SÃO PAULO – A República Popular de Bangladesh, um país do qual eu fui, já há algum tempo, cônsul geral honorário em São Paulo por um período de aproximadamente dois anos, obteve sua independência do Paquistão em 1971, após violentos conflitos que muitos sofrimentos trouxeram à população civil.
A nova República orgulhava-se, justificadamente, de ser uma das maiores, senão a maior democracia islâmica do mundo. Os muçulmanos representam cerca de 80% de seu povo.
Bangladesh, no entanto, debatia-se, como ainda hoje o faz, na mais absoluta pobreza. Com uma população de cerca de 150 milhões de pessoas, o país tem um Produto Interno Bruto de apenas US$ 52 bilhões, o que implica numa renda per capita de apenas US$ 350, uma renda medial inferior a US$ 1 por dia. As reservas externas do país são de apenas US$ 2,5 bilhões, o que garante menos de três meses de importações.
Situado no sudoeste da Ásia, Bangladesh tem uma densidade demográfica de mais de mil habitantes por quilometro quadrado, grandes contingentes populacionais habitam áreas costeiras altamente vulneráveis a desastres naturais. Apesar disso, cerca de 24% do seu PIB é originário do setor agrícola.
Com tal quadro, não é de se surpreender que Bangladesh tenha sido, desde sua fundação, um dos maiores recipientes de ajuda humanitária no mundo. Contudo, como ocorre na maioria das vezes, a ajuda humanitária recebida pelo país teve o efeito perverso de alimentar a corrupção nos quadros dirigentes.
Assim, as eleições gerais marcadas para o final de janeiro de 2007 sofreram o boicote de um dos principais partidos políticos, a Liga Awami, que foi acompanhada por 18 outros aliados menores. Irrompeu, então, a mais generalizada violência entre os partidários da oposição e do governo, liderado pelo Partido Nacionalista de Bangladesh, o BNP. Tal ocorreu apesar das eleições, de acordo com o direito constitucional do país, serem organizadas por um governo interino, supostamente neutro.
Diante da ameaça de profunda anarquia, capaz de desestruturar seriamente as frágeis instituições locais, as forças armadas impuseram uma administração transitória, mediante a declaração do estado de emergência, em janeiro de 2007. O governo interino lançou-se imediatamente contra a classe política quase como um todo.
A ex-primeira ministra de Bangladesh, Khaleda Zia encontra-se sob regime de prisão domiciliar e seu filho está encarcerado, acusado de corrupção, enquanto a líder da oposição, Sheik Hasina, da Liga Awami, é indiciada por homicídio.
Devido às graves dificuldades do país, o comandante do exército expressou suas dúvidas sobre a viabilidade da democracia representativa no país. Trata-se de uma declaração que enseja profundas preocupações a respeito do futuro do Estado de Bangladesh. De fato, não há tirania que seja mais vantajosa do que o Estado de Direito, por mais difíceis que sejam as vicissitudes deste último.
É chegado momento de Bangladesh receber uma importante ajuda humanitária da comunidade internacional, ou seja, aquela para a retomada do regime constitucional no país.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).