O Ministério das Relações Exteriores publicou no último dia 17, em Bruxelas, um edital de licitação para a contratação de serviços de escritório de advocacia para assistir ao governo brasileiro na participação em processos contenciosos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O edital estabelece que os escritórios devem ter gabinetes próprios em Bruxelas, com pelo menos cinco advogados que atuem na área de comércio internacional, e em Washington, com pelo menos 15 advogados na mesma área, mantidos há no mínimo dois anos. Ou seja, exclui da disputa as bancas brasileiras, que nos últimos anos vem investindo na formação de advogados para atuar na OMC. Os escritórios brasileiros poderão participar apenas associados aos estrangeiros.
De acordo com uma fonte do Itamaraty, antes da publicação do edital foi feita uma consulta à Advocacia-Geral da União (AGU), que entendeu que, se não fossem escritórios estrangeiros, caberia à própria AGU – que anunciou no início do mês a criação de uma procuradoria internacional – assessorar o governo na OMC. "Se não houvesse esse impedimento da AGU, a licitação seria voltada aos escritórios brasileiros", diz a fonte, que afirma ainda que os escritórios brasileiros não foram excluídos porque podem se associar às bancas internacionais. O edital estabelece que, caso o concorrente não tenha um escritório no Brasil, deve buscar uma associação com uma banca brasileira que tenha experiência comprovada na área de direito internacional. Procurada pelo Valor, a AGU informou apenas, por meio de sua assessoria de imprensa, que não foi encaminhada qualquer orientação sobre a contratação de bancas de advocacia nacionais ou estrangeiras.
A reação dos escritórios de advocacia brasileiros à publicação do edital foi de decepção. "Fizemos investimentos muito altos para capacitar profissionais e, na hora de atuar, fomos barrados no baile", diz Carlos Roberto Siqueira Castro, do escritório Siqueira Castro Advogados. Para Durval de Noronha Goyos, árbitro da OMC e sócio do Noronha Advogados, o edital de licitação do governo desestimula a advocacia brasileira. Além disso, segundo ele, é ilegal – já que as exigências do edital estariam ferindo a legislação brasileira que estabelece as regras para as licitações. Segundo ele, a Lei nº 8.666, de 1993, veda o estabelecimento de preferências em razão de naturalidade, sede ou domicílio dos licitantes. Para Noronha, os requisitos do edital não fazem sentido. "Os escritórios brasileiros têm um nível de capacitação igual ou superior aos quadros do Itamaraty", diz. Segundo Ricardo Inglez de Souza, do escritório Demarest & Almeida Advogados, uma solução criativa seria exigir, no edital, que os escritórios estrangeiros contratem uma parcela de profissionais brasileiros para trabalhar em parceria. "Além da defesa dos seus interesses, o governo estaria capacitando profissionais brasileiros", afirma.
Apesar das condições estabelecidas no edital, o treinamento de profissionais para a atuação no exterior tem tido o apoio do Itamaraty. O órgão mantém um programa de especialização de advogados brasileiros em questões da OMC em Genebra, curso que tem duração de quatro meses. "O curso oferece uma capacitação dupla, tanto para atuar com questões envolvendo nações quanto empresas", diz Inglez de Souza, que participou do programa. "No Brasil não existe nenhum curso que prepare para atuar na OMC", diz Ronaldo C. Veirano, sócio do Veirano Advogados, que também conta com profissionais que participaram do treinamento. A banca já atua em casos na OMC e obteve sucesso em dois deles: na defesa da Associação Brasileira de Exportadores de Frango contra a Argentina e a União Européia. Já para Siqueira Castro, outro ponto favorável da atuação das bancas nacionais nos casos na OMC é o maior conhecimento da cultura brasileira, o que facilitaria a defesa de interesses em setores como o agrícola e o industrial. Apesar das vantagens na contratação de bancas brasileiras, Veirano acredita que, nos casos mais sofisticados, talvez os profissionais brasileiros ainda não estejam capacitados para atuarem sozinhos.
Para contornar a pouca experiência, a busca de especialização no exterior tem sido uma prática comum nas bancas. Segundo o advogado Mauro Berenholc, do escritório Pinheiro Neto Advogados, o aumento do contencioso na OMC nos últimos anos fez com que o escritório incentivasse os cursos no exterior. A banca tem cerca de 15 profissionais por ano que se especializam e fazem estágios em escritórios estrangeiros. "Precisamos da especialização, pois atuamos com freqüência em processos que envolvem a importação e exportação de produtos brasileiros", diz.