Roseli Ribeiro – 01/09/09 – 19:25
A trajetória chinesa, porém, é longa para se transformar em um país “verde”, na avaliação do advogado Gustavo Rabello, sócio e responsável pelo escritório Noronha Advogados em Xangai. Ele alerta, contudo, que a China se moderniza em “uma velocidade bem acima da média se comparada aos outros países emergentes”.
Para atingir seu objetivo, o país conta com uma vasta legislação ambiental e o empenho do governo chinês em fiscalizar, com maior freqüência, as atividades poluidoras e investimentos em técnicas de preservação do meio ambiente. ”A fiscalização ambiental tende a ser rigorosa principalmente nos grandes pólos industriais”, afirma o especialista.
Além disso, a China também dá incentivos aos investidores estrangeiros, que utilizam no processo industrial novas tecnologias focadas na preservação ambiental.
Morando em Xangai, desde 2007, Gustavo Rabello, formado, em 2001, em direito pela UNIP (Universidade Paulista), e especialização em direito do comércio internacional, na University of London, revela em entrevista ao Observatório Eco, que o seu maior desafio na ambientação foi o aprendizado do mandarim. Depois, “a adaptação foi simples” pelo fato dos chineses receberem muito bem os estrangeiros.
Rabello conta que as diversas cortes locais na China parecem dar mais atenção aos casos ambientais. Além disso, estão criando novas cortes para lidar com assuntos ambientais.
Segundo o especialista, pela lei chinesa uma pessoa responsável por uma empresa poluidora pode ser punida com multa e prisão, pelo menos por 7 anos, para cada crime de grave poluição ambiental. Ele comenta que recentemente a justiça chinesa julgou um crime ambiental e puniu o infrator a 10 anos de prisão. Isso demonstra “a intenção do país em impor duras sanções aos crimes ambientais graves”, na avaliação do advogado que também é diretor do “Foro Brasileiro Brasil-China”, em Xangai. Veja a entrevista que Gustavo Rabello concedeu, ao Observatório Eco, com exclusividade.
ƒå Observatório Eco: Quais os critérios legais chineses em relação à preservação do Meio Ambiente? Há uma legislação parecida com a brasileira? Cite exemplos.
Gustavo Rabello: Em termos nacionais, a China possui diversas leis e regulamentações para preservação ambiental. A Lei de Proteção Ambiental (Environmental Protection Law), de 1989, é mais compreensiva, abrangendo a administração e supervisão da proteção ambiental, medidas para melhoria do ambiente e punição nos casos de poluição ambiental.
Como exemplo de algumas leis, temos de 2003, a “Lei Promovendo uma Produção Limpa” e a “Lei de Avaliação de Impacto Ambiental”. Há ainda “Lei de Preservação de Energia” de 2008 e de 2009 a “Circular Economy Promotion Law”.
Além dessas leis, a China também possui regulamentos de preservação ambiental visando temas específicos sobre preservação de água, ar, terra e fauna, bem como sobre a prevenção e controle de poluição sonora, radiação e lixo.
Em concordância com as leis e regulamentações nacionais muitos governos locais aprovaram regulamentações de preservação ambientais, tais como as Medidas de Proteção Ambiental de Xangai “Measures of Shanghai on Environmental Protection” e as Medidas de Beijing para Prevenir e Controlar Poluição Sonora, “Measures of Beijing on Prevention and Control of Noise Pollution”.
ƒå Observatório Eco: Seria correto então afirmarmos que a China possui muita semelhança, no aspecto legislativo com o Brasil no âmbito ambiental? No aspecto de fiscalização há bastante rigor das autoridades?
Gustavo Rabello: As legislações chinesas foram, em grande parte, elaboradas utilizando como base as leis existentes em outros países. Por tal motivo, em alguns aspectos, podemos encontrar semelhanças entre as leis da China e do Brasil. A fiscalização ambiental tende a ser rigorosa principalmente nos grandes pólos industriais.
É claro que ainda existe uma longa trajetória até que a China possa ser considerada um país “Green”, principalmente por este país ser hoje a principal manufatura do planeta.
Hoje, por exemplo, nota-se uma grande melhora da qualidade do ar de Pequim, em virtude da instalação de filtros nas fábricas, introdução do sistema de rodízio de placas para veículos, em decorrência da passagem dos jogos olímpicos pela cidade, em 2008. Tais projetos foram implementados pouco antes dos jogos olímpicos e, entendo que permanecerão para sempre. As autoridades têm multado quem desrespeita tais regras e a sociedade chinesa as tem respeitado.
Em Xangai, com o advento da Expo 2010 com início agendado para 1º de maio do próximo ano, também nota-se um maior controle ambiental junto às fábricas localizadas nas províncias próximas à Xangai, maior rigor nas regras impostas às empresas estrangeiras, além de uma razoável melhora na qualidade do ar.
Todavia, como existe um infinito número de fábricas neste vasto território chinês, não é possível saber se tal fiscalização já cobre com eficácia todo o território.
Outrossim, como a China é um país que se moderniza a uma velocidade bem acima da média se comparada aos outros países emergentes, a tendência é de que o país se empenhe com maior frequência a fiscalizar as atividades poluidoras e a investir em técnicas de preservação do meio ambiente.
ƒå Observatório Eco: De que maneira a preocupação com o Meio Ambiente é equacionada na pauta desenvolvimentista? A cultura chinesa tem um grande apoio no respeito à natureza, hoje, essa cultura é respeitada pela nova geração capitalista?
Gustavo Rabello: O rápido desenvolvimento da economia chinesa também traz a China sérios problemas ambientais, com mais fábricas, construções e carros, há um consumo maior dos recursos naturais e maior produção de lixo.
A China está atribuindo grande importância à preservação ambiental. Além do uso de leis e regulamentos para proteger o meio ambiente, ela visa o desenvolvimento sustentável de sua economia e classifica a proteção ambiental como um dos princípios fundamentais do Estado.
A China também dá incentivos aos investidores estrangeiros, que invistam em indústrias que colaborem e possuam novas tecnologias focadas na preservação ambiental.
ƒå Observatório Eco: Existe a preocupação do país em internalizar os custos ambientais em sua produção? E manter competitivo seus preços?
Gustavo Rabello: Custo ambiental é o custo de lidar com a poluição ambiental ou destruição, para atingir padrões significativos e satisfazer requisitos para preservação ambiental.
Normalmente, produtores relutam em pagar o custo ambiental porque tal custo reduziria seus lucros. Pela conscientização de preservação do meio ambiente por parte das autoridades chinesas, o custo ambiental deverá ser incluído no custo da produção para assim aumentar o preço dos produtos.
Já que a China não é muito experiente na prática e supervisão da conscientização do custo ambiental, o custo dos produtos chineses pode não conter propriamente o custo ambiental e, portanto, pode não representar o custo real dos produtos. Isso pode causar alguns problemas e disputas no comércio internacional.
ƒå Observatório Eco: Os crimes ambientais são punidos de que forma? Uma indústria que polui, por exemplo, é punida de que maneira? O mesmo vale para uma pessoa que pratica um crime ambiental?
Gustavo Rabello: Responsabilidade criminal será imputada nos casos de ofensas graves à preservação ambiental.
O crime ambiental é regido pela Lei Criminal da China (China Criminal Law) em seu artigo 338, o qual provê que nos casos de dano grave pelo despejo de lixo radioativo, ou substâncias venenosas, ou substâncias perigosas na terra, na água ou no ar, a companhia responsável será penalizada com o pagamento de multas, as quais terão seu valor determinado pelas cortes, levando em conta o dano causado ao meio ambiente.
A pessoa encarregada pela companhia poderá ser punida com multa e encarceramento por pelo menos 7 anos, para cada crime de grave poluição ambiental.
Contudo, num caso recente de assuntos ambientais na China, o ofensor foi punido pelo “Crime de Envenenamento Doloso” e foi encarcerado por 10 anos. Isso representa a intenção do país em impor duras sanções aos crimes ambientais graves.
ƒå Observatório Eco: Uma empresa, que deseja produzir na China, percorre que caminho para obter uma licença ambiental?
Gustavo Rabello: De acordo com o “Guia de Orientação ao Investidor Estrangeiro” (“Provisions on Guiding the Orientation of Foreign Investment”), o investidor estrangeiro é proibido de investir na China em projetos que poluam o meio ambiente.
Caso uma empresa deseje contratar um consultor licenciado para que este prepare um relatório de impacto ambiental que englobe assuntos como os tipos e quantidade de poluição relacionada ao projeto, impacto direto ao meio ambiente, medidas para controle de poluição e organograma técnico, o relatório tem que ser aprovado pela Autoridade de Proteção Ambiental. Até que isso aconteça, a empresa fica impossibilitada de se estabelecer ou de construir em território chinês. É por isso que um relatório prévio de impacto ambiental é obrigatório e deve ser submetido pelo requerente (investidor estrangeiro) à Autoridade de Investimento Estrangeiro para respectivo exame e aprovação.
ƒå Observatório Eco: O Supremo Tribunal Popular e a Suprema Procuradoria Popular julgam questões ambientais?
Gustavo Rabello: As decisões da Corte Suprema do Povo e da Procuradoria Suprema do Povo no que concerne aos assuntos ambientais, no julgamento dos casos, são basicamente de responsabilidade das cortes locais, por conseguinte, tratando com a procuradoria local.
A Corte Suprema do Povo publicou em 2006 a “The Interpretation of the Supreme People’s Court on Some Issues Concerning the Specific Application of Law in the Trial of Criminal Cases Involving Environmental Pollution”, que especifica as provisões legais segundo a Lei Criminal da China. Por exemplo, o “grave dano à propriedade pública e privada” na Lei Criminal, é definido por dano acima de RMB 300.000 (cerca de USD 44.000).
Em anos recentes, diversas cortes locais na China têm estabelecido uma nova corte para lidar com assuntos ambientais, e as cortes chinesas hoje em dia parecem dar mais atenção aos casos com preocupações ambientais.
ƒå Observatório Eco: Como é lidar com um judiciário que não é totalmente formado por bacharéis em Direito, em questões de desenvolvimento e Meio Ambiente?
Gustavo Rabello: Algumas sugestões, antes de investir na China. Siga o conselho dos consultores profissionais para garantir que o projeto esteja em conformidade com as leis e regulamentações da China e atenda aos requisitos determinados por suas Autoridades.
Caso surja alguma disputa sobre assunto ambiental, é sempre aconselhável contratar um advogado que tenha experiência nestes temas.
Além de fornecer um embasamento jurídico que visa proteger o investidor estrangeiro, um bom advogado saberá exatamente com qual autoridade lidar visando diminuir os trâmites burocráticos em questão.
ƒå Observatório Eco: De que forma o país lida com o lixo doméstico e industrial que produz? Há leis que tratam desse problema?
Gustavo Rabello: A “Prevention and Control of Environmental Pollution by Solid Wastes” (Prevenção e Controle de poluição ambiental por resíduos sólidos) é a legislação responsável pelo tratamento de resíduos sólidos na China, e inclui as regras sobre o tratamento de tais resíduos, inclusive o lixo industrial, doméstico e de alta periculosidade.
Além disso, a China possui regras específicas para o tratamento dos resíduos domésticos (“HouseHold solid waste”), que são a “Standard for Pollution Control on the Landfill Site of Household Waste”, “Standard for pollution control on the Incineration of Household Waste e a “Administrative Measures for Urban Household Waste”.
Em relação ao resíduo eletrônico, a China possui regras específicas para o controle de poluição causada por produtos eletrônicos. Porém, em relação à reciclagem de tais resíduos, as recém-publicadas “Regras de reciclagem e tratamento de resíduos eletrônicos” entrarão em vigor apenas em janeiro de 2011. São elas “Measures for the Control of Pollution from Electronic Products”, “Administrative Measures for Recycling” e a “Treatment of Electric Wastes and Electronic Products”.
ƒå Observatório Eco: Desde que ano o senhor mora na China? E qual o maior desafio nessa ambientação?
Gustavo Rabello: Eu moro na China, na cidade de Xangai, desde o início do ano de 2007, há pouco mais de 2 anos e meio.
O maior desafio na ambientação foi o aprendizado básico do mandarim. Passada esta fase inicial, a adaptação foi simples pelo fato de que os chineses recebem muito bem os estrangeiros. O trabalho de um estrangeiro na China é desafiador e, aqui, as coisas acontecem de forma muito rápida.
Além disso, as cidades grandes da China, a exemplo de Xangai e Pequim, oferecem aos estrangeiros uma variedade de atividades bastante interessantes, além dos ótimos restaurantes chineses, existem restaurantes de diversos países, parques, cinemas, teatros, viagens, que acabam por facilitar a adaptação dos profissionais que venham à China.