Londres – O novo governo de coalisão do Reino Unido, formado pelo Partido Conservador e pelo Partido Liberal Democrata, anunciou na segunda-feira (24/5) um pacote inicial de cortes de despesas para fazer frente ao enorme déficit orçamentário de 156 bilhões de libras esterlinas, mais de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) do país.
As medidas ora anunciadas, embora digam respeito a cortes apenas no valor de 6,2 bilhões de libras esterlinas, já claramente demonstram que o exercício em questão trará sofrimentos enormes ao povo britânico, podendo ainda aprofundar o já difícil quadro atual de recessão econômica.
Coerente com a sua inspiração ideológica, o Partido Conservador privilegiou os cortes implicando em reduções de gastos com transportes públicos, educação e previdência social. Até mesmo recursos prometidos para os jogos olímpicos de 2012, em Londres, foram descompromissados. Depois daqueles de Beijing, mais do que nunca, os próximos jogos olímpicos, promovidos por um país falido, prometem ser um grande anticlimax.
Por outro lado, o governo britânico não anunciou cortes na área da defesa, nem mesmo com relação ao custoso programa atômico do país, para fins militares, que mantém inclusive uma frota de submarinos nucleares em processo de renovação. Indaga-se o porquê de uma potência falida de segunda categoria necessitar de uma política de dissuasão nuclear. Mais ainda, qual o significado, dentre desse quadro, da manutenção de um largo contingente de tropas no Afeganistão?
Os governos conservadores britânicos são tradicionalmente insensíveis às dificuldades das classes populares. Essa insensibilidade decorre diretamente da natureza da divisão social em classes, que privilegia aos favorecidos uma educação privilegiada, enquanto cabe aos desgraçados uma formação básica de baixa categoria.
Até a forma de falar é diferente. Os ricos têm uma pronúncia requintada com vocabulário de origem latina, enquanto os pobres falam um linguajar dialetal composto em grande parte por gírias. Os ricos jogam rugby, cricket e competem regatas, enquanto os pobres jogam futebol. Aos ricos, a música clássica, enquanto para os pobres o rock e o rap. Aos ricos, uma dieta de legumes, frutas e salmão. Para os pobres, as batatas (fritas).
Para poder ter um apelo popular maior, o atual primeiro ministro, David Cameron, ex-aluno do sistema educacional privilegiado do Reino Unido, de natureza privada, enquanto candidato, teve que tomar lições para que seu sotaque não agredisse demasiadamente os ouvidos das classes populares.
Todavia, o pior da divisão de classes no país é a condenação a uma estratificação social, mediante a qual os pobres, de uma maneira geral, têm enormes dificuldades na ascensão de classes, permanecendo na situação em que nasceram. Isso é assegurado em grande parte devido à política educacional deliberadamente desastrosa.
Pois bem, ao cortar as despesas com educação, o governo de coalisão afirma sua política de determinismo social de acordo com a qual os miseráveis devem permanecer nesta condição. Ao cortar despesas com o transporte público, a mesma classe é atingida, já que os banqueiros andam de Jaguar. Ao reduzir e dificultar o acesso aos benefícios sociais da previdência pública, mais uma vez os necessitados sofrerão, já que os ricos têm os seguros privados.
Por último, ao apertar o cinto das classes trabalhadoras e diminuir os gastos públicos legítimos, o governo britânico aumentará o desemprego e diminuirá o nível, já baixíssimo, de consumo e de atividade econômica no país. Ao fazê-lo, os britânicos ignoraram as lições de Brasil e China, que não foram afetados pela crise por promoverem ações de crescimento econômico mediante a prosperidade social e com o incentivo ao consumo interno.
Pior ainda, o governo britânico anterior, do Partido Trabalhista, optou por subsidiar pesantemente o setor bancário, colocando montanhas de recursos públicos no buraco negro da Citylondrina. O povo está a pagar a conta!
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).