DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o advogado Durval de Noronha Goyos Junior, 56, uma das maiores autoridades brasileiras em direito do comércio internacional, acusar os biocombustíveis de provocar a disparada dos preços dos alimentos é uma manobra dos setores agropecuários dos países mais desenvolvidos, que recebem pesados subsídios dos seus governos.
Noronha, que foi nomeado árbitro do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio), mas no momento atua defendendo os interesses de nações e empresas em disputas no âmbito do organismo, diz-se preocupado com os rumos da Rodada Doha. "Não vejo concessões por parte dos países ricos", disse ele em entrevista à Folha. Leia abaixo trechos da conversa.  

FOLHA – Quando o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial disseram que os biocombustíveis estão tomando o lugar dos alimentos nos campos das nações pobres, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, respondeu que os países ricos deveriam cortar os subsídios aos seus agricultores para estimular os países em desenvolvimento a aumentar o cultivo. O raciocínio está correto?

DURVAL DE NORONHA GOYOS JUNIOR – Sim, mas a situação é muito mais complexa. É verdade que os subsídios desencorajam a produção dos países pobres. Os incentivos trouxeram iniqüidade e desesperança às relações internacionais. No entanto, não é só isso que explica a alta dos preços. As turbulências no mercado imobiliário americano e no de capitais fizeram com que os recursos migrassem para o petróleo, o ouro e os produtos agrícolas.

FOLHA – É consenso que os combustíveis fósseis terão que ser substituídos e muitos países já passaram a adicionar álcool à gasolina, mas, apesar disso, eles lançam essas reclamações sobre os biocombustíveis. Como explicar tal paradoxo?

NORONHA – Nessas nações, alguns setores, como o consumidor -que quer os grãos baratos- e os sindicatos trabalhistas -que desejam manter os empregos- fazem pressão. Um dos fatores que motivam o debate sobre os biocombustíveis e a falta de alimento no mundo é o lobby do segmento protegido dos países desenvolvidos, que quer a manutenção dos subsídios. O livre comércio é só retórica. Nos EUA, para cada US$ 1 produzido pelo setor agrícola, os fazendeiros recebem US$ 1. Então, o país somente é uma economia de mercado no que interessa -quando perde no jogo, deixa de sê-lo.

FOLHA – Como é que se acaba com o impasse na Rodada Doha?

NORONHA – Eu me preocupo muito porque não vejo concessões por parte dos países desenvolvidos. Por outro lado, o Brasil teria que reduzir substancialmente as tarifas à importação de produtos industrializados. Porém, nós desequilibramos as regras contra os nossos interesses, pois não temos condições adequadas de competitividade devido ao câmbio sobrevalorizado. A tarifa fica sendo a única forma legítima de proteção do setor industrial doméstico. A agenda de negociação [de Doha] é a dos países desenvolvidos e a conclusão desses trabalhos vai se mostrar mais uma vez desvantajosa para os países pobres. A OMC é um organismo multilateral destinado a promover a prosperidade de poucos em detrimento de muitos.

FOLHA – E como o senhor avalia o desempenho da diplomacia comercial brasileira nessa questão?

NORONHA – É tradicionalmente pífio. O Brasil é o único país do mundo que usa diplomatas em negociações comerciais. O diplomata não foi treinado pra isso. Ele foi treinado para a conciliação, e não para o debate. O comércio é um relacionamento humano muito agressivo, que requer outras habilidades.

FOLHA – O seu foi o primeiro escritório latino na China, com inauguração em 2001. O que o país pode ensinar ao Brasil em termos de estratégias para o comércio exterior?

NORONHA – Vamos ter um déficit nas relações comerciais com a China que pode ficar entre US$ 6 bilhões e US$ 8 bilhões neste ano. A vantagem da China nas transações com o Brasil se explica principalmente pelos fatores macroeconômicos. O câmbio chinês está subvalorizado em 25%, enquanto o nosso se encontra supervalorizado em 35%. No que diz respeito a medidas de facilitação para os negócios, os chineses possuem melhor legislação e sistema tributário. Além disso, as taxas de juros lá são negativas e a nossa é a maior do mundo. Para a China também é essencial o planejamento estatal, que nós deixamos de fazer.