São Paulo – Durante o andamento das negociações no âmbito da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), a União Européia (UE), com descaso às pretensões dos países em desenvolvimento e aos objetivos da própria ronda, prorrogou sua infame Política Agrícola Comum (PAC) até 2013, liquidando a oportunidade de um novo acordo.
Por sua vez, os Estados Unidos da América (EUA) usaram da oportunidade para atribuir a culpa do fracasso da rodada aos europeus, mas já começam a tratar de manter o seu imoral arsenal de subsídios por mais 5 anos, a partir de maio de 2007, quando expira a Farm Bill de 2002.
Como é sabido, os subsídios agrícolas oneram os contribuintes domésticos das nações desenvolvidas, penalizam os consumidores dos países ricos, e promovem a miséria e a desesperança numa escala global dentre os países em desenvolvimento. A UE e os EUA são os principais, mas não únicos, praticantes dos subsídios agrícolas.
Pois bem, com o colapso da Rodada Doha, os americanos começaram a discutir o novo caráter da nova Farm Bill, que vigorará a partir do próximo ano e que sofrerá, na sua redação, o impacto político das eleições de 2008. Para alguns setores do lobby agrícola, como a American Farm Bureau, o ideal seria a simples prorrogação dos benefícios hoje existentes, que privilegiam setores como o do milho, do algodão, do trigo, do arroz e da soja.
Outros setores gostariam de ser igualmente beneficiados, como o dos vegetais e os das frutas. Todavia, todos em comum temem os ataques a serem sofridos no âmbito da opinião pública internacional e no sistema de resolução de disputas da OMC. Assim, buscam os americanos a manutenção do sistema com a minimização dos riscos, o que deve levar a duas conseqüências diretas na nova Farm Bill.
A primeira delas diz respeito à redução da transparência na alocação das verbas federais e a segunda é o aumento de desembolsos para os chamados subsídios legais, como aqueles destinados para os fins ambientais ou de pesquisas. A composição dos estoques governamentais e as compras para “ajuda” externa também devem ser observadas com muito cuidado.
O dramático na equação é que a imoralidade deve persistir, com outra roupagem, o que confirma que a OMC promove um livre comércio seletivo, em favor dos países desenvolvidos, neles promovendo a prosperidade, em detrimento dos interesses dos países em desenvolvimento.
Nesse quadro, é difícil tratar-se da retomada das negociações da Rodada Doha, conforme se cogitou nas reuniões havidas no Rio de Janeiro do fim de semana próximo passado. Melhor será retornar-se aos fundamentos básicos em uma nova ronda, onde se busque os meios para fazer com que o comércio internacional seja um efetivo meio de prosperidade da humanidade, principalmente dos países em desenvolvimento, e não apenas de uns poucos manipuladores do sistema multilateral.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).