Luiza de Carvalho, de Brasília
A Colgate-Palmolive perdeu no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), antigo Conselho de Contribuintes, uma discussão milionária que envolve a compra da Kolynos, efetuada pela companhia em 1994. Nesta semana, após cinco anos de discussões, o órgão administrativo pôs um ponto final na questão. A empresa tentava anular uma autuação da Receita Federal que questiona a operação realizada pela Colgate-Palmolive para a aquisição da Kolynos. Na Câmara Superior do conselho, o julgamento foi desempatado, em favor do fisco, pelo chamado voto de qualidade do presidente do órgão, o conselheiro Carlos Alberto Barreto, que manteve o auto de infração.
A operação de compra foi realizada por meio de um empréstimo estrangeiro de US$ 760 milhões. Na multa lavrada em 2000, o fisco questionava o fato de a empresa ter deduzido os juros pagos pelo empréstimo da base de cálculo do IR nos anos de 1996, 1997 e 1998. A Receita Federal não possui uma estimativa do valor da causa, mas, segundo fontes ouvidas pelo Valor, a autuação envolveria cerca de R$ 80 milhões, em valores atuais. A discussão é o leading case do tema. E caso a empresa recorra da decisão na Justiça, esta será a primeira vez que o Judiciário também avaliará esse tipo de operação.
A compra e venda foi realizada a partir de um planejamento complexo que incluiu a criação de novas empresas no Brasil, nos Estados Unidos e no Uruguai. Os ativos e direitos da Kolynos foram formalmente vendidos por uma empresa uruguaia criada pela Laboratórios Wyeth-Whitehall, que era, na época, a fabricante da marca no Brasil. A compra também foi feita por outra empresa uruguaia criada pela Colgate. Os recursos usados para a operação no Uruguai, de US$ 760 milhões, foram repassados por uma empresa criada pelo grupo Colgate no Brasil, a K & S Aquisições, que possuía capital social de apenas R$ 100. Os recursos que chegaram à K & S Aquisições não foram, porém, formalmente declarados como investimento estrangeiro para a compra de participação acionária, mas como empréstimo contraído de outra empresa do grupo Colgate, instalada nos Estados Unidos, a KAC Corp.
A estrutura montada no Brasil e no exterior para a compra da Kolynos pela Colgate foi questionada pelo Banco Central, que aplicou uma multa correspondente a cerca de 23% do total de ativos da Colgate-Palmolive. No entanto, em 2007, a operação foi considerada regular pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional – instância administrativa de julgamento de recursos contra penalidades administrativas aplicadas pelo BC – e o processo foi arquivado.
Na autuação de 2000, o fisco alegou que por ter sido feita fora do Brasil, a operação evitou a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital. Mas, tendo em vista que a operação foi considerada legal pelo BC, no recurso que chegou ao Carf, o fisco teve de mudar a estratégia e passou a questionar outro ponto da operação. Conforme dados do processo, o fisco argumenta que os juros pagos pela brasileira K&S Aquisições à KAC Corp, em razão do empréstimo de US$ 760 milhões, não poderiam ter sido deduzidos como despesa do IR devido no Brasil, pois não se enquadrariam como uma necessidade para a atividade da empresa. Conforme o artigo 242 do Regulamento do Imposto de Renda de 1994, as despesas não necessárias às atividades do contribuinte devem ser adicionadas ao lucro contábil, e não lançadas como despesas.
A Colgate saiu vitoriosa no julgamento do Primeiro Conselho de Contribuintes, antiga instância inicial do Conselho de Contribuintes. O entendimento do conselho era o de que, ao contrário de países como os Estados Unidos e o México, não existe no Brasil qualquer regra de limitação de dedutibilidade de encargos de financiamentos feitos pelo próprio sócio da empresa. Mas, esta semana a Câmara Superior do Carf alterou o posicionamento. Apesar de reconhecerem que não há no país uma legislação específica para limitar o empréstimo estrangeiro, os conselheiros que votaram favoravelmente ao fisco consideraram que a operação de empréstimo ocorreu de fato no Uruguai, e que, ao pagar dívidas que seriam da empresa uruguaia, a empresa brasileira não poderia deduzir os juros como se ela própria tivesse tomado o empréstimo.
De acordo com Paulo Riscado, procurador que coordena a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Carf, a polêmica do caso e a forma da operação influenciaram a decisão. Segundo ele, foi levado em consideração a desproporção entre um empréstimo de milhões para uma empresa cujo capital social corresponde a R$ 100,00. "A aquisição feita pela empresa americana tratou-se, na verdade, de um planejamento tributário com o objetivo de reduzir custos no Brasil", afirma Riscado.
Apesar de ser um caso isolado, a decisão pode ser um precedente contra esse tipo de planejamento. Para Riscado, embora cada planejamento tributário tenha sua especificidade, o julgamento da Kolynos é um precedente importante que poderá ser utilizado pela Receita no questionamento de casos envolvendo operações complexas de empréstimos estrangeiros. Na opinião do advogado Luis Guilherme Gonçalves, do Noronha Advogados, é comum observar-se operações desse tipo, pois o empréstimo permite mais flexibilidade ao investidor. "No caso do aumento de capital, o investidor fica mais engessado, pois ao devolver o montante para o exterior, o investimento será tributado como ganho de capital", diz .
Procurada pelo Valor, a Colgate-Palmolive preferiu não se pronunciar sobre o julgamento.