São Paulo – A Comissão de Inquérito da Crise Financeira, criada pelo Congresso dos Estados Unidos para investigar as causas e, bem assim, as circunstâncias regulatórias e de mercado que resultaram na crise financeira que eclodiu em 2008, divulgou no mês de janeiro de 2011 o seu relatório final, após revisão de milhões de páginas de documentos, dezenove dias de audiências públicas e oitiva de mais de 700 testemunhas.
Como muitos arrazoados parlamentares, o relatório está eivado de platitudes, é desprovido de contundência e de uma capitulação jurídica dos fenômenos descritos na legislação de regência na área criminal, demonstrando uma continuada, excessiva e inexplicável leniência com relação aos agentes financeiros, e seus prestadores de serviços ancilares, todos responsáveis pelas inúmeras fraudes praticadas nos mercados financeiros.
Assim, as práticas descritas no relatório necessitam de uma atenta leitura jurídica da parte dos titulares das ações criminais públicas para ações complementares de âmbito judicial visando a apuração de responsabilidades. Para tanto, o relatório poderá demonstrar-se num instrumento útil.
O relatório demonstra como os agentes privados de crédito manipularam as brechas na legislação reguladora dos mercados financeiros para conceder empréstimos irresponsáveis acima de sua capacidade, os quais foram posteriormente transformados em derivativos que vendiam a seus clientes, muitos dos quais com recursos em administração fiduciária sob mandato.
Ao fazê-lo, as instituições financeiras descarregavam os ativos de baixa qualidade de seus balanços, o que permitia um novo ciclo de empréstimos temerários, também securitizados e colocados no mercado. Para tanto, valiam-se os bancos de um exército de inescrupulosos advogados, auditores e agências de avaliação de risco.
O relatório aponta as três principais agências de avaliação de crédito, como Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch, como peças chave no processo, posicionadas entre os emitentes e os investidores nos títulos derivado dos créditos podres. Como os emitentes necessitavam de avaliações positivas de crédito para colocar os derivativos no mercado, pagavam fortunas às agências para assegurar as certificações desejadas.
Didático, o relatório explica como os derivativos, instrumentos criados para minimizar ou travar os riscos foram deturpados para representar posições temerárias descarregadas por capitalistas inescrupulosos para absorver a poupança popular. Para facilitar o saque das economias populares pelos agentes bancários rapaces, a legislação de controle foi sendo revogada e um mercado de balcão desregulado a tudo permitia, sem controles.
O próprio Tesouro americano apoiou o saque institucionalizado. Em depoimento ao Congresso americano, citado pelo relatório, o Sr. Alan Greenspan declarou que “além das medidas de segurança sobre a regulamentação de derivativos sob as leis de mercado de capitais e bancárias, a regulamentação de negócios de derivativos feitos privadamente (em mercado de balcão) é desnecessária”.
De acordo com o relatório, em junho de 2008, os negócios em aberto no mercado de balcão de derivativos atingiram o volume de US$ 672.6 trilhões. Para fins de comparação, o PIB dos EUA na época não excedia a quantia de US$ 15 trilhões e o PIB mundial era de aproximadamente US$ 45 trilhões.
O relatório nomeia, explicitamente, muitos dos responsáveis pelas práticas que causaram a crise financeira e a perda das economias populares de milhões de pessoas nos EUA, como mundo afora. Cabe agora aos serviços titulares das ações penais certamente cabíveis as devidas medidas em defesa da lei e da moralidade pública.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).