São Paulo – No dia 17 de junho de 2010, o Diário Oficial da União publicou duas resoluções do Conselho de Ministros da Camex (Câmara de Comércio Exterior), de números 42 e 43, que resolveram pela “suspensão” das resoluções 15 e 16, de 5 e 12 de março de 2010, as quais indicaram listas de mercadorias e de propriedade intelectual para retaliar a condenação de US$ 591 milhões e R$ 238 milhões, respectivamente, contra os Estados Unidos da América, por força de decisão no âmbito do sistema de resolução de disputas da OMC (Organização Mundial do Comércio).
As suspensões referidas foram conseqüência de um acordo formulado pela diplomacia brasileira com os EUA, mediante o qual o Brasil aceita, em primeiro lugar, a soberania do congresso americano para legislar sobre subsídios ainda que ilegais para, em seguida, concordar que o poder legislativo daquele país delibere sobre uma nova lei agrícola, em 2012.
Ao fechar esse extraordinário acordo, os negociadores brasileiros aceitaram trocar o certo pelo incerto, mas previsível. O previsível é que, na hora de votar, os legisladores americanos levarão em consideração apenas os percebidos interesses dos seus constituintes e de seu país. Assim, os interesses brasileiros continuarão a ser solapados.
Quais seriam então os interesses brasileiros? Em primeiro lugar, o da remoção das medidas julgadas ilegais pela OMC, que prejudicaram e prejudicam o setor produtivo no Brasil. Em segundo lugar, o da preservação da ordem jurídica multilateral, com a estrita observância dos tratados internacionais, inclusive com a aplicação de sanções. Em terceiro lugar, a extensão do benefício da remoção das medidas para os outros países produtores de algodão, todos em via de desenvolvimento. Em quarto lugar, a preservação do princípio da moralidade nas tratativas internacionais.
Para que o Brasil aceitasse tão inusitado acordo, os EUA estenderam parcialmente os benefícios do fundo de subsídios para os produtores brasileiros, até 2012, num montante expressivamente abaixo do dano causado ao setor brasileiro nos anos objeto da disputa, ou de US$ 147 milhões por ano.
Mais ainda, os produtores americanos continuarão a receber subsídios em quantias superiores aos brasileiros e aos de outros países em desenvolvimento e manterão, assim, sua vantagem ilegal competitiva nos mercados internacionais, bem como o sentimento de absoluta impunidade quanto aos atos unilaterais dos EUA.
Dessa maneira, os argutos negociadores americanos conseguiram que, por um punhado de dólares, os EUA mantivessem sua política ilegal de sustentação de preços e subsídios aos seus produtores de algodão e sua competitividade relativa no setor, ao mesmo tempo em que desmoralizaram o sistema de resolução de disputas da OMC e a posição do Brasil como líder dos países em desenvolvimento em questões de comércio multilateral.
As tratativas brasileiras com os EUA foram conduzidas pelos mesmos indivíduos que coordenaram a estéril disputa na OMC, os quais agora passarão a defender os programas de subsídios americanos, para projetar uma imagem de grande conquista do Brasil.
Que lástima!
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).