Londres – A declaração unilateral de independência de Kosovo, província da República Sérvia, havida no domingo passado, dia 17 de fevereiro de 2008, foi feita em violação a normas cogentes de direito internacional. Apesar disso, Kosovo foi reconhecido como estado independente por alguns países, dentre eles os EUA (Estados Unidos da América), a Turquia e alguns dos 27 membros da UE (União Européia), que restou dividida na questão.
De fato, os Estados europeus mais ativos na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Reino Unido, Alemanha e Itália, mais a França, apressaram-se em reconhecer o novo Estado kosovar, apesar da flagrante violação às normas de direito internacional. De outro lado, opuseram-se abertamente a Espanha, a Romênia e Chipre, da parte de quem também alinharam-se a Grécia, a Eslováquia e a Bulgária.
Igualmente contrários à iniciativa, e de um modo geral pelos mesmos fundamentos de direito, estão a Federação Russa e a República Popular da China, ambos Estados membros permanentes, com poder de veto, do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).
Com uma população de apenas 1,8 milhão de habitantes, equivalentes a, por exemplo, à grande São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo, Brasil, mas sem sua paz, prosperidade e tolerância, Kosovo tem 90% de sua população composta da etnia albanesa, de formação religiosa predominantemente muçulmana. Os restantes são principalmente de etnia sérvia e de religião católica ortodoxa.
A atual situação política de Kosovo é um dos resultados da desastrosa guerra promovida pela Otan na região com o objetivo de desestabilizar a Sérvia e, ainda hoje há, no território kosovar, uma tropa daquela aliança militar ofensiva e defensiva de 18 mil combatentes, ou seja um soldado para cada 10 habitantes.
A declaração de independência de Kosovo foi, é claro, encorajada pelo regime arbitrário, brutal e criminoso dos EUA, que tem promovido a contínua deconstrução do direito internacional duramente erigido durante décadas na mais diversas áreas, inclusive no tocante aos direitos humanos e as liberdades individuais, normas que constituem patrimônio da humanidade.
Pois bem, ao induzirem Kosovo à declaração unilateral de independência, os EUA e seus Estados clientes, como o Reino Unido, estão a semear o germe da instabilidade nas relações internacionais, por repudiar o princípio da integridade territorial dos Estados ou sua independência política, como consagrado no artigo 2 da Carta da ONU, o tratado internacional de mais alta hierarquia.
Note-se que apesar da província de Kosovo estar sob a jurisdição da ONU desde o final da guerra desencadeada pela Otan, em 1999, continuava ela a fazer parte da República Sérvia. Mais ainda, a ONU jamais aprovou uma declaração de independência de Kosovo e, muito menos, a Sérvia.
O precedente é muito perigoso para as relações internacionais. Praticamente todos os países europeus têm situações étnicas semelhantes à de Kosovo. Veja-se, por exemplo, a questão dos bascos na Espanha e França; a Catalunha e a Galícia, ainda na Espanha; a Padania, na Itália; a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte, no Reino Unido; os flamengos e os valões, na Bélgica; e mais uma caixa de Pandora no Cáucaso, com as Osécias do norte e do sul e diversas outras nacionalidades a reinvidicar a figura de Estados independentes.
Em outras partes do mundo, a situação apresenta-se da mesma forma potencialmente crítica, como por exemplo a questão da província de Taiwan com a República Popular da China. No México, há a questão de Chiapas. Até mesmo no Brasil há o risco de certas reservas indígenas buscarem a independência e o reconhecimento como Estado.
A história registra que o repúdio ao jus inter gentes é sempre feito com um altíssimo preço a ser pago pela humanidade. O reconhecimento da independência de Kosovo é um desses casos. Espera-se que o Itamaraty não se precipite e, mantendo-se fiel às tradições legalistas da diplomacia brasileira, abstenha-se de afiançar tamanha violação ao direito internacional.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).