São Paulo – A crise financeira que se abate sobre o mundo desde setembro deste ano teve suas maiores manifestações nos EUA (Estados Unidos da América) e Reino Unido, em função do alto grau de alavancagem encontradas naqueles mercados, obtidas através de operações altamente especulativas nos mercados de derivativos. A princípio, o Brasil, por estar muito mais próximo da economia real e com seus agentes econômicos muito menos endividados do que os daqueles países, deveria sofrer muito menos.
No entanto, nosso país tornou-se muito vulnerável aos efeitos da crise internacional pelos efeitos nefastos da política cambial de sucessivos governos, que valorizaram artificialmente o Real e, assim, abriram margem para um colapso dos mercados domésticos de travas e swaps cambiais, o que efetivamente veio a ocorrer.
Pela falta de regulamentação desses mercados, tornou-se possível a tomada de posições diferidas no correr de 2009, em caráter ilimitado, o que irá gerar grandes perdas no setor produtivo e grandes lucros no setor bancário, inclusive de parte do Banco Central do Brasil, um grande especulador (sic).
Tal fenômeno irá constituir, em realidade, fortes pressões adicionais para uma maior desvalorização da moeda brasileira, num futuro de curto e médio prazo. Por outro lado, as intervenções estéreis e incoerentes do Banco Central do Brasil para a sustentação do Real irão, pouco a pouco, erodir suas reservas monetárias. A situação não irá melhorar com a fuga de ativos financeiros para o dólar dos EUA por diversos atores.
Assim, o perfil do balanço de pagamentos do Brasil que, antes da crise já era negativo, nos últimos 12 meses terminados em outubro de 2008, em US$ 26 bilhões, irá certamente se agravar, o que trará um quadro de vulnerabilidade externa e de baixa atratividade para investimentos internos e estrangeiros.
De outro lado, empréstimos externos tornar-se-ão proibitivos pela volatilidade do Real, situação que trará um risco semelhante àquele verificado nas décadas de 70, 80 e 90. Naquele período, muitas empresas não conseguiram liquidar suas dívidas pela desvalorização excessiva das sucessivas moedas brasileiras.
Por sua vez, os empréstimos domésticos já estão inviáveis pelos altos custos, que chegaram neste mês de dezembro a 188% ao ano, ao consumidor pessoa física no cheque especial. Uma empresa de primeira linha pagará cerca de 140% ao ano. Se considerarmos uma inflação de 6.4% ao ano, temos uma taxa de juros que é, ao mesmo tempo, imoral e ilegal.
A falta de liquidez trazida pela virtual inexistência de crédito no sistema financeiro brasileiro está, pouco a pouco, a garrotear a economia brasileira. Tais conseqüências estão mais evidentes no importante setor do agronegócio, que garante o saldo da balança comercial do Brasil e, tendo diminuído o plantio da nova safra pela falta de recursos, ainda se depara com uma queda dos preços internacionais das mercadorias agrícolas em cerca de 20%. Porém, em outras áreas de bens de consumo, a queda de atividades está também a ocorrer.
Em face de tal preocupante quadro, não se pode justificar a inação do governo brasileiro em adotar medidas eficazes para aumentar o grau de liquidez na economia brasileira. É certo que as autoridades têm medidas monetárias para a injeção de liquidez no sistema, como a liberação de depósitos compulsórios, que já deveriam ter sido utilizadas, com o devido balizamento para a limitação dos custos financeiros.
Esse balizamento dos juros decorre dos poderes discricionários atribuídos pela legislação de regência ao Banco Central do Brasil, à vedação ao aumento arbitrário dos lucros, e ainda do disposto na Constituição Federal que, se por um lado assegura a livre iniciativa, a condiciona à sua função social.
Nesse momento em que a crise nos ameaça mais pela nossa incapacidade de lidar com os seus fenômenos idiossincráticos locais, que de resto são mais fáceis de resolver, o Brasil clama pela lúcida ação de seus estadistas, na forma da Lei.
Quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).