O dólar americano, segundo dados recentes do FMI (Fundo Monetário Internacional) ainda hoje responde por cerca de 60% das reservas monetárias mundiais, enquanto que 27% estão investidos em Euros e, aproximadamente, 11% noutras moedas como o Yen, o franco suíço e a libra esterlina.
O crescente aviltamento da moeda americana, mais pronunciado a partir da secunda metade de 2008, permitia-se procrastinar com relativa segurança o seu ocaso como moeda de reserva. Hoje, a situação da moeda americana deteriorou-se de maneira substancial e se pode prever com segurança a continuidade da derrocada.
De fato, os EUA (Estados Unidos da América) já comprometeram mais da metade de seu PIB (Produto Interno Bruto) em medidas de sustentação ao seu setor financeiro falido pela orgia sem precedentes dos mercados dos derivativos ou em subsídios ilegais para sustentar a competitividade internacional de sua indústria.
Como é sabido, o PIB americano situa-se no patamar de US$ 13 trilhões, enquanto o PIB mundial é da ordem de US$ 50 trilhões. Por outro lado, a bolha do mercado de derivativos foi estimada em cerca de US$ 600 trilhões. Verifica-se assim uma grande desproporção entre as perdas alavancadas e a economia mundial real.
O governo Bush, a quem coube inicialmente reagir às manifestações financeiras e econômicas da crise, bem como a administração Obama, recentemente empossada, adotaram ações assemelhadas. Ao fazê-lo, procuraram dar sustentação às entidades bancárias afetadas, cobrindo-lhes os prejuízos, ainda que tal política não possa ler levada às últimas consequências, pelo tamanho do rombo, que é maior que os recursos globais disponíveis.
Com o recente anúncio, dias atrás, de emissões sem lastro do banco central americano, o Federal Reserve Bank, o nervosismo mundial acentuou-se a respeito da moeda americana, que teve forte queda nos mercados mundiais em face de outras moedas. Por sua vez, os chineses, que detém cerca de US$ 2 trilhões em reservas aplicadas em títulos do tesouro dos EUA têm demonstrado irrequietude e desassossego com a fragilidade monetária daquele país.
Daí, o pronunciamento desta semana de Zhou Xiaochuan, um brado de bom senso no meio do caos, ao reafirmar os requisitos essenciais de uma moeda de reserva. Em primeiro lugar, lembrou o presidente do Banco Central chinês, a moeda reserva deve ser estável e ancorada num sistema confiável de oferta.
Em segundo lugar, continua o banqueiro central chinês, a moeda deve ser flexível o suficiente para atender à demanda. Por último, tais ajustes devem estar desvinculados das condições econômicas e dos interesses soberanos de um só país. Conclui Zhou Xiaochuan no sentido de que a aceitação de moedas nacionais como moeda de reserva, como é o caso do sistema corrente, é uma situação idiossincrática na história.
Assim, o Banco Central chinês, pela palavra do seu presidente, clamou por uma reformulação das regras de gestão do FMI, da mesma forma que uma reforma dos SDRs (Direitos Especiais de Saque) do organismo multilateral, de tal maneira que tais títulos possam satisfazer as demandas por uma moeda de reserva, por parte da comunidade internacional.
Para tanto, a China propõe um sistema de compensação entre os SDRs e as outras moedas, para que os primeiros sejam aceitos como meios de pagamento. Propõe ainda o uso dos SDRs no comércio internacional, na precificação das mercadorias, nos investimentos e na contabilidade. Por último, sugere a criação de valores denominados em SDRs para promover a segurança e confiabilidade dos mercados financeiros.
Na realidade, a posição do Banco Central chinês endossou e melhor detalhou uma proposta anterior do governo da Rússia, para fins das tratativas do G-20, a tomarem lugar no dia 2 de abril próximo futuro, em Londres. A Rússia já havia discutido o tema com os representantes chineses, indianos e brasileiros para tentar apresentar uma frente única na cúpula londrina.
A proposta sino-russa oferece ao mundo uma oportunidade tanto sensata quanto razoável de evitar os danos generalizados do colapso repentino da moeda americana, que agora parece iminente. Como previsível, autoridades americanas imediatamente reagiram, de maneira enérgica, contrariamente à proposta.
Trata-se de uma defesa da presente situação, confortável aos EUA, que pode tomar dinheiro emprestado em sua própria moeda, aviltá-la a seu bel-prazer e fazer que o resto do mundo pague a conta. O Brasil ainda está por se manifestar. Esperemos que a posição de nosso governo seja de apoio à iniciativa sino-russa, porque aí estão os interesses nacionais e os da Humanidade.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).