São Paulo – Uma das maiores manifestações de vícios da política macroeconômica brasileira das últimas duas décadas é identificável na sobrevalorização da moeda nacional, hoje o Real. Os muitos esforços, todos baldados, para a contenção da inflação já nos governos Sarney (1885-1990) e Collor (1990-1992), na falta de competência e/ou de condições políticas para o equilíbrio orçamentário, resultaram nos planos econômicos então lançados, e de triste memória, que tinham como principal arma o barateamento das importações trazido pela sobrevalorização da moeda nacional.
Nos governos de Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as medidas tomadas com relação ao chamado Plano Real trouxeram um maior grau de disciplina macroeconômica às contas do País, sem no entanto abdicar ao veneno da sobrevalorização cambial, tradicionalmente utilizado no lugar da boa gestão. No governo Lula (2003-), houve a continuidade da política cambial das duas administrações anteriores.
Tal política é detrimental aos interesses nacionais, em primeiro lugar, porque procura substituir a eficiente administração pública pela introdução de um artificialismo macroeconômico perverso e, em segundo, porque prejudica a competitividade econômica do Brasil tanto interna quanto externamente. No âmbito interno, somos prejudicados porque os produtos estrangeiros recebem um incentivo na medida da sobrevalorização do Real, que tem estado no governo Lula, de uma maneira geral, sempre num patamar superior à tarifa alfandegária praticada. No âmbito externo, nossos produtos se tornam mais caros, na mesma medida.
O efeito nos é pernicioso porque a perda da competitividade dos agentes econômicos brasileiros, tanto no próprio território nacional, quanto no exterior, causa a perda de faturamento privado, de investimentos privados, da geração de empregos privados, como também da arrecadação tributária. Outros países, com melhor histórico de sucesso econômico, como a China, praticam política inversa, ou seja, a subvalorização da sua moeda nacional, que traz o efeito oposto de impulsionar a atividade econômica doméstica.
Pois bem, uma das manifestações da crise internacional que se abateu sobre as principais economias mundiais nas últimas semanas diz respeito à iliquidez do sistema. Essa deveria ter sido sentida de maneira muito mais suave sobre a economia brasileira, porque aqui não se cometeram os abusos verificados alhures, notadamente nos Estados Unidos da América (EUA) e na UE (União Européia). No entanto, dentre nós o artificialismo cambial é responsável pela falta de créditos observada como um dos efeitos domésticos da crise que ameaça grandemente a estabilidade econômica nacional.
De fato, grandes perdas se verificaram nos mercados cambiais brasileiros em operações de derivativos que objetivam dar contra garantia ao risco cambial das instituições financeiras que financiam as exportações brasileiras mediante os chamados contratos de adiantamento de câmbio (ACCs), que respondem por cerca de 30% das vendas externas do Brasil. Os agentes financeiros, sabedores da imprudência, insensatez e insustentabilidade da política cambial brasileira, transferiam o risco cambial das operações aos seus financiados, obrigados a fazer a trava adversa como condição de acesso ao crédito.
Tendo se materializado tais perdas e, tanto diante da perspectiva de questionamento judicial dos negócios jurídicos subjacentes, como perante a continuidade do risco cambial do Real, alto na medida de sua sobrevalorização, ou até mais, os bancos tem se recusado a financiar as exportações brasileiras, sem as quais as contas da balança comercial e do balanço de pagamentos não se fecharão.
No momento, o Banco Central do Brasil tem feito pouco mais do que vendido suas reservas para sustentar artificialmente sua política cambial irreal. Enquanto isso, as perspectivas para o setor produtivo brasileiro e para o próprio Brasil não são nada boas e ensejam um alto grau de preocupação.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).