Casos em que a aplicação do direito antidumping foi suspensa com base no interesse nacional foi ínfimo
Nos últimos dias, foram publicadas diversas notícias sobre o projeto de lei de autoria do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que prevê a criação do Conselho de Defesa Comercial, órgão federal vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com poderes judicantes para aplicar direitos antidumping, medidas compensatórias, provisórias ou definitivas, e salvaguardas.
De acordo com o projeto de lei, a atribuição de fixá-los – que atualmente é de competência da Câmara de Comércio Exterior – Camex (Decreto n° 4.732/03) – passaria a ser de um órgão instituído especificamente para esse fim, denominado Conselho de Defesa Comercial.
Com isso, os representantes dos ministérios que atualmente compõem a Camex, dentre os quais, Relações Exteriores, Fazenda e Agricultura, seriam excluídos das decisões envolvendo processos de defesa comercial, para dar lugar ao conselho integrado por representantes da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Confederação Nacional do Comércio (CNC) e Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
A justificativa apresentada para tanto consiste, principalmente, no argumento de que Câmara prioriza interesses políticos ao se manifestar sobre a fixação dos mecanismos de defesa comercial, em detrimento dos princípios que regem o comércio internacional.
Outros pontos que sustentam o Projeto de Lei em análise consistem na busca por maior agilidade no sistema de defesa comercial brasileiro e na necessidade de proteção do setor privado do país.
No que diz respeito aos argumentos de que a Camex sofre influências políticas, certo é que o § 3°, do artigo 64, do Decreto n° 1.602/95 – que trata dos procedimentos relativos à aplicação de medidas antidumping – autoriza, expressamente, a suspensão da aplicação da sobretaxa por razões de interesse nacional, mesmo havendo comprovação de dumping e do dano dele decorrente. De fato, a legislação de regência reconhece a supremacia do interesse nacional em relação aos interesses privados.
Como se não bastasse, o número de casos em que a aplicação do direito antidumping foi suspensa com base no interesse nacional é ínfimo frente aos processos encerrados com a aplicação de direito antidumping.
A título de ilustração, de 1998 a 2008, 65 processos foram encerrados com a aplicação de direito antidumping, 27 terminaram sem aplicação do direito e apenas 3 tiveram a aplicação suspensa por interesse nacional, quais sejam, pneumáticos de bicicleta (Resolução Camex n° 2, 16.01.2004), ferro-cromo de alto carbono (Resolução Camex n° 13, de 13.04.2004) e nitrato de amônio (Resolução Camex n° 71, de 07.11.2008). Como se percebe, o número de processos de investigação antidumping em que a técnica prevalece sobre o interesse nacional é infinitamente maior.
Além disso, com exceção do caso de nitrato de amônio, cuja publicação se deu recentemente, no que diz respeito aos pneumáticos de bicicleta e ferro-cromo de alto carbono, a cobrança do direito antidumping foi restabelecida após ter sido verificado o incremento das importações dos produtos em questão.
Ou seja, a cobrança do direito pode ser revista a qualquer momento. Dessa forma, a suspensão de sua aplicação com base no interesse nacional, por ser uma medida de exceção, é acompanhada de um monitoramento efetivo do comércio internacional do produto.
Não menos importante é o registro de que, atualmente, nos processos de defesa comercial, é conferida ampla oportunidade para a CNA, a CNI e a CNC no acompanhamento das investigações. Assim, ao invés do enfraquecimento da Camex, o que se deve proclamar é uma participação mais efetiva das Confederações Nacionais brasileiras, na forma já prevista na legislação.
Com relação à lentidão na análise dos processos de defesa comercial, é inegável – não obstante o exaustivo esforço dos técnicos envolvidos para decidi-los em curto espaço de tempo – que carece de celeridade. Não por culpa da Camex, mas sim, e, principalmente, pelo reduzido quadro de funcionários do Ministério de Indústria e Comércio.
Por fim, no que concerne à defesa do setor privado brasileiro, é indiscutível a importância de se proteger as indústrias nacionais. Contudo, não podemos nos afastar da natureza jurídica dos mecanismos de defesa comercial. Ou seja, as medidas antidumping não podem ser utilizadas exclusivamente para proteger a indústria nacional sem que ocorra a prática desleal de comércio, sob pena de se violar as regras da Organização Mundial do Comércio.
Diante do exposto, não se contesta que a atuação de entidades representativas dos setores privados seja de grande relevância para o deslinde dos processos de defesa comercial. Contudo, referida participação pode se dar sem que para tanto tenha que ser negada a atribuição até hoje conferida aos representantes dos ministérios que compõem a Camex.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).