode, secundariamente, estender seus "tentáculos" sobre as mais diversas áreas jurídicas correlatas e não correlatas vez que o entretenimento atualmente representa conceito definidor da vida nesse século, envolvendo assim uma gama imensa dos mais distintos interesses.

Nosso trabalho pretende apresentar uma explanação sobre a direta influência do entretenimento em uma ramificação do direito aparentemente desconexa, no caso a área tributária, como exemplo dessa abrangência inerente ao tema.

Com isso, passamos a uma segunda parte do trabalho, onde serão expostas formas de o empresário em qualquer seguimento e a pessoa física investirem em entretenimento ou cultura, (diferenciação passiva de análise pessoal), utilizando-se de normas do direito tributário.De 15 anos para cá, a prática do marketing cultural vem conquistando um número crescente de empresas. Atingiu, no final da década, um movimento total de 120 milhões de reais. Segundo dados da Delegacia do Ministério da Cultura em São Paulo, das 77.000 empresas paulistas que poderiam se beneficiar das leis de incentivo e associar sua marca a eventos de interesse de seu público, só 1% o fazem. Esse potencial sub-utilizado se dá pela falta de conhecimento das empresas das leis de incentivo fiscal ao patrocínio à cultura. O potencial de crescimento do setor em São Paulo é enorme.

Este trabalho possui o condão de delinear as regras para patrocínio de atividades culturais, utilizando-se das leis de incentivo fiscal.

De acordo com a legislação fiscal pátria, regra geral, são indedutíveis quaisquer doações para efeito de IR e CS, exceto as efetuadas:

a) a instituições de ensino e pesquisa, cuja criação tenha sido autorizada por lei federal;

b) a entidades civis, legalmente constituídas no Brasil, sem fins lucrativos, que prestem serviços gratuitos em benefício de empregados de PJ doadora e respectivos dependentes, ou em benefício da comunidade onde atuem; e

c) a projetos culturais e artísticos – Lei "Rouanet";

Os eventos culturais receberão investimentos através de:

Patrocínio: quando a empresa faz publicidade do seu nome ou da marca de um de seus produtos através do projeto cultural.

Doação: quando não há publicidade do doador vinculada ao projeto cultural.

Investimento: quando há possibilidade de se obter lucro com aplicação do dinheiro na área cultural – como se fossem compradas ações de uma determinada produção.

Lei Rouanet – Lei n.º 8.313, de 23 de dezembro de 1991:

A Lei Rouanet permite que os projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) recebam patrocínios e doações de empresas e pessoas, que poderão abater, ainda que parcialmente, os benefícios concedidos do Imposto de Renda devido. Podem candidatar-se aos benefícios da Lei pessoas físicas ou jurídicas, empresas e instituições com ou sem fins lucrativos, de natureza cultural, e entidades públicas da Administração indireta, tais como Fundações, Autarquias e Institutos, desde que dotados de personalidade jurídica própria e, também, de natureza cultural.

Os projetos devem destinar-se a desenvolver as formas de expressão, os modos de criar e fazer, os processos de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro, e os estudos e métodos de interpretação da realidade cultural, bem como contribuir para propiciar meios que permitam o conhecimento dos bens e valores artísticos e culturais, compreendendo os seguintes segmentos:

I – teatro, dança, circo, ópera, mímica e congêneres;

II – produção cinematográfica, videográfica, fotográfica, discográfica e congêneres;

III – literatura, inclusive obras de referência;

IV – música;

V – artes plásticas, artes gráficas, gravuras, cartazes, filatelia e congêneres;

VI – folclore e artesanato;

VII – patrimônio cultural, inclusive histórico, arquitetônico, arqueológico, bibliotecas, museus, arquivos e demais acervos;

VIII – humanidades; e

IX – rádio e televisão, educativas e culturais, de caráter não comercial.

O projeto deve ter temática centrada nas áreas e segmentos definidos na Lei. Do mesmo modo, o projeto deve trazer benefícios para a população. Além de incrementar a produção, a Lei n.º 8.313/98 se destina a democratizar o acesso da população a bens culturais. Mecanismos que facilitem este acesso (ingressos a preços populares ou entradas gratuitas em espetáculos, distribuição de livros para bibliotecas, exposições de artes abertas etc.) são fundamentais para o cumprimento desta finalidade. Faz parte, ainda, da filosofia da Lei a destinação do máximo de recursos possíveis para a atividade-fim, ou seja, o projeto cultural.

Dos Incentivos da Lei:

* Pessoa Física: patrocínio: dedução direta do IRPF de 60%.

doação: dedução direta do IRPF de 80%.

Limite: 6% (a ser considerado em conjunto com as doações incentivadas pela Lei do Audiovisual.

* Pessoa Jurídica: patrocínio: dedução direto do IRPJ de 30%.

doação: dedução direta do IRPJ de 40%.

Limite: 4% (a ser considerado em conjunto com as doações incentivadas pela Lei do Audiovisual).

* Abatimento de 100% do valor incentivado como Despesa Operacional. Dedutibilidade da despesa para efeito de cálculo do IRPJ devido e da CS. Subtrai-se o valor gasto em patrocínio da base de cálculo do IR devido na ”forma de lançamento no balanço como despesa operacional.

Exemplo prático de aplicação da Lei Rouanet:

A tabela abaixo mostra o exemplo hipotético de uma empresa que possui rendimento líquido de R$ 1 milhão em dois casos: sem incentivo cultural e incentivo como patrocínio a um projeto cultural no valor da cota estimada em R$ 10 Mil:

Itens Tributários

Sem Incentivo à Cultura

Incentivo por Patrocínio de R$ 10 Mil

(1) Lucro Líquido

1.000.000,00

1.000.000,00

(2) Valor do Incentivo *

0,00

10.000,00

(3) Novo Lucro Líquido

1.000.000,00

990.000,00

(4) Contribuição Social (9% de (3))

90.000

89.100

(5) Lucro Real ((3) – (4))

910.000,00

900.900,00

(6) IR devido (15% de (5)) **

136.500,00

135.135,00

(7) Dedução permitida do IR pela Lei Rouanet ***

0,00

3.000,00

(8) IR a ser pago

136.500,00

132.135,00

(9) Total de Impostos pagos ((8) + (4))

226.500,00

221.235,00

Observações:

* O valor da doação/patrocínio é abatido como Despesa Operacional.

** Alíquota de 15% sobre o Lucro Real. Acima do teto de R$ 240 Mil, sofre uma incidência adicional de 10%. Variável de acordo com outros benefícios.

*** Lei 8.313/91,onde a dedução pode ser de 30% para Patrocínio ou 40% para Doação sobre o valor do incentivo, limitados em até 4 % do IR devido. Em alguns casos, não chegaríamos a uma definição sobre estes dois tipos de mecenato.Para um incentivo de R$ 10 Mil, a empresa realmente gastou 5.265,00 com o projeto.

Lei n.º 9.874, de 23 de novembro de 1999 (antiga MP 1.589/97):

Altera dispositivos da Lei Rouanet.

Os projetos culturais previamente aprovados relativos às hipóteses abaixo, permitem a dedução de 100% do valor das doações e patrocínios realizados (não pode haver, nesses casos, dedução como despesa operacional):

* Artes cênicas;

* Livros de valor artístico, literário ou humanístico;

* Música erudita ou instrumental;

* Circulação de exposições de artes plásticas;

* Doações de acervos para bibliotecas públicas e para museus.

Lei do Audiovisual – Lei n.º 8.685, de 20 de julho de 1993:

Esta Lei Federal oferece incentivos fiscais para produtores, exibidores, distribuidores e fornecedores de equipamentos e infra-estrutura para a produção de filmes brasileiros; ou seja, é uma lei específica para o cinema nacional.

Esta Lei considera obras audiovisuais as produções de cinema em película, com ou sem som. Não são consideradas como obras audiovisuais, para os efeitos de incentivo desta lei, nem as produções em vídeo nem os filmes publicitários, mesmo que institucionais, nem as obras produzidas por empresas de radiodifusão de caráter comercial.

Sua lógica está baseada em quotas representativas de direitos de comercialização sobre as obras audiovisuais cinematográficas brasileiras. Isto faz com que o incentivador seja também um investidor, desde que tal investimento seja realizado no mercado de capitais (bolsa de valores e lucros com bilheteria). Os limites máximos para estes investimentos são: pessoa jurídica: 3% do imposto devido, podendo-se abater o total dos investimentos também como despesa operacional; pessoa física tem abatimento de 5% do imposto devido.

Lei Mendonça – Lei n.º 10.923, de 30 de dezembro de 1990:

Promovida pelo então vereador Marcos Mendonça, esta lei Municipal dispõe sobre incentivo fiscal para a realização de projetos culturais, no âmbito do município de São Paulo, permitindo aos aplicadores, pessoas físicas ou jurídicas, redução nos impostos municipais: IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços), até 70% do valor incentivado, desde que não ultrapasse 20% do valor devido destes impostos.