Coluna Donos do Pedaço

Lílian Thomé, de 40 anos, é sócia do Noronha Advogados e administra 13 escritórios da empresa, que tem filiais em todo o Brasil e no exterior. Sua carreira é cheia de um clichê típico – e muito válido por sinal – do mercado de trabalho: estar no lugar certo, na hora certa e, claro, preparada. Ainda no quarto ano da faculdade de direito, a estudante, que sonhava com diplomacia, assistiu a uma palestra sobre direito internacional de um dos sócios do Noronha Advogados, e de uma conversa no fim do evento garantiu o primeiro estágio. Ao se formar, foi parar no escritório, em Miami, para um treinamento. Com dois meses nos EUA, um diretor precisou voltar ao Brasil, e ela, pessoa de confiança, foi promovida.

Depois de quatro anos, de volta ao país, veio atender a demanda gerada pelas privatizações. Foi se enveredando pela área administrativa, ajudou a abrir escritórios no Nordeste e no Sul e, aos 28 anos, foi convidada para ser sócia da empresa. Em 2001, abriu um escritório na China, o primeiro latino no país emergente. Em 2004, devido à experiência com aquele mundo, acompanhou a delegação de empresários que esteve por lá com o presidente Lula. Com muita história para contar, Lílian falou ao caderno Trabalho e Formação Profissional sobre a carreira na área de direito internacional, as oportunidades e desafios da profissão.

Para atuar no exterior é preciso conhecimento do direito local?
Não necessariamente. Vai depender da atuação do profissional, existem inúmeras especializações. Dependendo da demanda, o profissional terá que ter conhecimento dos tratados e convenções internacionais que regulamentam tal matéria. No nosso caso, como atuamos com direito empresarial, é mais importante conhecer muito bem o direito brasileiro, pois os clientes apresentam questionamentos nas áreas de direito societário, tributário, imobiliário, contratual etc. Mas é óbvio que os profissionais que atuam no exterior acabam adquirindo conhecimento do direito local. Contudo, não podem trabalhar como advogados no exterior, exceto quando são admitidos nos órgãos correspondentes à nossa Ordem dos Advogados.

Você foi para Xangai numa época em que a China não estava tanto em evidência. Por que escolheram esse país?
Quando decidimos abrir o escritório na China, em 2000, já tínhamos escritórios próprios em Miami, Londres, Lisboa e Buenos Aires. Escolhemos a China não apenas pelo potencial de geração de negócios, mas também porque o meu sócio, Durval de Noronha, havia assessorado o governo da República Popular da China no processo de ingresso do país na Organização Mundial do Comércio. Fomos considerados loucos na ocasião. Mas não nos intimidamos com a barreira cultural e linguística, tampouco com a distância geográfica. Essa escolha se mostrou acertada. Em 2004, o presidente Lula foi à China com uma delegação de mais de 400 empresários. Como fiz parte dessa delegação, pude agendar reuniões para os nossos clientes e auxiliar aqueles que tinham interesses concretos.

E como foi abrir um escritório lá?
Para abrir o escritório, primeiramente foi necessário definir a cidade. Tínhamos a opção de Beijing, onde está a sede do governo, e Xangai, o centro financeiro/empresarial. Optamos por Xangai, para estarmos próximos aos clientes. Também contratamos advogados chineses que nos auxiliaram na elaboração do dossiê que seria apresentado ao governo local. Toda a documentação precisou ser traduzida para o mandarim. Em abril de 2001, recebemos a aprovação de instalação do escritório, que foi rápida, geralmente há uma demora de oito anos, nós gastamos 12 meses. Além disso, nosso escritório foi o primeiro latino a receber tal autorização.

Quais as principais demandas que vocês atendem nos escritórios no exterior das empresas interessadas no Brasil?
Na área empresarial posso lhe dizer que aparece um pouco de tudo. Mas, principalmente, questões societárias, contratuais, imobiliária, propriedade intelectual, pareceres nas áreas tributárias e trabalhistas.

Quais as diferenças de se trabalhar na China e nos EUA? A cultura empresarial e a metodologia de trabalho são muito diferentes da brasileira?
Tanto na China quanto nos EUA, os profissionais são extremamente focados na carreira e no trabalho. Até mesmo a agenda social de um chinês e de um americano é voltada para os benefícios que tal evento ou relacionamento pode lhe trazer profissionalmente. No Brasil, a agenda social de um jovem, muitas vezes, atrapalha seu crescimento profissional. Muitos não querem perder o happy-hour, o futebol, e a dedicação ao trabalho fica em segundo plano. Para os jovens profissionais que contratamos, digo sempre que nossa concorrência não está no Brasil, e sim nos escritórios estrangeiros, onde o grau de profissionalismo é extremamente elevado.

No caso da China, qual a maior dificuldade no dia a dia do trabalho?
Várias são as dificuldades que enfrentamos no início, mas que foram superadas. Existe a barreira do idioma, pois não são todos os chineses que falam fluentemente o inglês, e o mandarim é um idioma extremamente difícil. Existe também a barreira cultural. Precisamos aprender a conquistar a confiança dos chineses, a negociar com eles, a interpretar o que eles estão dizendo. Nesses casos, contamos com os profissionais do nosso departamento chinês que nos auxiliam no relacionamento com os clientes locais. Para alguns, o fuso horário também é uma barreira. Pessoalmente, não me importo. Meu sócio na China sabe que pode me ligar a qualquer momento que o meu celular estará ligado.

E o que é mais interessante?
Gosto muito da China e acho fascinante trabalhar com os chineses. Mas até hoje uso como exemplo uma experiência que vivenciei numa das viagens. Na última noite em Beijing, durante o jantar, elogiei a roupa da mulher de um cliente. Era um vestido típico, muito elegante. Mencionei que havia tentado comprar algo semelhante, mas não havia conseguido por falta de tempo. Ao chegar ao hotel, por volta das 22h, recebi o telefonema dela dizendo que caso eu quisesse, sua amiga, proprietária de uma loja em um dos mais importantes shoppings da cidade, iria me buscar para ver as roupas. Por volta das 23h, havia um carro de luxo com motorista na porta do hotel e uma senhora muito elegante, que vinha a ser a dona da loja, me esperando. Fomos juntas ao shopping, onde essa senhora pediu para abrir sua loja. Havia três funcionárias à minha espera. Todas muito cordiais. Experimentei alguns modelos e optei por um casaco preto. Pensei que precisava apenas pagar e ir embora. Contudo, fui surpreendida ao saber que toda roupa feminina chinesa é feita sob medida. Resumindo, às 6h30 a proprietária da loja estava novamente no hotel, com a mesma roupa do dia anterior, entregando o meu casaco. Apesar de ela ser uma bem-sucedida empresária, trabalhou a noite toda, para não perder uma venda. Essa foi uma experiência que não vou esquecer.

Você diz que as áreas de atuação do direito não param. Onde estão surgindo as novas demandas?
Como lhe relatei, há 20 anos pouco se falava em direito ambiental, não existia o direito digital, não se falava em arbitragem, tampouco em biotecnologia. Essas matérias foram tomando importância no mundo moderno. Conforme o mundo vai se transformando, novas áreas do direito são desenvolvidas em defesa das pessoas.

Quais os requisitos básicos para quem quer seguir carreira em direito internacional?
O requisito básico é fluência no inglês. Com o crescente interesse na carreira, a especialização em direito internacional está se tornando também um requisito básico. Atualmente, existem alguns cursos de especialização em direito internacional no Brasil, que é uma opção para aqueles que não podem buscar um aperfeiçoamento fora do país. Também é importante buscar experiência prática na área, seja em escritório que atua na área internacional ou em empresas. Recomendo que, ainda na faculdade, o interessado já direcione sua busca por estágios em empresas e/ou escritórios com atuação internacional.

A área de direito internacional tem boa remuneração?
Por se tratar de uma área que ainda tem poucos especialistas, podemos afirmar que ela tem boa remuneração. Contudo, também é uma área que exige investimentos elevados (conhecimento de idiomas, especialização e experiência no exterior etc.).

Trabalhando com contratação de profissionais, quais as características pessoais fundamentais que você espera de quem quer seguir carreira?
Seriedade, comprometimento, dedicação são características fundamentais para seguir a carreira. Mas, acima de tudo, ética. Também procuramos pessoas que busquem constante aperfeiçoamento. Pessoas acomodadas não encontram espaço em nossa organização. Treinamos os jovens com o objetivo de eles fazerem uma carreira no escritório. Oferecemos ferramentas para o crescimento profissional e oportunidade de treinamento no exterior.