São Paulo – A República Popular da China acumulou, no ano de 2010, um enorme superávit comercial com os Estados Unidos no valor de US$ 181,3 bilhões, o qual representou quase que o volume cheio de seu superávit global de US$ 183,1 bilhões com o resto do mundo. Naquele ano, o comércio externo da China cresceu 34.7% para um total de cerca de US$ 3 trilhões.
O bom e consistente desempenho do comércio externo chinês tem refletido, mais do que nada, as boas condições macro-econômicas do país, sua administração pública competente e um substrato legislativo eficiente, o que o faz muito competitivo no mundo atual. Artificialismos pouco têm a ver com o sucesso chinês.
É hoje bem claro que acessão à OMC (Organização Mundial do Comércio), a qual completará dez anos em dezembro de 2011, acelerou em muito a competitividade internacional da China, por eliminar a discriminação comercial, no âmbito externo, ao mesmo tempo em que induziu uma modernização legislativa doméstica.
O grave desequilíbrio havido com os EUA tem suas razões na própria formatação da economia americana, que transferiu sua indústria de consumo para o país asiático, na busca do fácil lucro privado, mas com graves repercussões macro-econômicas. Mais ainda, os EUA não vendem à China produtos de chamada tecnologia sensível e armamentos, itens que minimizariam certamente o déficit comercial verificado em 2010.
Assim, devido aos seus bons resultados comerciais, a China tem sofrido grandes pressões dos EUA para desvalorizar substancialmente sua moeda, às quais tem resistido. Na realidade, o Yuan tem se desvalorizado nos últimos anos, mas muito menos do que o dólar americano, moeda à qual está atrelada, o mesmo modelo adotado até bem pouco tempo pela maior parte das divisas mundiais.
Como o dólar americano é fundado numa economia falida, na realidade deveria ter se desvalorizado muito mais, o que apenas não ocorreu porque é a principal moeda reserva mundial sem que haja, no momento, um substituto à altura. Assim, a queda da moeda americana traz para baixo o Yuan, situação que não se sustentará no longo prazo.
Tal estado de coisas não se manterá porque a moeda americana deverá ainda despencar, o que acentuará a necessidade de um novo modelo cambial chinês. Note-se igualmente que, além dos desequilíbrios bilaterais com os EUA, a China tem um comércio deformado com a maior parte dos países que hoje praticam o câmbio flutuante, que são muitos, e vêem suas moedas se apreciarem contra o dólar-americano, e conseqüentemente contra o Yuan, mais do que a moeda chinesa.
A China tem se mostrado sensível a tais distorções. Observe-se que o superávit chinês com o resto do mundo em 2010 foi de menos de US$ 2 bilhões. Contudo, a prática do comércio administrado, além de inconsistente com a ordem jurídica multilateral da OMC, não é fácil. Isso porque não se limita às expressões monetárias das trocas externas, mas também à qualidade do intercâmbio, que é o que ocorre como o Brasil, por exemplo.
Enquanto as necessárias condições não se verificam na China para que o governo migre o Yuan do atual atrelamento ao dólar para o câmbio flutuante, deveremos continuar com o comércio administrado, de um lado, e com as medidas de defesa comercial, de outro. Segundo dados do governo chinês, o país asiático foi o pólo passivo de 64 disputas comerciais em 2010, com um valor agregado de cerca de US$ 7 bilhões.
O número de contenciosos comerciais envolvendo a China deverá aumentar em 2011.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).