Texto publicado pela Associada do escritório de Londres Carolina Hayashi Descio, Agosto de 2016, Londres, Reino Unido.
No dia 23 de junho de 2016, eleitores britânicos votaram pela saídado Reino Unido da União Europeia (“UE”), o que está sendo chamado pelos veículos de comunicação de “Brexit”. As consequências do Brexit ainda são difíceis de ser mensuradas, mas certamente impactarão nos mais diversos aspectos da economia britânica e, potencialmente, da vida de empresas brasileiras com negócios naquele país.
É importante dizer que a separação não acontecerá da noite para o dia. O primeiro passo para a saída definitiva do Reino Unido da UE é a notificação formal ao Conselho Europeu e, a partir daí, deverão ser seguidos os trâmites estabelecidos pelo Artigo 50 do Tratado de Lisboa. De acordo com o mencionado Artigo, após a notificação ao Conselho Europeu deverá ser iniciada a fase de negociações entre eu e Reino Unido, com o objetivo de negociar os termos e condições da saída do Reino Unido, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União Europeia.
Os Tratados assinados dentro do contexto da UE deixarão de ser aplicáveis ao Reino Unido a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação, a menos que o Conselho Europeu decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.
Do ponto de vista regulatório, ainda há muita incerteza sobre o que acontecerá com os regulamentos vigentes no Reino Unido, os quaistêm origem no quadro normativo regulatório da União Europeia, como aquelas relacionadas àaduana e comércio exterior, fusões e aquisições, transferência de tecnologia e proteção de dados.
Igualmente, questiona-se qual será o efeito da jurisprudência já proferida pelo Tribunal de Justiça Europeu (EuropeanCourtof Justice – ou “ECJ”) sob cuja jurisdição o Reino Unido atualmente está sujeito. Diversos julgamentos proferidos pelas cortes britânicas se baseiam na jurisprudência do ECJ – qual será a consequência para tais julgamentos? Estarão eles sujeitos a revisão, ou ainda serão considerados para casos futuros?
Do ponto de vista tributário, mesmo que nenhuma consequência imediata seja prevista, um estudo publicado pelo International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD) , sediado na Holanda, indicou como o principal ponto de atenção os impostos indiretos: VAT (Value Added Tax, ou imposto sobre o valor agregado) e impostos aduaneiros. Isso porque o VAT foi e é o foco de grande harmonização por parte da União Europeia, haja vista que a existência de diferentes sistemas de VAT em cada um dos Estados-Membros representaria uma enorme dificuldade para a implementação do livre comércio e para a criação de um mercado comum efetivo.
O mencionado estudo indica que, ainda que mudanças significativas na legislação de VAT do Reino Unido não devam ocorrer como consequência do Brexit, o Reino Unido estará livre para ajustar alíquotas aplicáveis a determinados bens e serviços para melhor refletir sua política econômica interna. Com o decorrer dos anos, a tendência é que as regras da União Europeia e do Reino Unido se distanciem, na medida em que as diretivas e as decisões das cortes europeias não terão mais cumprimento obrigatório no Reino Unido.
É importante destacar que o governo britânico, nas semanas que seguiram o anúncio do Brexit, vem reiterando sua intenção de permanecer um país atraente e competitivo para investimentos estrangeiros, não só europeus, mas do resto do mundo.
Em 16 de março de 2016, George Osborne, Chanceler do Tesouro britânico na época (com a entrada da Primeira Ministra Theresa May em 13 de julho, a função de Chanceler do Tesouro britânico passou a ser exercida por Philip Hammond), anunciou que o imposto de renda de pessoas jurídicas será gradualmente reduzido dos atuais 20% para 17% em 2020. Em 03 de julho de 2016, após o referendo, Osborne anunciou a intenção do governo de reduzir ainda mais a alíquota, para 15%, com o objetivo de manter a competitividade nacional e continuar a atrair novos negócios para o Reino Unido.
Em 4 de agosto de 2016, o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, apresentou o Relatório de Estabilidade Financeira, anunciando uma série de medidas que visam manter a estabilidade da economia britânica em face dos impactos do Brexit. Dentre as medidas apresentadas para promover estímulo monetário no país, foi anunciada a redução da taxa de juros de 0,5% para o nível recorde de 0,25%, além dochamado “Term Funding Scheme”, cujas regras visam contribuir para que referida redução seja repassada às famílias e empresas no Reino Unido.
Em que pesem as medidas adotadas pelo governo britânico para promover a estabilidade e atratividade da economia nacional, a grande questão que existe agora é saber quando, como e, principalmente, quais serão as mudanças que ocorrerão em função do Brexit. Somente após uma definição mais clara da política que será adotada pelo novo governo britânico será possível analisar quais serão as consequências para os negócios entre Brasil e Reino Unido. No entanto, a princípio, a saída do Reino Unido da União Européia parece indicar, no médio e longo prazo, que o país estará mais aberto para negociar tratados e regras específicas com outros países não integrantes da União Europeia, inclusive com o Brasil.
Além de britânicos, irlandeses e cidadãos dos países pertencentes à Commonwealth residentes no Reino Unido também votaram no referendo (EU Referendum).
Ambagtsheer-Pakarinen, L., Popa, O., and Vlasceanu, R.. Brexit referendum: tax implications of leave vote. IBFD. 28 June 2016.
Londres, 05 de agosto de 2016.
Carolina Hayashi Descio
Advogada Associada
Sólida experiência corporativa e fiscal, com foco no setor Internacional e Tributação brasileira no ambiente Legal.