A importância das relações entre o direito internacional e o direito interno repousa no fato de que a real eficácia do primeiro depende da medida em que os direitos nacionais se conformam com as normas internacionais, dando-lhes efeito dentro de suas fronteiras [1]. A conexão do direito internacional com o direito interno acontece por meio de acordos internacionais, denominados das mais variadas maneiras: tratados, convenções, protocolos, declarações, pactos, etc. Tais acordos vêm sendo utilizados com freqüência crescente. Alguns, como os tratados, se revestem de mais formalidade que outros, e ocorre um debate acerca do poder vinculante desses acordos. [2]
Sem discutir essa questão, postularemos que os tratados internacionais têm força de lei, regida pelo direito internacional. O tema deste trabalho será, pois, o conflito entre a lei internacional e a lei interna. Para orientar a polêmica, definiremos primeiro o tratado, com base na Convenção de Viena sobre a Lei dos Tratados. Em seguida, faremos um panorama da doutrina de direito internacional a respeito. Depois, mais especificamente, analisaremos qual tratamento a legislação brasileira dispensa aos acordos internacionais. Enfim, situaremos o problema da hierarquia entre lei internacional e lei interna no contexto da ordem internacional atual. 1. Conceito de tratado
Tratado é um documento que evidencia um consentimento expresso por parte de Estados em regularem seus interesses de acordo com a lei internacional [3]. É o instrumento por excelência para reger as relações internacionais. Ele constitui uma das fontes essenciais do Direito Internacional Público. A multiplicação dos tratados trouxe a necessidade de uma regulamentação da matéria.
2. Convenção de Viena de 1969
Tal regulamentação surgiu com a Convenção de Viena sobre a Lei dos Tratados, de 1969, que cuida dos acordos entre Estados. Ela codificou as regras do costume internacional relativas à conclusão e entrada em vigor dos tratados, sua aplicação e interpretação, sua modificação e suspensão. Além de codificar princípios de direito internacional relativos aos tratados, a Convenção também faz evoluir o Direito Internacional Público no que toca a matéria, conforme assertiva do seu Preâmbulo [4]. A Convenção de 1969 entrou em vigor a 27 de janeiro de 1980, com a entrega do 35o instrumento de ratificação. Atualmente ela conta com 59 membros [5]. Em 1986, realizou-se outra Convenção, que regulou igualmente as relações nas quais as organizações internacionais tomam parte, reconhecendo as mesmas como pessoas internacionais capazes de celebrar tratados.
3. Definição de tratado
Uma das primeiras preocupações da Convenção de Viena de 1969 foi definir precisamente o que constitui um tratado; o artigo 2o define tratado como "um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular". A importância da definição de tratado num diploma legal como a Convenção de Viena advém dos direitos e obrigações gerados pelo tratado. De acordo com relatório da Comissão Jurídica Internacional, que teve papel fundamental na elaboração da Convenção, o termo recebeu uma acepção bastante ampla, que permite abarcar as numerosas formas de acordos internacionais, regulamentando-as numa lei unificada, com vistas a conferir mais certeza às relações internacionais.
4. Princípios de direito internacional
Os princípios de direito internacional acolhidos pela Convenção são costumes aceitos universalmente pelos quais se pautam as relações internacionais. No Preâmbulo da Convenção, as partes contratantes declaram que a codificação promoverá os propósitos das Nações Unidas estabelecidos na Carta dessa organização. São eles: a preservação da paz e da segurança, o desenvolvimento das relações amigáveis e a cooperação entre as nações[6].
A principal regra de costume internacional consagrada na Convenção de Viena é o princípio de direito internacional "pacta sunt servanda", segundo o qual os acordos são vinculantes. Esta regra está expressa no artigo 26, e também no artigo 2o, parágrafo 2o da Carta das Nações Unidas. Pertencendo ao costume internacional, ela constitui fonte de direito internacional. Ela se baseia na confiança recíproca entre as partes, que se comprometem a cumprir o acordo na esperança de que a outra parte faça o mesmo. É o consentimento dos Estados que gera a obrigação de cumprimento do acordo. Assim sendo, as partes obrigadas pelo tratado são, em teoria, aquelas que o firmaram. Porém, como a própria Convenção incorpora normas costumeiras, podemos considerar que seus preceitos valem para todos os Estados, independentemente de estarem vinculados a tratados. Ademais, no seu Preâmbulo ela ressalva que continuam valendo as normas costumeiras que não estão regulamentadas por ela.
5. Conclusão, vigência e incorporação dos tratados
Outra providência tomada pela Convenção de Viena foi regulamentar os requisitos para a conclusão e entrada em vigor dos tratados. No seu artigo 6o, ela estatui que todos os Estados têm capacidade para celebrar tratados [7]. Porém, como o Estado não é uma pessoa física, ele atua através de representantes. Estes precisam estar devidamente autorizados a realizar atos internacionais em nome do Estado; tal autorização é conferida por um documento denominado "plenos poderes", que o artigo 7o da Convenção regulamenta no seu 1o parágrafo. No 2o parágrafo figuram as exceções ao requisito dos plenos poderes, quais sejam as pessoas que, em virtude das funções do seu cargo, não precisam de tal documento, tais os chefes de Estado, os chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores [8].
A prerrogativa para celebrar tratados é determinada pela lei de cada país [9]. Geralmente, o Poder Executivo é encarregado de negociar os tratados, através de suas representações diplomáticas situadas no local onde se realizam as negociações, e orientadas pelo Ministro das Relações Exteriores. Em caso de acordos mais formais, cabe ao chefe de Estado ou de Governo a assinatura do acordo. O Poder Legislativo fica normalmente incumbido da ratificação do tratado, já que, num sistema democrático, uma decisão de tal vulto não poderia ser tomada unilateralmente por um só poder do Estado. A entrada em vigor dos tratados se dá pela sua ratificação, que os integra ao ordenamento jurídico interno. Eles tornam-se então obrigatórios.
Existe uma pugna a respeito da incorporação dos acordos internacionais ao ordenamento nacional, porque alguns sustentam que os tratados fazem parte do mesmo automaticamente, ou seja, uma vez ratificados valem como lei interna. Entretanto, outros pregam a necessidade de recepção. A recepção seria um procedimento suplementar de transformação do acordo internacional em lei interna, através por exemplo da promulgação de uma norma nacional com o mesmo teor do tratado. Na maioria dos países este procedimento é exigido para convenções escritas, mas não para as normas costumeiras [10]. Quando a recepção não é necessária, o tratado é considerado auto-executável. No caso contrário, ele não é auto-executável. A distinção é importante porque os tratados auto-executáveis seriam imediatamente obrigatórios. A Convenção de Viena, no seu artigo 25, prevê até os casos em que um tratado se tornaria vinculante antes de sua entrada em vigor. Ainda a propósito da vigência dos tratados, a Convenção estabelece, no artigo 28, que eles não serão retroativos, nem ela mesma o será, conforme o artigo 4o.O problema da hierarquia entre as normas internacionais e intra-nacionais é elucidado pela doutrina de Direito Internacional Público de diversas formas. Ou se considera a ordem internacional desligada da ordem interna, ou encara-se ambas como indissociáveis. A primeira teoria recebe o nome de dualismo, a segunda de monismo [11].
1. Dualismo
Foi Verdross quem, em 1914, cunhou a expressão "dualismo". Para os autores dualistas, o direito interno e o externo ao Estado são dois sistemas distintos, entre os quais não haveria conflito, porque eles regulam matérias diferentes. Por conseguinte, na visão dualista um tratado internacional não pode regular imediatamente uma questão interna: ele precisa ser incorporado ao ordenamento interno por um procedimento de recepção que o transforma em lei interna. O alemão Triepel destaca, em sua obra de direito internacional de 1899, que três diferenças entre as ordens jurídicas interna e externa:
– na esfera internacional, o Estado é o único sujeito de direito;
– o direito internacional é fruto da vontade de vários Estados, manifestada em tratados;
– na ordem interna ocorrem relações de subordinação entre o Estado e seus súditos, e na ordem externa as relações são de coordenação entre os Estados.
As críticas que se pode fazer ao dualismo são as seguintes:
– atualmente os particulares também podem ser sujeitos de direito internacional;
– o costume internacional é uma fonte de direito independente da vontade dos Estados;
– o Estado é indissociável de seu ordenamento, logo é o mesmo sujeito no direito interno e no externo.
2. Monismo
Por outro lado, os monistas descrevem os dois ordenamentos, interno e externo, superpostos numa mesma ordem jurídica, argumentando que não existe matéria exclusiva de direito interno. Toda questão interna pode ser regulada por uma norma externa. Apenas o direito internacional tem matérias exclusivas.
O pensamento monista divide-se em três correntes principais.
2.1 Predomínio do direito interno
O monismo com predomínio do direito interno afirma a superioridade do Estado, que é soberano para dirigir suas relações internacionais de acordo com sua lei interna. Esta vertente é influenciada pela filosofia de Spinoza e pela de Hegel, que defendia a soberania absoluta do Estado. Conseqüentemente, o Estado só poderia se submeter a um sistema jurídico pela sua própria vontade. No século XIX, Jellinek aplicou o conceito de Hegel na sua tese de que o fundamento do direito internacional é a autolimitação do Estado.
As críticas mais freqüentes a esta corrente monista são:
– ela reduz o direito internacional a uma mera manifestação do direito interno;
– é um pseudo-monismo, pois há uma variedade de direitos internos [12];
– a validade dos acordos internacionais permanece em detrimento das mudanças das legislações internas.
2.2 Predomínio do direito internacional
O monismo com predomínio do direito internacional dota os acordos internacionais de supremacia, sobrepondo-os à lei interna. Kelsen e Verdross postulam o primado da ordem internacional colocando a norma costumeira "pacta sunt servanda" como norma fundamental do ordenamento jurídico. Eles entendem que a soberania dos Estados depende da ordem internacional. Assim, quando há oposição entre as ordens interna e externa, não ocorre uma cisão do sistema jurídico, porque é a norma internacional que predomina. Tal fato se verifica através da existência do instituto da responsabilidade internacional: em caso de violação de norma convencional, a parte lesada pode intentar um processo contra o Estado infrator. No caso inverso, de uma norma convencional contrariar uma lei interna, não existe tal possibilidade.
O monismo com primazia dos tratados é criticado por não corresponder à História, que descreve o Estado como anterior ao direito internacional. Os adeptos dessa vertente retrucam que ela é uma teoria lógica: não se pode conceber um direito internacional que não seja superior aos ordenamentos estatais.
2.3 Monismo moderado
Enfim, o monismo moderado julga as normas internas e externas equivalentes, recomendando o princípio da lei posterior para solucionar os conflitos entre elas.
3. Direito comparado [13]
A doutrina internacional prevalecente é o monismo com primazia do direito internacional. A Constituição da Holanda de 1956, por exemplo, permite a aprovação de tratados contrários a ela mesma por uma maioria de dois terços dos congressistas. A Constituição da França de 1958 determina que os tratados são superiores à lei, contanto que a outra parte no acordo também o cumpra. Na antiga República Federal da Alemanha os tratados têm preponderância sobre as leis e estão submetidos a um controle jurisdicional. A Constituição do principado de Andorra assinala que os acordos internacionais não podem ser modificados por leis posteriores. As regras de direito internacional consuetudinário, por sua vez, são consideradas superiores ao ordenamento interno na Alemanha, na Grécia, na Itália e no Japão.
A maioria dos países incorpora o direito costumeiro internacional sem recepção, como é o caso dos Estados Unidos, da Grécia, da Inglaterra, da Itália, de Portugal e da antiga República Democrática Alemã. O famoso jurista inglês do século XVIII, Blackstone, enunciou a regra que vale até hoje na Inglaterra: "The law of the nations is held to be a part of the law of the land".
Em contrapartida, seguindo uma orientação dualista, exige-se geralmente um ato de recepção para o direito convencional, respondendo ao preceito constitucional de separação dos poderes. No Inglaterra é necessário um Act of Parliament. Na Itália é mister uma ordem de execução. A França pede simplesmente a publicação do tratado.1. Breve panorama da matéria no direito brasileiro anterior à Constituição de 1988
Nas relações com outros Estados, o nosso direito sempre estatuiu, concretizando em regra jurídica constitucional, que "fazer tratados" compete ao chefe do Poder Executivo (art. 102 da Constituição do Império), sendo competência privativa da União, no dizer da Constituição de 1891, art. 34, II: "resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações estrangeiras"; na Constituição de 1934, art. 5o, I: "Compete privativamente à União celebrar tratados e convenções internacionais"; na Constituição de 1946, art. 5o, I: "Compete à União celebrar tratados e convenções internacionais com os Estados Estrangeiros"; na Constituição de 1967, art. 8o, I e Emenda Constitucional n.o 1 de 1969, art. 8o, I: "Compete à União manter relações com Estados Estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções" [14].
Por outro lado, excetuando-se a carta de 1937, a tradição constitucional brasileira desde 1891 até o presente aponta para colaboração entre Executivo e Legislativo na conclusão dos tratados internacionais. Sempre se preservou, portanto, a participação de ambos os poderes na conclusão dos tratados internacionais. O artigo 64, I da Constituição de 1946 inclui na competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre os tratados e convenções celebrados com Estados Estrangeiros pelo Presidente da República. O princípio foi reproduzido pela Constituição de 1967 (art. 47, I) e mantido pela Emenda Constitucional n.º 1 (art. 44, I) [15].
Na esfera do direito internacional, a Convenção de Havana sobre os direitos dos tratados foi assinada em 20 de fevereiro de 1929 (na VI Conferência Interamericana) e foi sancionada no Brasil pelo Dec. 5647, de 8 de janeiro de 1929, sendo ratificada a 30 e junho de 1929 e promulgada pelo Dec. 18.596 de 22 de outubro de 1929. A convenção de Viena sobre o direito dos tratados foi assinada em 1969. Entrou em vigor em 1980 e ainda não foi ratificada pelo Brasil [16].
2. A formação e a implementação de tratados na lei brasileira
2.1 O artigo 5o pg. 2o: a internalização dos tratados internacionais no sistema jurídico brasileiro.
No título II, da carta de 88, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais, encontra-se o artigo 5o, pg. 2o, cujo texto transcrevemos: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Esta norma constitucional é a principal fonte para que se estabeleça a maneira como os tratados internacionais serão equacionados no nosso ordenamento jurídico.
Este artigo prescreve de maneira clara que a Constituição Brasileira adotou a forma de recepção automática do direito convencional, reconhecendo como parte integrante de nosso ordenamento os tratados internacionais que forem devidamente assinados e ratificados pelo Brasil. Por conseguinte, foi adotado no sistema jurídico brasileiro o monismo moderado no que concerne a incorporação de tratados [17].
Antes era possível para parte da doutrina brasileira estabelecer que havia a necessidade da intermediação de um ato de força legislativa para tornar um tratado obrigatório na ordem interna. As constituições anteriores, ao contrário da atual, davam margem à sustentação da tese dualista. Neste sentido, a Constituição de 88 trouxe uma mudança significativa. A redação do parágrafo 5o pôs fim à base legal que sustentava a tese dualista, é dizer, que os tratados obrigam diretamente os Estados, mas não geram direitos subjetivos para os particulares, que ficariam na dependência dessa intermediação legislativa. Com esta alteração, adotando uma postura monista em relação à internalização dos tratados, é possível invocá-los sem a necessidade de edição pelo legislativo de ato com força de lei, voltado à vigência interna dos acordos internacionais [18]. Integrando à sua legislação o conteúdo constante dos acordos internacionais, podemos considerar justamente que, no Brasil, os tratados e convenções são fonte de direito no sistema jurídico. Portanto, não sendo mais possível sustentar uma postura dualista em nosso ordenamento, um passo importante foi dado para a superação não só de divergências doutrinárias, mas principalmente de divergências jurisprudenciais.
Neste sentido, há um voto proferido pelo Ministro Osvaldo Trigueiro, no recurso extraordinário de 4 de agosto de 1971, julgado pela Suprema Corte, do seguinte teor: "Não me parece curial que o Brasil firme um tratado, que esse tratado seja aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, que em seguida seja promulgado, e apesar de tudo isso sua validade ainda dependa de novo ato do Poder Legislativo. A prevalecer esse critério, o tratado, após sua ratificação, vigoraria apenas no plano internacional, porém não no âmbito do direito interno, o que colocaria o Brasil na privilegiada posição de poder exigir a observância do pactuado pelas outras partes contratantes, sem ficar sujeito à obrigação recíproca. A objeção seria ponderável se a aprovação do tratado estivesse confiada a outro órgão que não o Congresso Nacional mas, se a aprovação é ato do mesmo poder elaborador do direito escrito, não se justificaria que, além de solenemente aprovar os termos de um tratado, o Congresso Nacional ainda tivesse de confirmá-los reptidamente em novo diploma legal" [19].
Portanto, com o advento das modificações introduzidas pela Constituição de 1988, estes debates jurisprudenciais não são mais possíveis, uma vez que a posição do Min. Osvaldo Trigueiro foi adotada na nova Carta.
2.2 Procedimento legal para a conclusão de tratados no Brasil
A aprovação dos tratados obedece ao mesmo processo de elaboração da lei, com a observância de idênticas formalidades de tramitação.
O tratado, depois de assinado pelos representantes devidamente credenciados pelo Presidente da República, deverá ser encaminhado imediatamente ao Congresso Nacional para que este o examine. Após o referendum do Poder Legislativo, o tratado deve ser promulgado, através de um decreto legislativo expedido pelo presidente deste órgão, e remetido ao Presidente da República, para que este, se achar conveniente, o ratifique, e troque (se bilateral) ou deposite (se multilateral) as cartas de ratificação. Cumpridas estas providências, o tratado deverá ser publicado para que todos tenham conhecimento de seu texto e de sua plena vigência [20]. Ele passa a integrar o nosso direito positivo e suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo que modificarem a legislação interna. Isto porque a incorporação da norma internacional verifica-se no momento em que a ratificação do tratado entrar em vigor.
Há dois atos perfeitamente distintos – a aprovação pelo Congresso Nacional, através de um decreto legislativo, e a ratificação – após os quais será o tratado incorporado à legislação interna. Porém, se o tratado aprovado pelo Congresso Nacional não passar pelos trâmites subsequentes, jamais entrará em vigor, pois a aprovação de um tratado pelo legislativo é condição essencial para sua ratificação, porém não a torna obrigatória, já que a anuência de ratificação é ato inerente à soberania do Estado e constitui o exercício normal de um direito.
Com base no que foi dito acima sobre o procedimento de conclusão de tratados, podemos afirmar que compete à União, e só a ela, manter relações com os Estados estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções. Daí o entendimento de J. Cretella Jr. [21], nos seus comentários à Constituição de 88, de que houve um lapso do legislador constituinte, pois na Constituição está escrito que compete à República do Brasil ser parte em tratados, quando esta na realidade jamais pode figurar como parte em tratados internacionais. Parte para concluir tratados, é a União, sujeito de direito, sendo que a competência da União e não da República é o que se deve entender no artigo 5o, pg. 2o. Outrossim, Francisco Rezek [22] coloca que, embora seja imprescindível a colaboração do Legislativo na conclusão dos tratados internacionais, através de aprovação, a prática amplamente consagrada demonstra "que o poder Executivo é o titular único das relações exteriores no seu aspecto dinâmico".
Contudo, entendemos que a necessidade de o Congresso Nacional apreciar todos os tratados concertados pelo Presidente da República – e não apenas os que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (artigo 49, inciso I, da CF) – é imperativa, apesar de neste ponto haver divergência doutrinária.
2.3 A competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a constitucionalidade de tratado.
A Constituição de 88 estabelece que, no Brasil, os tratados se encontram sujeitos ao controle de constitucionalidade.
A nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado Brasileiro. Da rigidez emana o princípio da supremacia da Constituição, o que significa que esta se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade e, que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconhece e na proporção em que ela os distribui. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se acham as normas fundamentais do mesmo, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.
Todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal. As que não o fizerem poderão ser julgadas inconstitucionais. Na inconstitucionalidade por ação, caso em que a produção de atos legislativos contraria normas ou princípios da Constituição, ocorre uma incompatibilidade vertical que se resolve em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores. Esta inconstitucionalidade vertical de normas inferiores (leis, decretos e outras) frente à Constituição se chama, tecnicamente, inconstitucionalidade das leis ou atos do poder público. A incompatibilidade resultante dela não pode perdurar, porque contrasta com o princípio da coerência e harmonia das normas do ordenamento jurídico [23].
O controle de constitucionalidade serve portanto para defender a supremacia constitucional contra as inconstitucionalidades. Este controle é exercido pelo Poder Judiciário, que tem a faculdade de declarar a inconstitucionalidade de lei que contrarie preceitos ou princípios constitucionais. Disto deriva o artigo 102, pg. III, letra b: "Compete ao Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal."
O ordenamento jurídico brasileiro prevê a inclusão dos tratados no nosso ordenamento, mas submete-os ao controle de constitucionalidade do Judiciário, de maneira que estes serão incorporados ao sistema jurídico, desde que não estejam em conflito com a Constituição. Portanto, de acordo com este artigo, os tratados não têm superioridade hierárquica, estando abaixo das normas constitucionais. O que se pode afirmar é que, uma vez recepcionados , e dada a condição de que não se incompatibilizem com preceitos constitucionais, os tratados são incorporados à nossa legislação infraconstitucional, adquirindo validade e eficácia.
O controle de constitucionalidade é dado ao Supremo Tribuna Federal em função da repartição de poderes presente em nossa Constituição. Supõe-se que tanto o Presidente da República quanto o Congresso Nacional têm ampla competência para decidir quais tratados o Brasil deve assinar. Porém, como já antes posto, a fiscalização dos atos dos outros poderes pelo Poder Judiciário, tem a função de garantir a constitucionalidade das normas que entram no sistema jurídico, pois à ele cabe guardar a Constituição e zelar pelo cumprimento dos princípios presentes em no ordenamento, e garantir que o sistema de freios e pesos, que tem por objetivo equilibrar as forças entre os Poderes da República, seja respeitado.
Assim sendo, é possível concluir que a Constituição Brasileira não estabelece que os tratados internacionais estão acima do ordenamento jurídico, mas sim que estão no plano infraconstitucional e, sua válidade ocorre dentro deste plano. Como já foi antes mencionado, os países decidem soberanamente a maneira de incorporar ao seu ordenamento o direito convencional e, no caso Brasileiro a inserção dos tratados foi determinada para dar-se abaixo das normas constitucionais.
Em conformidade com o exposto, a jurisprudência tem decidido repetidas vezes pela não eficácia dos tratados no plano interno se ocorrer antinomia entre estes e a Constituição, uma vez que de acordo com o sistema previsto, a cláusula de um tratado que infringir a Constituição Federal é nula. Se, em virtude desta declaração de nulidade ocorre a suspensão parcial do tratado e, isto sugerir a denúncia da outra parte contratante, é questão de interpretação do negócio jurídico de direito das gentes.
Em recente decisão do STF, no Habeas Corpus nº 73.151 – 1, do Rio de Janeiro (in D.J.U.1 de 1 de 31.10.97) está entendido, relativamente ao Pacto de San José da Costa Rica, que este não se aplica de forma irrestrita, devendo ser ressalvadas a Constituição e as leis dos Estados Partes. No Pacto de San José, há um artigo estabelecendo que não haverá prisão por dívida, mas a Carta de 88 no artigo permite este tipo de pena quando se tratar de pensão alimentícia e de depositário infiel. Este é um típico caso de antinomia entre a legislação constitucional e um tratado ratificado pelo Brasil em que a controvérsia se resolve com a não eficácia deste artigo específico do Pacto no Brasil.
3. Conflito entre tratado e lei interna. Doutrina e jurisprudência.
Este é sem dúvida um dos temas mais polêmicos dentro do direito internacional e, o que mais tem causado debates e interpretações contraditórias nestes anos. No Brasil as divergências ocorrem principalmente entre a doutrina e as decisões jurisprudenciais.
Na doutrina brasileira há um predomínio da teoria monista com primazia do Direito Internacional. Assim, por exemplo, para o Prof. Marotta Rangel, por força da unidade do gênero humano, haveria uma prevalência hierárquica da norma internacional sobre as leis internas. Por conseqüência, as normas internacionais prevaleceriam inclusive sobre as constitucionais, assim como estas prevalecem sobre as legais e ambas sobre as federais e assim por diante. No dizer de Celso Albuquerque de Mello, o Estado é sujeito de Direito Internacional e de Direito Interno, não podendo estar submetido a duas ordens jurídicas que se chocam [24]. Outrossim, não é possível esquecer que a violação de um preceito de ordem internacional acarreta responsabilidade para o Estado, havendo desta maneira primazia do direito internacional. Já Hildebrando Accioly prefere dizer que o direito internacional é superior ao Estado, porque derivaria de um princípio superior à vontade dos Estados, sendo como tal hierarquicamente superior [25].
Esta posição de prevalência do direito internacional, praticamente unânime entre os mais importantes doutrinadores da área do direito internacional no Brasil, contrasta frontalmente com quase todas as decisões jurisprudenciais sobre a matéria. É preciso acrescentar que as decisões dos tribunais, muitas vezes, não levam em conta a opinião de nossos especialistas. Mas, como veremos, o Judiciário tem que, ao decidir, fazê-lo com base na legislação constitucional, e esta é omissa no que diz respeito à superioridade dos tratados sobre a legislação infraconstitucional e expressa sobre a superioridade hierárquica da carta constitucional sobre os mesmos.
Assim, como não foi agasalhada em nosso ordenamento a interpretação dos doutrinadores supra citados e, os tribunais têm que se ater à legislação para decidir sobre a matéria, verifica-se esta total divergência entre os dois entendimentos. Mas, a divergência acontece na realidade entre o que afirmam os juristas e o que a Constituição estabeleceu. Como as Constituições Brasileiras não estamparam regra específica sobre esta questão e, a Carta vigente coloca tratados e a leis federais no mesmo patamar, a incorporação de tratados pelo critério do monismo moderado é a tese que vem sendo usada pelo Supremo Tribunal, que desta forma considera as duas fontes, a lei interna e tratados, igualadas.
Pode-se afirmar, a partir destas colocações, que o direito entrado por via de tratado, está no mesmo plano de igualdade que o direito elaborado internamente, não sendo superior a este. Esta teoria da paridade entre as duas fontes estabelece que os tratados prevalecem sobre as leis internas anteriores a sua promulgação. Mas existindo conflito entre o tratado e a lei posterior, prevalece a lei interna.
Isto traz problemas para o Brasil no plano internacional porque contrapõe-se ao texto da Convenção de Viena, quando esta diz que um país não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado. Entretanto vale lembrar que o Brasil ainda não ratificou a Convenção que se encontra atualmente no Congresso Nacional aguardando o referendo.
A principal jurisprudência neste sentido é o RE 80.004 – SE (in DJU 29.12.77), onde o plenário do STF, através do acórdão de 1.6.77, debateu amplamente a matéria, em suas diversas correntes, concluindo por maioria de votos, pela revogabilidade do Tratado Internacional por lei ordinária posterior. De um lado, defendendo a teoria clássica da primazia do Direito Internacional, manifestaram-se os Ministros Xavier de Albuquerque e Eloy da Rocha, o primeiro principalmente lastreado na jurisprudência do STF e invocando o ensino de Orozimbo Nonato, segundo quem o Estado, vinculado por tratado, não pode argüir lei alguma que contrarie esse mesmo tratado, sendo certo que, enquanto não denunciado, não poderia o Estado descumpri-lo. Trata-se da adoção da teoria do monismo radical.
De outro lado tomaram posição os Ministros Cunha Peixoto, Leitão de Abreu, Rodrigues de Alckmin e Thompson Flores. Para Cunha Peixoto, o cerne da questão encontrar-se-ia não nas teorias sobre o direito internacional, mas no Direito Constitucional de cada Estado. Assim sendo, como na Constituição Federal brasileira inexiste vedação para que o legislador ordinário apresente projeto que revogue norma com origem em tratado internacional, aplicar-se-ia, em caso de conflito, o princípio da "lex posterior derogat legi priori". O Min. Cordeiro Guerra coloca que a promulgação de um tratado dá-lhe força de lei, sem porém conferir-lhe força constitucional. A eventual derrogação de um tratado internacional por lei ordinária poderia, quando muito, ensejar reclamação de outro Estado, sem que tal fato contudo, afetasse a validade da norma interna e as questões do direito interno. A maioria dos Ministros entendeu que a Constituição Federal não confere o mesmo "status" à lei federal e ao tratado internacional. Ambos em verdade situar-se-iam hierarquicamente abaixo da Constituição valendo portanto o princípio da Lei de Introdução ao Código Civil "lex posteriori derogat priori". Ao fim deste amplo debate, como foi decidido que é possível a revogabilidade dos tratados internacionais por lei ordinária posterior, todas as decisões subsequentes passaram a acompanhar este entendimento, consolidando a posição dos tribunais nesta direção.
Outro RE também com o mesmo entendimento é o de no 90.871 – PE de 18.6.96, onde foi decidido que não é possível dar a isenção de ICMS (de determinados fatos geradores) como era previsto no GATT, porque a União não pode firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido, já que pela Constituição, a competência para isto é dos Governos Estaduais.
Como se vê pelas jurisprudências mencionadas, o entendimento do Judiciário, principalmente a partir do RE 80.004, tem realmente sido no sentido de que os tratados assinados pelo Brasil são revogados pelas leis ordinárias internas posteriores.
Duas exceções a este entendimento podem ser mencionadas:
1) Na matéria tributária (artigo 98 do CTN), está colocado que os tratados internacionais na matéria tributária não são revogados pelas leis internas posteriores. Mas, mesmo com este dispositivo não é pacífico na jurisprudência que os tratados na matéria tributária não são revogados por leis internas, sendo que muitos consideram este artigo do CTN como inconstitucional.
2) Quando o tratado versar sobre lei específica e a lei interna for geral a norma específica do tratado prevalece. Neste sentido, o Habeas Corpus no 58.727 julgado pelo Supremo Tribunal Federal[26].
Disto tudo pode-se inferir, como já antes colocado e afirmado por inúmeros juristas, que não há na Constituição norma que estabeleça a prevalência dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação interna. A falta desta norma constitucional, estabelecendo restrições ao Poder Legislativo para editar leis que revoguem as disposições de um tratado no âmbito interno, leva a entender que a validade das leis internas posteriores ao se conflitarem com tratados, revogam os mesmos.
Apesar disto, é importar lembrar que existem acórdãos mais antigos da Suprema Corte, de 1943 e 1951, em que a primazia do tratado foi defendida em todas as hipóteses: "o tratado revoga as leis que lhe são anteriores; mas não pode, entretanto, ser revogado pelas posteriores, se estas não o fizerem expressamente ou se não o denunciarem" (Apelação Civil no 9.587, de 1951) [27]. Porém estas decisões não são mais encontradas hoje em dia.
4. A Convenção de Viena sobre a lei dos tratados e os efeitos em relação à lei brasileira.
Infelizmente, o Brasil até hoje não ratificou a Convenção de Viena. Existem dúvidas acerca da compatibilidade de algumas cláusulas sobre a entrada em vigor de tratados e prática constitucional brasileira, mas elas derivam de exegese excessivamente rigorosa de disposições enunciativas de possibilidades a serem utilizadas ou não pelos Estados. Isto tem retardado o referendo do Congresso Nacional.
Esses impedimentos não são injustificados, porque além do mecanismo de reserva previsto na Convenção que permite ao país não se vincular a determinadas partes de um tratado, o artigo 46 da mesma Convenção, abre espaço para que um país, seguindo as disposições estabelecidas, desvincule-se de um tratado quando entender que o mesmo está em contradição com seus interesses nacionais.
Com a relutância brasileira em assinar a Convenção, nos parece claro que ficamos numa situação desvantajosa com relação a outros países no plano internacional. Sendo ratificada a Convenção, pensamos que, como algumas de suas disposições podem conflitar com nosso ordenamento, é preciso que o Brasil, ao assinaná-la, edite uma emenda constitucional que estabeleça que os tratados revogam as leis internas, mas não são por estas revogados. Com a inclusão no plano constitucional de semelhante norma, acreditamos ser possível dirimir as divergências e proporcionar uma verdadeira efetividade dos tratados internacionais no plano interno.
Ao Brasil resta, ratificando a Convenção, utilizar os instrumentos da mesma para desvincular-se de tratados e, se assim o fizer utilizará os mecanismos que a própria comunidade internacional estabeleceu, garantindo o respeito às leis internacionais e às outras nações.A questão da hierarquia entre os tratados internacionais e a lei interna é um problema de fontes de Direito Internacional Público que depende da maneira pela qual o ordenamento jurídico de cada país estabelece a validade destas fontes e a relação entre elas. Considerando-se a importância da integração econômica entre as nações, entende-se a necessidade de estabelecer relações jurídicas seguras e se possível duradouras entre membros da comunidade internacional. Além disto, há a necessidade de criar políticas conjuntas para harmonizar áreas que são do interesse do conjunto dos países, tais como direito ambiental, regulamentação de práticas comerciais e controle de armamentos nucleares.
O mecanismo mais utilizado na harmonização das relações entre os Estados são os tratados internacionais. Como os tratados permitem que os Estados criem normas para regular suas relações externas, é preciso encontrar formas eficientes para concluir tratados e torná-los plenamente executáveis pelas partes contratantes. Pode-se afirmar que esta nova ordem internacional é benéfica para todos os países, mas principalmente para aqueles em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, uma vez que firmando tratados é possível integrar-se à comunidade internacional de forma soberana, criando acordos onde são feitas concessões mas também muitos benefícios são concedidos.
Porém, o que verificamos ao longo deste trabalho é que a adoção de práticas internacionais comuns é uma tarefa difícil de ser realizada, pois apesar do parágrafo 27 da Convenção de Viena estipular que uma parte não pode descumprir um tratado com base na lei interna, os estados permanecem soberanos dentro da comunidade internacional para decidir qual é o âmbito de aplicação, eficácia e validade destes acordos jurídicos dentro de seu território. A questão da soberania das nações reside no fato de que cada Estado escolhe seus próprios critérios de adesão aos tratados. Assim, não obstante o princípio "pacta sunt servanda", a derrogação da soberania está limitada pelos interesses de cada país.
Podemos considerar os tratados como uma zona de convergência entre esses interesses. Os Estado não encontrarão necessariamente as mesmas vantagens nas condições de um tratado, mas eles o assinam porque há um mínimo de matérias sobre as quais estão de acordo. Para isto existe o mecanismo das reservas na ratificação. Os interesses dos países signatários de um tratado estão também defendidos em suas constituições. Estas estabelecem o critério de adesão à ordem internacional.
Entende-se que seria difícil um país concluir tratados que o vinculassem de forma permanente a uma determinada situação jurídica. De fato, o direito é composto de normas que regulam as relações dentro da sociedade. Portanto, o direito está continuamente em mutação para adaptar-se às transformações da realidade social e, concomitantemente, aos interesses dos Estados. A própria Convenção de Viena estipula, nos seus artigos 54 e seguintes, as maneiras pelas quais os tratados podem ser modificados ou mesmo extintos. Porém, um país ao qual não interessa mais estar vinculado a um tratado tem outra maneira de desvincular-se dele: criando leis internas que derroguem o conteúdo dos tratados assinados. Entretanto esta maneira é mal vista pelas outras parte signatárias, e acarreta a responsabilidade internacional por descumprimento do artigo 27 da Convenção de Viena. Deste modo é preferível que os países desejosos de se desvincular de um dado tratado empreguem o disposto nos artigos 54 e seguintes, utilizando-se da maneira legal prevista pela lei internacional.
Visto que são várias as formas possíveis que um determinado Estado tem para cumprir e assinar tratados, não há realmente uma segurança jurídica para os países partes em tratados. Mesmo que as disposições da Convenção de Viena sejam fielmente acatadas por todos os membros da comunidade internacional, um estado pode sempre desvincular-se de um tratado se acreditar que esta relação não lhe é mais interessante. Isto posto fica difícil afirmar que há uma superioridade do direito internacional, e que os Estados estão a ele obrigados, apesar da crescente importância que tratados bilaterais e multilaterais vêm alcançando na esfera internacional, dia após dia.
Alguns doutrinadores consideram que na situação atual a comunidade internacional não é fonte de produção de direito independente das que integram cada um dos Estados que a compõem. As normas assim elaboradas não constituiriam exatamente uma norma autônoma no sentido jurídico positivo, mas sim parte do direito do estado no qual se incorpora, não só mediante um instrumento jurídico interno estatal de ratificação, mas por meio de normas legais e convencionais que convertem o tratado (o direito para o Estado) em regra obrigatória para as partes.
A superação de acordos internacionais por leis internas é um fenômeno que se tornou freqüente, no Brasil e em outros países, notadamente nos EUA. Trata-se de algo ilícito, pois não há no direito internacional qualquer medida efetiva de que se possa valer um Estado contratante afim de afastar a superação do que foi internacionalmente acordado [28] .
As regras da Convenção de Viena nem sempre podem ser aplicadas e a experiência dos últimos anos ensina que os estados hesitam em fazer valer tais direitos. É mister, pois, uma solução mais eficaz. Cabe encontrar uma alternativa, no campo do direito internacional. Neste sentido, merece nota a posição da França, ao exigir a inserção, no texto do próprio acordo internacional, de uma cláusula que permita à parte inocente considerá-lo automaticamente rescindido, mediante mera comunicação à outra parte, diante de qualquer norma contrária ao acordo. É claro que tal cláusula pode gerar o risco de que um conflito de menor importância entre uma lei interna e um acordo seja suficiente para uma parte denunciar o acordo internacional. Porém tal solução é preferível à situação atual [29]. Desse modo, ao adotar uma norma contrária a qualquer dispositivo de um acordo, um Estado se verá obrigado a sentar diante de uma mesa de negociações com a outra parte, sob o risco de ver o acordo extinto. Vale mencionar também que, atualmente, os acordos internacionais já estão prevendo mecanismos que possibilitem sua revisão periódica, incluindo igualmente cláusulas como as de salvaguarda constantes no GATT, que permitem que os países não apliquem disposições que sejam prejudiciais aos seus interesses.
Seja como for, consideramos que para o Brasil é importante ratificar a Convenção de Viena, porque ela permitirá ao Brasil denunciar tratados dos quais não quer mais fazer parte, seja porque no plano interno uma nova lei foi criada para regular a mesma matéria do tratado, conflitando com ele, seja porque não interessa mais ao país a vinculação a este tratado. Utilizando os mecanismos presentes na Convenção, o Brasil escaparia de ser responsabilizado internacionalmente e adquiriria uma imagem internacional favorável, mostrando que suas relações internacionais serão conduzidas de forma a proporcionar segurança jurídica para aqueles que estabelecerem tratados conosco.
De forma alguma consideramos que a ratificação da Convenção de Viena pelo Brasil significará que os tratados internacionais serão hierarquicamente superiores às normas constitucionais, pois no nosso entender o artigo da Constituição Federal que dá ao STF a competência para decidir sobre a constitucionalidade dos tratados não se incompatibiliza com o disposto na aludida Convenção. Para que os tratados tenham superioridade hierárquica sobre a Constituição Federal seria necessário uma reforma constitucional que o estabeleça, nos moldes da Constituição Holandesa [30]. Por outro lado entendemos também que, para que no sistema jurídico brasileiro seja impossível a derrogação de tratados pela legislação ordinária, é necessária uma emenda constitucional que o estabeleça de forma clara, para não permitir discussões, principalmente no campo jurisprudencial.
De qualquer forma, a permanecer a atual situação de nosso ordenamento jurídico no tocante a esta matéria, é preciso lembrar que a segurança jurídica que os países buscam ao assinar tratados internacionais não é afetada quando da edição de normas posteriores que derroguem os mesmos, já que as leis posteriores não podem atingir o ato jurídico perfeito concluído na vigência da lei anterior, e somente as relações que se derem depois da perda de validade de um tratado é que terão que se conformar à nova legislação sobre a matéria.
O que será afetado é o fato de que a outra parte signatária de um tratado não pode interferir na consecução de normas internas que alterem os tratados dos quais ela também faz parte, no âmbito interno do outro país contratante, e na situação anterior há sempre a hipótese de que o país que quiser alterar a validade de um tratado no seu ordenamento tenha que se sentar à mesa de negociações. O fato é que na esfera internacional os países se comportam de acordo com seus interesses, e estes mudam assim como a sociedade está em constante mudança.Os tratados internacionais são regidos pelas Convenções de Viena sobre a Lei dos Tratados, de 1969 e 1986. Ao codificar as regras do costume internacional acerca da conclusão e aplicação dos tratados, elas promovem um incremento da segurança nas relações internacionais, definindo as condições de validade e eficácia dos tratados. Muitas das regras que elas contêm valem para todos os Estados, até para aqueles que não as assinaram, porque são princípios de costume internacional. No entanto, a ratificação dessas Convenções demonstra um compromisso maior do Estado com o cumprimento dos pactos internacionais. Por isso acreditamos que o Brasil deveria ratificar a Convenção de Viena de 1969, assinada por nós há 29 anos.
A posição dos tratados internacionais frente à lei interna é um tema controverso que depende das Constituições de cada país. São elas que determinam a hierarquia entre os acordos internacionais e as leis internas. Alguns países colocam os tratados acima da Constituição, outros no nível das normas infraconstitucionais. No mundo de hoje, a necessidade de aproximação entre os Estados, evidenciada na formação de blocos políticos e econômicos, vem conferindo maior importância ao direito internacional. É de se esperar que esta nova conjuntura leve os Estados a dotarem os preceitos internacionais de maior força em relação aos seus ordenamentos internos. 1. Legislação
Código Tributário Nacional, arts. 96 e 98.
Constituição Federal, arts. 5, par. 1 e 2: direitos fundamentais decorrentes de tratado; art. 49, I: competência do Congresso; art. 84, VIII: competência do presidente; art. 102, III, b: competência do STF para declarar inconstitucionalidade de tratado.
EVANS, Malcolm D. International Law Documents. Londres, Blackstone Press Limited, 1991, p. 147-165. Texto da Convenção de Viena.
2. Teoria
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. p. 20-22, 59-61.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília, Editora UnB, 1996, p.105-114.
CARREAU, D. Droit International. Paris, Pedone, 1991, p. 41-60.
DIXON, Martin. Textbook on International Law. Londres, Blackstone Press Limited, 1990, p. 206-222. Comentários à Convenção de Viena.
DIXON, Martin & McCORQUODALE, Robert. Cases and Materials on International Law. Londres, Blackstone Press Limited, 1991, p. 48-50, 54-58, 94-99. Comentários e jurisprudência sobre a Convenção de Viena.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 84-90.
FRANCESCHINI, José Inácio G. "Conflito entre os tratados internacionais e as normas de direito interno que lhes forem posteriores" in RT 556/28.
GAVALDA, Ch. & PARLEANI, G. Traité de droit communautaire des affaires. Paris, Litec, 1992, p. 193-204. Questão do direito comunitário frente às normas nacionais.
KLABBERS, Jan. The Concept of Treaty in International Law. A Haia, Kluwer Law International, 1996, p. 37-64. Definições de tratado.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 8a ed., vol. 1, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1986. Cap. IV p. 74-87: dualismo e monismo; cap. VII p. 121: direito internacional universal e particular; cap. IX p. 143: condições de validade, p. 149: fundamento, p. 152: conflito com lei interna.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 4a ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 83, 103-107.
RIDRUEJO, José A. Pastor. Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales. 6a ed., Madri, Editorial Tecnos, 1986, p. 191-210.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: Treaty Shopping. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 88-103.
SHAW, Malcolm N. International Law. 4a ed., Cambridge, Cambridge University Press, 1997.
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional. p. 99-122. Comenta o art. 98 do CTN.
3. Jurisprudência
Em seu livro de Direito Internacional Privado, Jacob Dolinger cita e comenta amplamente a jurisprudência brasileira (p. 90-107). Acrescemos a lista feita pelo autor de casos mais recentes. A controvérsia persiste, tanto no âmbito da jurisprudência como na relação da mesma com a doutrina. As decisões podem ser agrupadas da seguinte forma:
– de influência dualista
RE 80.004, RT 83/809, de 1978: rejeita a supremacia da Convenção de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissórias, afirmando a superioridade da lei interna. Argumentação dualista com base em autores antigos (Triepel).
Com a mesma orientação: RE 80.043, RTJ 82/530, de 1976; RE 84.372, RTJ 83/194, de 1976; RE 82.515, RTJ 88/205, de 1978; RE 95.002, RTJ 103/779.
RE 113.758, RTJ 124/358, de 1987: inexistência de incompatibilidade entre Tratado do GATT e Constituição, favorecendo a última. Cf. RE 114.784.
– de influência monista absoluta, com predomínio dos tratados
Extradição n. 426, RTJ 115/969; Extradição n. 429, RTJ 119/22; Extradição n. 439, RTJ 119/483; Extradição n. 472, RTJ 128/998.
Habeas Corpus n. 58.727, RTJ 100/1.030, de 1981: primazia do tratado, considerado norma específica, sobre lei interna posterior.
RE 114.784, RTJ 126/804, de 1987: prevalência do tratado do GATT, considerado de natureza contratual. Cf. RE 113.758.
– de influência monista absoluta, com predomínio da lei interna
RE 109.173, RTJ 121/270, de 1987: tratados não podem ferir disposição da Constituição.
Habeas Corpus n. 75.512-7, RDDT 28/182, de 1997: limitações impostas pela Constituição a tratados já ratificados.
RE 90.871-PE, RDDT 28/157, de 1997: predomínio da Constituição em matéria tributária à revelia do artigo 98 do CTN.
– de influência monista moderada
Conflito de jurisdição n. 4.663, RTJ 48/66, de 1968: equipara convenção internacional a lei interna, com prevalência da norma posterior.
RE 71.154, RTJ 58/71, de 1971: rejeita posição dualista da decisão de primeira instância, sugerindo vigência dos tratados como lei interna sem necessidade de recepção.
RE 70.356, RTJ 58/774, de 1971: também defende a incorporação direta das convenções internacionais, acrescentando que estas revogam as leis internas anteriores.